Safra de café de 2025 contrasta previsões oficiais e realidade no campo

Foto: Arquivo Nelson Duarte

A cafeicultura brasileira se encontra em um período de grandes incertezas em torno da safra de 2025. Enquanto o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) divulgam previsões mais otimistas para o volume de produção, especialistas, produtores e instituições de assistência técnica apontam para um cenário de precaução, marcado por adversidades climáticas que afetaram as lavouras ao longo de 2024. Nos bastidores, paira a preocupação de que projeções consideradas distantes da realidade possam impactar a formação de preços no mercado internacional, trazendo prejuízos à renda do produtor.

O ano de 2024 foi especialmente crítico para a cultura do café no Brasil. A seca prolongada, aliada a temperaturas mais altas do que o normal, deixou marcas profundas em diferentes regiões cafeeiras do país, prejudicando o desenvolvimento das plantas. Muitas floradas não vingaram em lavouras que já estavam debilitadas após um inverno pouco rigoroso, sem aquele período tradicional de dormência, fundamental para a recuperação dos cafezais. Em alguns casos, houve necessidade de intervenções de poda — como o esqueletamento — ou até mesmo substituição das lavouras mais afetadas. Além disso, as altas temperaturas, registradas mesmo nos meses tidos como “mais frios”, agravaram o estresse hídrico das plantas.

Nesse contexto, as projeções que apontam um volume maior de produção, na visão de inúmeros técnicos e produtores, podem não refletir o cenário real. Uma das críticas que surgem é que tais estimativas alimentam, na esfera internacional, a ideia de uma oferta mais robusta do que aquela efetivamente disponível, derrubando a cotação do café na Bolsa de Nova York. Segundo especialistas do setor, em um mercado altamente especulativo, qualquer sinal de safra volumosa no Brasil — maior produtor mundial de café — costuma pressionar os preços para baixo, influenciando de maneira direta a renda do produtor.

DADOS EM CONTRASTE

Relatórios como o Agro Mensal, do Itaú BBA, apontam que a safra brasileira de café em 2025 deverá permanecer abaixo da média, prolongando um período de cinco anos de produção aquém do normal. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) revisou para baixo sua projeção para a safra 2024/25 do Brasil, passando de 69,9 milhões para 66,4 milhões de sacas. Embora esse número ainda seja expressivo, reflete uma realidade de perdas, sobretudo na produção de café arábica, mais suscetível às oscilações climáticas. A variação estimada para o arábica é de +1,1% em relação ao ciclo anterior, enquanto para o robusta (conilon) há previsão de -1,9%. Apesar de não ser o foco principal deste debate, o conilon, sobretudo no Espírito Santo, tende a ter um desempenho mais favorável, pois o pegamento das floradas foi positivo, e os tratos culturais adequados devem ajudar a manter a produtividade.

A extensão da queda de produção no arábica, no entanto, só será melhor dimensionada após a consolidação dos dados da colheita em 2025. A escassez de arábica no mercado global, combinada ao aumento do consumo de café em vários países, tende a sustentar os preços em patamares elevados — pelo menos no cenário traçado por analistas internacionais. No entanto, esse comportamento de mercado pode ser revertido se as estatísticas oficiais indicarem uma oferta maior do que aquela que se confirma na prática, reforçando o clima de volatilidade.

VISÃO DE CAMPO

Em São Sebastião do Paraíso, a extensionista Sirlei Sanfelice, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (EMATER-MG), acompanha de perto a situação dos produtores locais. Ela reforça que a safra de 2024, marcada por um inverno atípico — com poucos dias de frio intenso — e seca prolongada, deixou as plantas enfraquecidas. “Tudo o que aconteceu em 2024 está refletindo agora em 2025. Tivemos dias muito quentes, um período mais extenso sem chuva e, por isso, a florada não vingou em muitas propriedades. Desde a safra 2021, quando os efeitos da seca se intensificaram, não registramos uma produção elevada. Os estoques estão cada vez menores e, por isso, há uma grande procura pelo café que ainda resta em mãos dos produtores.”

Segundo Sirlei, o maior desafio para as plantas, atualmente, é lidar com as oscilações de umidade e a incidência de doenças fúngicas, especialmente após o retorno das chuvas em outubro. Ela cita que “em algumas áreas, houve perdas pontuais de chumbinhos, embora não seja algo generalizado. Mas esse tipo de problema pode aumentar se os tratos culturais não forem feitos com rigor”. Por isso, a extensionista rural tem reforçado o alerta para adoção de pulverizações mais específicas, nutrição equilibrada e fracionada ao longo do ano, além de investimentos em irrigação, onde possível.

Apesar das previsões de aumento na safra, Sirlei pondera que, no campo, a realidade não é tão otimista. Para ela, é cedo para afirmar se haverá, de fato, uma elevação substancial em 2025: “Ainda precisamos acompanhar o enchimento dos chumbinhos. Qualquer conclusão, agora, seria prematura. Precisamos ver como o clima se comporta e qual será o desenvolvimento desses frutos nas próximas semanas.”

CENÁRIO DE AVALIAÇÃO DIFÍCIL

O gerente do Departamento de Café da Cooperativa de Cafeicultores e Agropecuaristas (COCAPEC), de Franca (SP), William César, também reconhece o peso das perdas na florada, mas enxerga um cenário de difícil avaliação. Em sua análise, apenas quando a colheita estiver em estágio mais avançado será possível mensurar o tamanho real do prejuízo: “Nós tivemos um déficit hídrico muito grande, com regiões que ficaram até seis meses sem chuva e enfrentaram temperaturas muito acima do comum. As previsões oficiais não costumam fechar quando comparamos com o consumo global e as exportações do Brasil. Ainda assim, o mercado lá fora já sabe que algumas projeções são superestimadas, e isso abre espaço para especulações.”

César destaca que o café é um dos produtos de maior volatilidade na bolsa, sujeito a intensos movimentos especulativos. Por isso, aconselha o produtor a adotar uma estratégia de comercialização mais equilibrada, fracionando as vendas para aproveitar as cotações que, segundo ele, estão em um patamar que pode compensar parte das perdas na safra. “É importante ter os pés no chão. O produtor deve conhecer seu custo de produção e tentar vender em momentos distintos, sem se basear exclusivamente em previsões oficiais. A especulação faz parte do dia a dia do mercado de café, mas o planejamento e a gestão podem reduzir impactos negativos.”

INFLUÊNCIA NO MERCADO INTERNACIONAL

As previsões do IBGE e da CONAB, embora necessárias para balizar políticas públicas e orientar decisões de financiamento, muitas vezes apresentam discrepâncias em relação aos números divulgados por órgãos internacionais ou bancos privados. De acordo com produtores críticos das divulgações, essa disparidade alimenta uma narrativa de incerteza que é aproveitada por grandes tradings e fundos de investimento. Para eles, em um cenário de oferta e demanda global, qualquer sinal de superprodução — mesmo que não confirmado em campo — pode baixar os preços nas bolsas de mercadorias.

O problema ganha contornos ainda mais preocupantes quando se considera que o setor vem de um período de sucessivas safras abaixo do esperado (2021 em diante), redução de estoques e maior demanda externa. Assim, muitas tradings e indústrias de torrefação precisam disputar os lotes de café disponível, elevando o risco de especulações e pressões sobre a originação do produto.

MANEJO E PERSPECTIVAS FUTURAS

Para resistir às adversidades e buscar melhor produtividade em 2026, as orientações técnicas convergem para a importância de um manejo mais criterioso. Isso implica, de acordo com os entrevistados, revisar e, se possível, ampliar a frequência das adubações, especialmente em períodos chuvosos, quando a lavagem de fertilizantes pelo solo é mais intensa. O controle de pragas e doenças deve ser constante, evitando surpresas que comprometam ainda mais a produção. Em muitas regiões, a irrigação passa a ser uma ferramenta essencial para quem deseja manter a planta hidratada e resistente ao calor.

Sirlei Sanfelice resume a recomendação da EMATER-MG nesse sentido: “Temos que fazer a nossa parte: adubar, pulverizar, manter o solo em boas condições e observar se a planta precisa de poda ou outros tratos. Se o clima der uma trégua, teremos melhores resultados, mas o produtor precisa acreditar e investir na lavoura. Sem isso, fica ainda mais difícil reagir em cenários adversos”.

William César, por sua vez, reforça a necessidade de cuidado com o fluxo de caixa do produtor, pois os custos de produção podem aumentar. A orientação, segundo ele, é organizar-se financeiramente para não perder o timing de compra de insumos e realizar as operações de cultivo de modo a não sacrificar a próxima safra.