À noite, em uma conversa despretensiosa, meu marido disse: Por que a melodia da Passagem do Ano diz Feliz Ano Novo? Devia ser Feliz Ano Velho, porque batalhas foram vencidas, obstáculos ultrapassados e estamos vivos.
Achei interessante a observação, mas contestei: é uma mensagem de esperança, de crença nos outros doze meses que virão. O ser humano é um Sísifo redivivo, renitente. Como o semideus, leva a pedra até o cume da sua montanha e quando ela rola, ele recomeça a eterna subida. Feliz Ano Novo é acreditar que dias melhores virão, sonhos serão realizados, batalhas vencidas.
Enquanto o Ano Novo é uma criança rósea, bela de destino desconhecido, o Velho Ano que passou, é sofrido, alquebrado. Os cabelos brancos e as rugas do rosto até aguentaríamos, mas miraculosamente, a esperança renasce do pântano dos fracassos e tudo recomeça.
Tenho um enorme respeito por todo ser humano que luta sempre, apesar dos fracassos, das perdas. Quando a morte nos visita e leva um ser amado, de início tem-se a sensação de que a vida jamais será a mesma. Mas o tempo é um antídoto mágico e após alguns meses (às vezes anos), a esperança surge com seu abraço generoso.
Já escrevi sobre o Depósito dos Sonhos Falidos. Os sonhos frustrados na vida a fora, não morrem. Eles nos visitam nas noites insones, nos pesadelos amargos. Freud, inteligentemente descobriu até o local que batizou de ID, ou inconsciente. É meio assustador que às vezes nós o visitemos: ele vai-se formando desde nosso nascimento. Lá ficam as derrotas, os medos, as cicatrizes provocadas pelas feridas da vida. O que Freud deveria ter explicitado melhor é a grandeza de nosso eterno recomeaçar. O homem é uma Fênix que renasce de suas cinzas sempiternamente. Assim, na realidade, cada ser humano é um herói porque a esperança é sua companheira.
Não há coisa mais bela que ver um ser humano infeliz até às fezes, como disse o grande Carlos Drummond, magoado, arrasado por uma grande derrota, uma enorme perda e de repente, ele se ergue com suas feridas, suas mágoas e, como um herói, recomeça a sonhar, a acreditar em si próprio.
Voltando à tese inicial, deveria ser realmente feliz Ano Velho, quando cada ser humano venceu todas as etapas, sanou as feridas da alma, amainou as mais trágicas dores. Co-mo em uma grande corrida, o homem recomeçará tudo, alimentado pela ideia da felicidade que parecia tê-lo abandonado.
(*)Ely Vieitez Lisboa é escritora
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