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André Naves*
Rubem Alves, em uma de suas crônicas, observou com perspicácia que "todo mundo quer se matricular em um curso de oratória, porém ninguém se interessa em aprender a "escutatória". Essa reflexão, aparentemente simples, revela uma profunda lacuna na forma como lidamos com os problemas sociais, especialmente no que diz respeito ao enfrentamento da criminalidade. A falta de escuta atenta e empática tem sido uma das principais razões pelas quais as políticas públicas nessa área têm falhado em atender às reais necessidades da população. Enquanto isso, discursos simplistas ganham espaço, alimentados por uma narrativa que ignora as complexidades do fenômeno criminal e suas raízes sociais.
Há
anos, a insatisfação da população com a segurança pública e o combate à
criminalidade é evidente. No entanto, as autoridades parecem surdas a esses
clamores, enquanto setores progressistas, por vezes, evitam o tema, criando a
impressão de que estão desconectados da realidade popular. Essa omissão abre
caminho para que vozes reacionárias dominem o debate, impondo políticas
públicas baseadas em bordões vazios, como "direitos humanos para humanos
direitos". Tais propostas, embora sedutoras, são enganosas e
contraproducentes, pois não enfrentam as causas estruturais da criminalidade e,
muitas vezes, agravam a violência e a desigualdade.
O
enfrentamento humanista à criminalidade, por outro lado, propõe uma abordagem
que combina rigor legal com a garantia dos direitos humanos fundamentais. Como
estabelecido no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, esses direitos
incluem a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade. Nesse sentido,
esse enfrenta-mento não pode se restringir à repressão policial. É preciso que
o Estado atue de forma preventiva, levando cidadania e dignidade às comunidades
mais vulneráveis, em vez de apenas "chegar com o pé na porta" em
operações violentas que perpetuam o medo e a insegurança.
A
criminalidade, em grande parte, é um sintoma de falhas estruturais: falta de
acesso à educação de qualidade, à saúde, ao emprego digno e à moradia. Ignorar
essas questões é como tratar uma doença apenas aliviando seus sintomas, sem
atacar sua causa. A situação carcerária brasileira é um exemplo claro de como o
sistema atual falha em seu propósito. As prisões, longe de ressocializar,
funcionam como escolas do crime, onde o indivíduo é exposto a condições
desumanas e à influência de organizações criminosas.
Além
disso, é fundamental reconhecer que o combate à criminalidade não é uma tarefa
exclusiva das polícias. Envolve a atuação integrada de diversos setores do
poder público. A zeladoria urbana, por exemplo, com a manutenção de ruas,
calçadas e iluminação pública, contribui para a sensação de segurança e
bem-estar. Da mesma forma, políticas de saúde, educação e mobilidade urbana são
essenciais para prevenir a violência e promover a inclusão social. Enfrentar a
criminalidade de forma humanista exige um pacto entre os poderes e entes
federativos, transcendendo ideologias e partidarismos, em prol da dignidade
individual e coletiva.
O
enfrentamento humanista à criminalidade não é uma proposta ingênua ou leniente.
Pelo contrário, é uma abordagem que exige coragem para enfrentar as raízes do
problema, combinando rigor legal com a garantia dos direitos humanos. É uma
proposta que reconhece a complexidade do fenômeno criminal e busca soluções que
vão além da repressão, promovendo a justiça social e a dignidade humana. Como
bem lembrou Rubem Alves, é preciso aprender a escutar, pois só assim poderemos
construir políticas públicas verdadeiramente eficazes e humanizadas.
*
Defensor Público Federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos
Humanos e Inclusão Social;
mestre
em Economia Política pela PUC/SP. Cientista político pela Hillsdale College e
doutor em Economia pela
Princeton
University. Comendador cultural, escritor e professor (Instagram:
@andrenaves.def).
(Hoje em Dia 18/02/2025)