ELY VIEITEZ LISBOA

A teoria do nonsense

Por: Ely VIeitez Lisboa | Categoria: Do leitor | 30-11-2019 01:34 | 1257
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Tudo que se refere à vida, aos seres humanos, é algo muito complexo. A começar pelo discutível livre arbítrio, que foi mais um presente de grego. Se fôssemos como os animais, tudo seria tão simples. Era só seguir os instintos, jamais haveria dúvidas, remorsos, traumas. É bem verdade que então os psicólogos e os psiquiatras perderiam a clientela, mas viver não seria tão perigoso, como já nos alertou mestre Guimarães Rosa.

Vejamos alguns exemplos elucidativos. Partamos do sentimento mais humano, o amor.  Se a pobre vítima jamais o conheceu, a vida seria insossa, sem sentido. Se eleitos, o encontramos, o preço é alto, devido à complexidade do sentimento. É o tema mais cantado por todos os poetas, mas é sem dúvida o grande Camões, que o descreveu melhor. "O amor é fogo que arde sem se ver / É ferida que dói e não se sente / É um contentamento descontente, / É dor que destina sem doer".

Sim, amar é, sem dúvida, o céu e o inferno. Nem se pode dizer que o amor é efêmero, pois ele é de tal modo complexo, que não se capta o que ele é. Sua complexidade está em ordem direta à beleza, ao alumbramento, ao êxtase e inversamente à lógica, à normalidade, ao usual, ao rotineiro. O amor é um susto, um desmaio da alma, uma ascese, uma descida aos infernos.

Assim é tudo o que se refere à humanidade: antíteses, paradoxos, oximoros vivos, certezas e dúvidas, o pretenso eterno e a drástica efemeridade. Vinícius de Morais foi muito feliz ao avisar que o amor é belo, infinito enquanto dure... Inventou-se o relógio, a vida é toda cronometrada, esquecemos outro aviso do poeta Cassiano Ricardo: "Desde o momento em que se nasce, / já se começa a morrer".

Nós somos, portanto, marionetes de Deus e, na verdade, nada sabemos, na faina de possuir, crescer, ter. Vivemos com a espada de Dâmocles sobre a cabeça. A qualquer momento somos convidados para sair do palco, porque a peça acabou. E a quem reclamar? Na vida não há guichê de reclamações e o pior, todo pretenso Manual de Instruções é falso, mera balela.

Os pobres seres humanos continuam sempre teleguiados pelo chamado instinto de sobrevivência. Conversando com uma amiga inteligente, perguntei-lhe se ela gostava de viver. Ela disse que sim, porque deste lado da vida, ao menos conhecemos como são as coisas, os perigos e alçapões que poderão surgir. Do lado de lá é pior, tudo são hipóteses.

E assim vai a vida, caminha a humanidade, plena de erros e acertos, animais pretensamente racionais, que na realidade, pouco sabem. E o pior, não há a quem reclamar de todo este nonsense. Viver parece um jogo de cartas marcadas. Ninguém sabe quando alguém está roubando, ou quem distribui as cartas.

Só há uma lei maior: o jogo deve sempre continuar. Não há um fim previsto para o final da partida. Ela virá com certeza, mas o quando é segredo indevassável e aquele que fraudar esta lei pétrea, é duramente castigado.

(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora
E-mail: elyvieitez@uol.com.br