POLEPOSITION

Senna no grito, no braço e na raça

Por: Sérgio Magalhães | Categoria: Esporte | 29-03-2020 21:18 | 3163
A cena que entrou para a história, o esforço de Senna ao erguer o troféu depois de uma das vitórias mais emblemáticas de sua carreira
A cena que entrou para a história, o esforço de Senna ao erguer o troféu depois de uma das vitórias mais emblemáticas de sua carreira Foto: Norio Koibe

Foram sete tentativas, algumas delas frustradas. Em 84, o motor quebrou. Em 85, um toque com Mansell na largada e o abandono por problemas elétricos. Em 86 foi 2º, na vitória de Nelson Piquet; Em 87 outra quebra de motor. Em 88, desclassificado. Em 89, incidente na largada com Gerhard Berger e apenas 11º. Em 90, o japonês Satoru Nakajima pôs tudo a perder. Parecia que Ayrton Senna estava fadado a não vencer em casa. Mas ela veio, com dose excessiva de suspense e drama.

O ano era 1991. Ayrton Senna já era bicampeão e aquele seria o ano do tri numa batalha dura com Nigel Mansell. Mas a meta naquele 24 de março era quebrar o tabu de nunca ter vencido o GP do Brasil. Era o segundo ano desde o retorno de Interlagos ao calendário da Fórmula 1 e Senna percebeu logo nos treinos que não seria o desafeto, Alain Prost, da Ferrari, quem iria lhe oferecer perigo na corrida, mas as Williams, de Nigel Mansell e Riccardo Patrese.

Duas semanas antes o brasileiro havia vencido na abertura do Mundial, nos Estados Unidos, com Prost em 2º. Mas em Interlagos as Williams se desenharam como potenciais ameaças e mesmo fazendo a pole position com o cronômetro já zerado, em mais uma de suas implacáveis volta voadoras, Senna sabia que a tarefa de vencer no domingo não seria das mais fáceis.

Na largada Senna manteve a ponta, mas já começava a ser caçado por Mansell que pulou de terceiro para segundo, superando o companheiro de equipe, Patrese.

Mesmo pressionado, o brasileiro conseguiu manter-se em primeiro até que Mansell teve um pneu furado e precisou fazer um pit stop não programado na volta 25. Apesar do contratempo, Mansell continuava vivo na disputa e vinha ‘babando’, fazendo volta mais rápida em cima de volta mais rápida, até que cometeu um erro, rodou, e ao fazer o carro girar em falso para colocá-lo na trajetória, quebrou a transmissão, tendo que abandonar.

Foi um bom refresco, já que Patrese também havia trocado os pneus, mas estava muito distante, e apesar de o italiano fazer a distância diminuir volta a volta, a impressão que ficava era de que Senna apenas administrava a vantagem, poupando os pneus já bastante desgastados. Mas o que ninguém sabia era que dentro do cockpit da McLaren, Ayrton enfrentava sérios problemas com o câmbio. Faltando 12 voltas para a bandeirada ele perdeu a 3ª e 4ª marchas. Em seguida a 5ª também foi para o espaço, e restou apenas a 6ª. Um drama!

Vale lembrar que o motor que empurrava o modelo MP4/6 de 1991 era um Honda V12, com câmbio manual (a Williams já usava o câmbio semi-automático). Imagine segurar toda aquela ‘cavalaria’ no braço, apenas em sexta marcha?

“Nas retas o carro ia bem, mas na parte mista de Interlagos é que a coisa complicava”, disse o piloto na época. Nas curvas de baixa, a potência do motor empurrava o carro para fora da pista e Senna ainda tinha que manter o giro lá em cima para não deixar o motor morrer. Para complicar ainda mais, já que Patrese se aproximava perigosamente, há duas voltas do fim começou chover, o que tornava mais difícil segurar o carro na pista com os pneus de pista seca já no bagaço, e o asfalto úmido. 

Só mesmo um piloto fenomenal, dotado de uma capacidade incrível de superação, como Senna, seria capaz de tal proeza. Tal situação exigiu enorme esforço físico e mental do piloto que no grito (de dor), no braço e na raça, venceu pela primeira vez o GP do Brasil, prova que ficaria marcada também pelo esforço que Senna fez para erguer o troféu no pódio, devido ao espasmo muscular que sofreu nas últimas voltas, precisando de ajuda médica para sair do carro que ficou parado na pista depois da bandeirada.

Ayrton Senna ainda venceria novamente em Interlagos dois anos depois, indo parar nos braços da torcida que invadiu a pista, mas isso é assunto para outra coluna.