Vida e morte são duas realidades interligadas e inexoráveis. Início e fim. Os poetas, seres iluminados que possuem antenas especiais, dizem verdades perspicazes. Em famoso dístico, Cassiano Ricardo afirma: "No momento em que se nasce, / já se começa a morrer". Em uma primeira abordagem pode-se ter ideia de pessimismo. Falso. A assertiva é de uma lógica incontestável. Imagine-se a vida como uma porta de entrada. Ao nascer, inicia-se o caminho. Para onde? A segunda porta é indiscutivelmente, a morte, o final. Vereda de uma inexorabilidade insofismável.
Ora, imagine-se alguém que ame a juventude, a força, o vigor. Em um rasgo de entusiasmo diria: que o tempo pare! Não quero envelhecer! Não há argumento convincente. É uma realidade contínua sem juiz, com regras complexas e contundentes. Hã apenas uma certa lógica: causa e efeito. Colhe-se o que se planta. Insciência completa até a data da viagem derradeira. O que há após a última partida são hipóteses.
Ainda aprendendo com os poetas. A grande Cecília Meireles, de aparência angélica e rica sensibilidade, acredita que vale a pena fazer o bem, deixar perfume e belezas, quando se parte. No poema 4º Motivo da Rosa, ela canta a vida e o final, em uma bela receita poética: "Não te aflijas com a pétala que voa: / também é ser, deixar de ser assim. / Rosas verás, só de cinza franzida, / mortas intactas pelo teu jardim. / Eu deixo aroma até nos meus espinhos, / ao longe, o vento vai falando em mim. / E por perder-me é que me vão lembrando, / por desfolhar-me é que não tenho fim".
Só um poeta maior como Cecília Meireles, para tanta sutileza: comparar os seres humanos que morrem com "pétalas que voam". A velhice - rosas de "cinza franzida, / mortas intactas pelo teu jardim". Teu jardim e de nenhum outro. A vida é uma caminhada inalienável. A metáfora de "aroma", deixado nos "espinhos" é de grande beleza: o sofrimento é excelso. Ainda realçando o sofrer, CM afirma que o perder-se gerará o valor da lembrança, o "desfolhar" traz como grande prêmio, a imortalidade.
Ainda sobre a grande temática da vida e da morte, é famoso o final controverso do poema "Momento num café", de Manuel Bandeira. Ele descreve um féretro, o esquife passando, o gesto largo e demorado dos vivos, diante do terrível momento. Segue o verso pessimista e amargo: "... a vida é uma agitação feroz e sem finalidade / Que a vida é traição". Mas é sem dúvida o fecho que destoa das nossas costumeiras certezas: "... saudava a matéria que passava / Liberta para sempre da alma extinta".
Que lição é esta que nos deixa o grande poeta? No final, com a morte, morre a alma e liberta-se a matéria. Ele é adepto da teoria materialista da reciclagem. Não há alma, mas na Natureza, tudo se transforma. Talvez seja por isso que outro grande poeta, Carlos Drummond de Andrade, termina o poema Congresso Internacional do Medo, com uma filosofia idêntica. Sobre os túmulos dos homens, criaturas feitas dos mais diversos medos, "nascerão flores amarelas e medrosas".
Nós, os simples mortais, tememos a morte, alimentamos teorias diferentes. Na nossa complexidade, temos fés que movem montanhas, outras frágeis como a de Pedro. Segundo os Evangelhos, apesar da fraqueza do Apóstolo, o Cristo deixou-lhe a incumbência maior. Na nossa cegueira, titubeantes, tentamos descobrir caminhos. Na eterna procura, os poetas ajudam. Seus poemas são luzes belas, possíveis respostas para nossas eternas perguntas, algumas certezas que alimentam muitas dúvidas.
(*)Ely Vieitez Lisboa é escritora
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