ELY VIEITEZ LISBOA

Brincando com Maquiavel

Por: Ely VIeitez Lisboa | Categoria: Do leitor | 27-01-2020 15:35 | 1463
Foto: Reprodução

É sobejamente conhecida a figura de Maquiavel (Florença, 3/5/1469- 1527). Sabe-se que foi historiador, poeta, diplomata e músico italiano do Renascimento. Teve uma influência política grande, mas o que o deixou famoso foi seu livro "O Príncipe", que reflete seus conhecimentos da arte política e dos estadistas de sua época. Sua obra expressa claramente a mentalidade de seu tempo, enfatizando uma série de conselhos, normas autoritárias, no interesse do Estado. O cinismo político gerou o sentido pejorativo e qualidade daquele que é astuto, usa de má fé.

Ora, toda obra inteligente, profunda, acaba se universalizando. É sempre perigoso usar fragmentos fora do contexto, mas uma das frases mais conhecidas do florentino é "Os fins justificam os meios". Evidentemente, a interpretação primeira detecta bem a amoralidade e a despreocupação ética do autor. Todavia, a interpretação de texto é multívoca, tem vários sentidos e propicia, às vezes, ilações interessantes. Vejamos o citado axioma de Maquiavel.

Duas chamadas inovações podem ser comparadas, demonstrando que, assim como na vida, nada é matemático e radical. O primeiro refere-se a um golpe de marketing usado em escolas privadas: Para atrair estudantes, universidades oferecem serviços de shoppings. Sala de videogame, salão de beleza, minishopping, piscinas, academia. Para atrair universitários, instituições particulares de São Paulo têm seguido o modelo norte-americano e investido cada vez mais em infraestrutura.

Inicialmente, a tendência é criticar essas escolas-empresas, que tudo fazem para alimentar o Moloch do lucro. Os objetivos primeiros, mais altos, são abastardados, em detrimento da clientela, alunos do curso médio e vestibulandos. Rubem Alves, já disse, com sua filosofia humanitária, que é necessário seduzir o aluno para que ele ame a escola, a cultura. Todavia,  o verbo forte e denso não é pejorativo. Ao contrário, remete aos valores mais positivos, excelsos. Nos "shoppingsescola-res", ao contrário, os fins são totalmente outros. Na realidade, os alunos são verdadeira massa de manobra que se utiliza para se lucrar. Os fins não justificam os meios.

Também já foi veiculado na mídia, que hospitais montaram salões de beleza na saída, quando os pacientes recebiam alta. À primeira vista parece algo até um pouco esdrúxulo, como a privilegiar o supérfluo. Contudo, já foi comprovado que a emoção é importantíssima e a ausência do equilíbrio entre o físico e o emocional é desastrosa, com consequências até letais. Assim, um bom corte de cabelo, uma maquiagem leve, enfim, o embelezamento físico pode produzir efeitos muito positivos, elevar a autoestima.

Os dois exemplos poderiam ser analisados sob o crivo da máxima de Maquiavel e comprovar que, às vezes, os fins justificam os meios ou não. Depende da nobreza dos objetivos. Quando eles visam a grandeza do homem, sua felicidade e/ou minimizar o sofrimento, quase tudo é válido. Detalhar a expressão "quase tudo" é matéria para outro artigo, diante da relatividade  de muitas asserções. Experimente justificar, como exemplo, o que seja "aproveitar a vida". Para dez sujeitos, tem-se dez predicados diferentes. É muito complexa a análise sintática da existência humana.

(*)Ely Vieitez Lisboa é escritora.
E-mail: elyvieitez@uol.com.br