Não se deve bulir com o passado. Nem sei se ele existe, pois o que se guarda na mente tem muito pouco de realidade. Por isso sou presentista ferrenha, vivo com um pé no presente e outro no futuro: muito atenta ao que acontece e alimentando os ideais para concretizá-los no tempo que virá.
A culpa foi do tio querido que vive em Bagé, na divisa do Uruguai. Veio visitar-nos e teve um ataque de saudade: quis ir até à cidadezinha de Minas, onde nós dois nascemos. Eu preferia não ir, mas ele fez aquele ar pidão, morria de vontade de ver nossa terra natal.
Antes de chegarmos lembrei-me de que raras vezes ia até lá. Só nos casamentos e enterros. E já era muito. Tudo diferente, mudado. Também eu só queria ver a casa onde nasci, na realidade, olhar os belos canteiros em formato de estrelas, repletos de margaridas. Eram meu encantamento na infância.
A casa, totalmente reformada, avançara até o passeio. E meu jardim, as margaridas leitosas, com seus miolos de ouro? Senti-me roubada e temerosa. A outra casa para onde nos mudamos após, com seus cômodos grandes e o rico pomar no fundo? Teria sido destruída também? Havia mais de uma dezena de espécies frutíferas. As macieiras pejavam de pomos coloridos, as ameixas amarelas e macias, caldentas, cobertas de doce penugem, os pés de carambolas arqueados de frutos agridoces gomosos. Tudo fora ilusão, sumira nos dentes de Cronus, desaparecera?
Quando cheguei ao local do meu pomar, o coração apertou. Erradicaram todos os pés de frutas e construíram casinhas geminadas, para alugar. Parecia um pequeno Conjunto Habitacional de mau gosto. Uma lástima!
Na volta, vim silenciosa. Aprendera amarga lição. O passado, as recordações são tesouros do íntimo de cada um. As lembranças ficam cristalizadas, não mudam, enquanto a realidade é de um dinamismo inexorável.
A lição de Machado de Assis é sábia. Há que segui-la. O criador de D. Casmurro aconselha: Coloque uma laje sobre o passado e uma placa com os dizeres: Descanse em paz.
(*)Ely Vieitez Lisboa é escritora
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