Safra de café de 2025 contrasta previsões oficiais e realidade no campo
A cafeicultura brasileira se encontra em um período de
grandes incertezas em torno da safra de 2025. Enquanto o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) e a Companhia Nacional de Abastecimento
(CONAB) divulgam previsões mais otimistas para o volume de produção,
especialistas, produtores e instituições de assistência técnica apontam para um
cenário de precaução, marcado por adversidades climáticas que afetaram as
lavouras ao longo de 2024. Nos bastidores, paira a preocupação de que projeções
consideradas distantes da realidade possam impactar a formação de preços no
mercado internacional, trazendo prejuízos à renda do produtor.
O ano de 2024 foi especialmente crítico para a cultura do
café no Brasil. A seca prolongada, aliada a temperaturas mais altas do que o
normal, deixou marcas profundas em diferentes regiões cafeeiras do país,
prejudicando o desenvolvimento das plantas. Muitas floradas não vingaram em
lavouras que já estavam debilitadas após um inverno pouco rigoroso, sem aquele
período tradicional de dormência, fundamental para a recuperação dos cafezais.
Em alguns casos, houve necessidade de intervenções de poda — como o
esqueletamento — ou até mesmo substituição das lavouras mais afetadas. Além
disso, as altas temperaturas, registradas mesmo nos meses tidos como “mais
frios”, agravaram o estresse hídrico das plantas.
Nesse contexto, as projeções que apontam um volume maior de
produção, na visão de inúmeros técnicos e produtores, podem não refletir o
cenário real. Uma das críticas que surgem é que tais estimativas alimentam, na
esfera internacional, a ideia de uma oferta mais robusta do que aquela
efetivamente disponível, derrubando a cotação do café na Bolsa de Nova York.
Segundo especialistas do setor, em um mercado altamente especulativo, qualquer
sinal de safra volumosa no Brasil — maior produtor mundial de café — costuma
pressionar os preços para baixo, influenciando de maneira direta a renda do
produtor.
DADOS EM CONTRASTE
Relatórios como o Agro Mensal, do Itaú BBA, apontam que a
safra brasileira de café em 2025 deverá permanecer abaixo da média, prolongando
um período de cinco anos de produção aquém do normal. O Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos (USDA) revisou para baixo sua projeção para a
safra 2024/25 do Brasil, passando de 69,9 milhões para 66,4 milhões de sacas.
Embora esse número ainda seja expressivo, reflete uma realidade de perdas,
sobretudo na produção de café arábica, mais suscetível às oscilações
climáticas. A variação estimada para o arábica é de +1,1% em relação ao ciclo
anterior, enquanto para o robusta (conilon) há previsão de -1,9%. Apesar de não
ser o foco principal deste debate, o conilon, sobretudo no Espírito Santo,
tende a ter um desempenho mais favorável, pois o pegamento das floradas foi positivo,
e os tratos culturais adequados devem ajudar a manter a produtividade.
A extensão da queda de produção no arábica, no entanto, só
será melhor dimensionada após a consolidação dos dados da colheita em 2025. A
escassez de arábica no mercado global, combinada ao aumento do consumo de café
em vários países, tende a sustentar os preços em patamares elevados — pelo
menos no cenário traçado por analistas internacionais. No entanto, esse
comportamento de mercado pode ser revertido se as estatísticas oficiais
indicarem uma oferta maior do que aquela que se confirma na prática, reforçando
o clima de volatilidade.
VISÃO DE CAMPO
Em São Sebastião do Paraíso, a extensionista Sirlei
Sanfelice, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (EMATER-MG),
acompanha de perto a situação dos produtores locais. Ela reforça que a safra de
2024, marcada por um inverno atípico — com poucos dias de frio intenso — e seca
prolongada, deixou as plantas enfraquecidas. “Tudo o que aconteceu em 2024 está
refletindo agora em 2025. Tivemos dias muito quentes, um período mais extenso
sem chuva e, por isso, a florada não vingou em muitas propriedades. Desde a
safra 2021, quando os efeitos da seca se intensificaram, não registramos uma
produção elevada. Os estoques estão cada vez menores e, por isso, há uma grande
procura pelo café que ainda resta em mãos dos produtores.”
Segundo Sirlei, o maior desafio para as plantas, atualmente,
é lidar com as oscilações de umidade e a incidência de doenças fúngicas,
especialmente após o retorno das chuvas em outubro. Ela cita que “em algumas
áreas, houve perdas pontuais de chumbinhos, embora não seja algo generalizado.
Mas esse tipo de problema pode aumentar se os tratos culturais não forem feitos
com rigor”. Por isso, a extensionista rural tem reforçado o alerta para adoção
de pulverizações mais específicas, nutrição equilibrada e fracionada ao longo
do ano, além de investimentos em irrigação, onde possível.
Apesar das previsões de aumento na safra, Sirlei pondera
que, no campo, a realidade não é tão otimista. Para ela, é cedo para afirmar se
haverá, de fato, uma elevação substancial em 2025: “Ainda precisamos acompanhar
o enchimento dos chumbinhos. Qualquer conclusão, agora, seria prematura.
Precisamos ver como o clima se comporta e qual será o desenvolvimento desses
frutos nas próximas semanas.”
CENÁRIO DE AVALIAÇÃO
DIFÍCIL
O gerente do Departamento de Café da Cooperativa de
Cafeicultores e Agropecuaristas (COCAPEC), de Franca (SP), William César,
também reconhece o peso das perdas na florada, mas enxerga um cenário de
difícil avaliação. Em sua análise, apenas quando a colheita estiver em estágio
mais avançado será possível mensurar o tamanho real do prejuízo: “Nós tivemos
um déficit hídrico muito grande, com regiões que ficaram até seis meses sem
chuva e enfrentaram temperaturas muito acima do comum. As previsões oficiais não
costumam fechar quando comparamos com o consumo global e as exportações do
Brasil. Ainda assim, o mercado lá fora já sabe que algumas projeções são
superestimadas, e isso abre espaço para especulações.”
César destaca que o café é um dos produtos de maior volatilidade
na bolsa, sujeito a intensos movimentos especulativos. Por isso, aconselha o
produtor a adotar uma estratégia de comercialização mais equilibrada,
fracionando as vendas para aproveitar as cotações que, segundo ele, estão em um
patamar que pode compensar parte das perdas na safra. “É importante ter os pés
no chão. O produtor deve conhecer seu custo de produção e tentar vender em
momentos distintos, sem se basear exclusivamente em previsões oficiais. A
especulação faz parte do dia a dia do mercado de café, mas o planejamento e a
gestão podem reduzir impactos negativos.”
INFLUÊNCIA NO MERCADO
INTERNACIONAL
As previsões do IBGE e da CONAB, embora necessárias para
balizar políticas públicas e orientar decisões de financiamento, muitas vezes
apresentam discrepâncias em relação aos números divulgados por órgãos
internacionais ou bancos privados. De acordo com produtores críticos das
divulgações, essa disparidade alimenta uma narrativa de incerteza que é
aproveitada por grandes tradings e fundos de investimento. Para eles, em um
cenário de oferta e demanda global, qualquer sinal de superprodução — mesmo que
não confirmado em campo — pode baixar os preços nas bolsas de mercadorias.
O problema ganha contornos ainda mais preocupantes quando se
considera que o setor vem de um período de sucessivas safras abaixo do esperado
(2021 em diante), redução de estoques e maior demanda externa. Assim, muitas
tradings e indústrias de torrefação precisam disputar os lotes de café
disponível, elevando o risco de especulações e pressões sobre a originação do
produto.
MANEJO E PERSPECTIVAS
FUTURAS
Para resistir às adversidades e buscar melhor produtividade
em 2026, as orientações técnicas convergem para a importância de um manejo mais
criterioso. Isso implica, de acordo com os entrevistados, revisar e, se
possível, ampliar a frequência das adubações, especialmente em períodos
chuvosos, quando a lavagem de fertilizantes pelo solo é mais intensa. O
controle de pragas e doenças deve ser constante, evitando surpresas que comprometam
ainda mais a produção. Em muitas regiões, a irrigação passa a ser uma
ferramenta essencial para quem deseja manter a planta hidratada e resistente ao
calor.
Sirlei Sanfelice resume a recomendação da EMATER-MG nesse
sentido: “Temos que fazer a nossa parte: adubar, pulverizar, manter o solo em
boas condições e observar se a planta precisa de poda ou outros tratos. Se o
clima der uma trégua, teremos melhores resultados, mas o produtor precisa
acreditar e investir na lavoura. Sem isso, fica ainda mais difícil reagir em
cenários adversos”.
William César, por sua vez, reforça a necessidade de cuidado
com o fluxo de caixa do produtor, pois os custos de produção podem aumentar. A
orientação, segundo ele, é organizar-se financeiramente para não perder o timing
de compra de insumos e realizar as operações de cultivo de modo a não
sacrificar a próxima safra.