Escrevo esta crônica para reverenciar a memória do seleiro Luiz Canoas, chefe de grande família de São Sebastião do Paraíso, polo cafeeiro do Sudoeste Mineiro. São linhas escritas para retornar à história de um cidadão que dedicou longos anos ao ofício exercido pelos artesãos fabricantes de selas, arreios, laços e outras peças de couro para cavaleiros, boiadeiros, carroceiros e homens do campo. Tive o prazer de conhecê-lo, na década de 1960, quando eu era menino e ele vivia a fase sexagenária. Nessa época, eu trabalhava como aprendiz de sapateiro na oficina do meu pai, José Paes, amigo e admirador das belas peças fabricadas pelo seleiro cujo nome está na história social paraisense. Ficou na memória local por tratar-se de um profissional de reconhecida competência, conhecedor de técnicas preservadas por sucessivas gerações de oficiais.
Sua oficina localizava-se na avenida Ângelo Calafiori, esquina com a rua La Salle, no coração do bairro da Mocoquinha, próximo à Igreja de Nossa Senhora da Abadia. Mantinha em seu estabelecimento um estoque de materiais usados por seleiros, tapeceiros e sapateiros, vendendo esses produtos para seus colegas da cidade e região. Entre os materiais organizados nas estantes de sua loja, ainda presentes em minha memória, estavam os pequenos vidros de tinta especial para tingir couro, caixinhas de arrebite, argolas, tachas, ilhoses, pregos tipo aresta, agulhas, linhas enceradas e outros artefatos. Com regularidade, eu ia até lá comprar materiais usados em nossa sapataria.
Ficou gravado em meu coração de menino a maneira serena e gentil com a qual ele sempre me tratava: O que está precisando hoje meu caro jovem! (...) Lembranças ao seu pai! Um homem culto, calmo e de boa conversa. Tinha a generosidade de explicar detalhes da antiga arte de trabalhar o couro para fabricar os mais diversos objetos do cotidiano. Foi assim que conheci o seleiro paraisense. Passados mais de 50 anos, tive a satisfação de reencontrar, há certo tempo, o seu neto, engenheiro Edson Antônio Canoas. Longamente, conversamos sobre coisas que mais interessam à felicidade: família, raízes culturais, filhos, trabalho, entre outras amenidades. Nessa conversa, estava presente a memória intensa do generoso seleiro que, aliás, foi pioneiro na cidade na confecção de bola de couro para jogar futebol, peça que exige técnica diferenciada e dominada somente pelos mestres no ofício.
Natural de São Sebastião do Paraíso, Luiz Gonzaga Canoas nasceu a 21 de junho de 1897. Casou-se com Clemência Lopes Canoas, sendo o casal agraciado com os filhos José, João, Zica, Luiz Gonzaga Canoas, Tianinha, Zuleica, Lurdes, Benedito e Terezinha. Dona Lurdes casou-se com o também seleiro Geraldo Gonzales, o Piolim, cuja loja ficava próximo à sapataria do meu pai. São histórias cuja importância vai muito além das narrativas políticas e dos poderes das instituições, porque expressam o calor das relações humanas e preenchem a alma da cidade com personagens que eternizam a nossa existência.