Esta crônica registra traços históricos e culturais de São Sebastião do Paraíso, nas primeiras décadas do século XX, quando o município se tornou no principal polo cafeeiro do Sudoeste Mineiro. Focaliza os tempos em que a cidade passou a ser visitada, com maior regularidade, por caixeiros viajantes, homens destemidos que se dedicam ao comércio, transportando diversos produtos em lombo de mulas. Um ofício muito importante na época considerada porque abastecia o comércio local com diversos bens de consumo, geralmente encontrados somente nas cidades maiores.
A expansão desse comércio resultou da riqueza proporcionada pela economia cafeeira. Muitos produtos eram trazidos das cidades paulistas de Mococa e Campinas, entre outras. Com os sucessivos recordes de produção de café de fina qualidade, as famílias mais abastadas passaram a consumir esses produtos vendidos pelos caixeiros, iniciando uma expansão no comércio e serviços gerais. Desde o final do século XIX, funcionava a Casa Americana, de Alfredo Serra, com amplo e variado estoque de alimentos, tecidos, ferragens, bebidas e produtos importados. Durante décadas, essa casa funcionou no prédio que foi adquirido e depois reformado pelo Clube Paraisense.
Com a chegada, em meados da década de 1910, de duas empresas ferroviárias (Mogiana e São Paulo e Minas) houve um ciclo importante de abertura de novas casas comerciais em Paraíso. Algumas empresas foram criadas por imigrantes italianos, como é o caso da Casa Maria Italiana, que depois teve sua denominação alterada para Casa Brasil, entre outras que foram abertas nas proximidades das estações ferroviárias, atual Avenida Oliveira Rezende, que, nos anos 1930, foi batizada de Avenida Getúlio Vargas.
Antes da chegada dos caminhões, grande parte do comércio era abastecida por produtos vendidos por esses caixeiros viajantes. Desse modo, entre os desafios para escrever a história local está o necessário resgate da memória desses homens de negócio que tanto contribuíram para o desenvolvimento inicial do comércio paraisense. Além do mais, o tropeirismo é um tema cuja importância vai muito além do contexto regional. É uma história preenchida por uma cultura material própria, usos e costumes de homens destemidos que percorriam inóspitos caminhos e trilhas para ganhar a vida.
A imagem ilustrativa desta crônica foi compartilhada pelo amigo Jaime Francisco Guedes Carvalhais, atento ao desafio de preservar a cultura do mobiliário de fazendas cafeeiras e de outros objetos de importância fundamental para recompor a história da cidade. Trata-se de uma fotografia impressa em papel grosso, pelo antigo processo chamado de daguerreótipo, termo associado ao nome do inventor francês que se chamava Daguerre. Essa foto fazia parte do acervo do saudoso José Cosini, proprietário do Grande Hotel Cosini. Razão pela qual é provável que os caixeiros retratados fossem clientes do hotel, localizado na praça central da cidade e não muito distante do pasto onde os animais ficavam para recompor as energias gastas com a estafante viagem.
Ficou na memória paraisense que essa foto foi realizada no pasto de propriedade do senhor Sanico, que era devidamente cercado, bem cuidado e localizado numa chácara bem próxima ao centro da cidade. Mais precisamente, ficava com a frente para a atual Rua Tiradentes e fundos para as antigas terras do Juca Proença. Local onde havia diversas fruteiras, canavial, milharal, criação de aves e porcos, com espaço reservado para o aluguel de pasto, com boas aguadas e capins de qualidade para cavalos e muares. Razão pela qual alguns caixeiros deixaram seus animais nesse espaço. Esse local ficou em minha própria memória infantil, devido às histórias contadas por minha saudosa mãe, Terezinha Lizarelli Paes, que quando menina, na década de 1930, costumava ir à referida chácara para comprar ovos para fazer quitandas.
Muitos caixeiros acabavam fixando residência na cidade que oferecia excelentes oportunidades de negócio. Abriam então uma casa comercial para atender a demanda. Eram recebidos com hospitalidade, pois traziam novidades, notícias e estavam sempre dispostos a fazer um bom negócio para ambas as partes.
Para exercer o ofício, era preciso portar uma tralha especial, como mostra a foto reproduzida: malas de couro cru arrebitadas com tachas especiais, arrelho próprio para longa viagem, capa de chuva e lona e a necessária tropa de muares. Homens bem vestidos que conheciam os perigos do caminho, as ciladas dos sertões, terras devolutas e as fronteiras de novos territórios que estavam sendo conquistados. Mas, passou o tempo e ficou apenas a memória desses aguerridos caixeiros, visitada hoje quando cresce de modo exponencial a venda dos mais variados produtos pela internet, em lojas virtuais e em tempo instantâneo. Afinal como canta o compositor sul-mato-grossense Almir Sater: “Os caminhos mudam com o tempo / Só o tempo muda um coração / Segue seu destino boiadeiro / Que a boiada foi no caminhão”.