Ao retornar aos meados da década de 1960, em busca das boas lembranças da terra natal, cidade de São Sebastião do Paraíso, polo cafeeiro do Sudoeste Mineiro, encontro a presença marcante e intensa do farmacêutico Corintho. Escrevo estas linhas para reverenciar sua memória, como amigo do meu pai, sapateiro José Paes, e cidadão generoso que prestou relevantes serviços de assistência aos idosos carentes, acama-dos, enfermos ou às pessoas que estivessem necessitando de algum medicamento especial. Naquela época, o querido farmacêutico, celibatário com 70 anos de idade, morava solitário numa pequena casa de fundos, localizada à rua Lopes Trovão, próximo à Igreja da Abadia, no coração do bairro da Mocoquinha.
Foi nessa região que ele plantou suas raízes para servir ao próximo, atravessar seus dias neste mundo e atender às pessoas que solicitavam seus préstimos. Depois de passar certo tempo em São Paulo, onde aprendeu a profissão, acumulou amplos e sólidos conhecimentos do ofício e pleno domínio dos instrumentos usados na manipulação das miligramas dos materiais usados na produção de remédios. Não teve a chance de frequentar uma escola superior como desejava, mas tinha domínio da língua portuguesa, aritmética elementar, caligrafia diferenciada e até mesmo arriscava algumas frases em Latim. Valorizava a nomenclatura científica de plantas medicinais, drogas e insumos usados na produção de diversos medicamentos.
Caso algum amigo ou conhecido estivesse doente, ele se dispunha a percorrer as farmácias da cidade em buscar do medicamento certo. Merecedor da confiança dos seus colegas de farmácia e das pessoas que atendiam, principalmente, moradores do grande bairro da Mocoquinha, não importando que hora fosse, dia ou noite. Mantinha uma rotina de visita às casas das pessoas que estivessem necessitando de algum remédio especial, injeção, soro ou mesmo de uma orientação criteriosa.
Depois de passar alguns anos na capital paulista, o conterrâneo trabalhou, na década de 1930, no laboratório de aulas práticas da Escola de Farmácia e Odontologia de São Sebastião do Paraíso. Além de cuidar dos instrumentos e dos materiais usados na manipulação de medicamentos, transmitia aos estudantes seus conhecimentos acumulados no exercício do ofício. Nesse sentido, confirma a opinião abalizada de um amigo formado em odontologia de que o saudoso Corintho deixou seu nome na história local como um dos mais competentes farmacêuticos práticos da cidade. Foi empregado das mais antigas farmácias de manipulação. Era grande amigo do Bruno, proprietário de uma grande e bonita farmácia localizada à Rua Pimenta de Pádua, um pouco abaixo da Igreja Matriz. Na década de 1960, quando não mais tinha emprego fixo, sentindo o peso da idade, ganhava a vida modesta como aplicador de injeções em domicílio, sempre orientando os doentes para o desejado restabelecimento.
Durante vários anos, o saudoso Corintho foi o “aplicador oficial” de injeções nos membros de minha família, sempre mantendo uma pontualidade britânica para ministrar o medicamento com a regularidade prescrita pelo médico. Um homem educado, de fino trato, a quem meu pai ou minha mãe sempre convidava para tomar um cafezinho e saborear um delicioso bolo de fubá assado ainda no bucólico fogão à lenha. Foi nessas condições e como frequentar assíduo da nossa sapataria que tive a chance de conhecê-lo, escutar suas saborosas histórias e reminiscências do início do século XX.
Contava ele que em sua juventude, quando morou em São Paulo, tinha como hobby andar de patins com rodinhas, numa pista que atraía grande número de pessoas por ser uma grande novidade naquela capital. Conhecia todos os antigos farmacêuticos da cidade, de quem era amigo: Carlos Grau, Hermengáudio Nicácio, José Ananias, Raimundo Calafiori, Alfeu Brigagão, Edmundo Machado, entre outros que deixaram seus nomes na memória da cidade.
Participava das missas celebradas da atual Matriz de Nossa Senhora da Abadia, sempre atuante nas festas do calendário litúrgico. Como cidadão prestador de serviços sociais foi vicentino dedicado e exerceu as funções de secretário da Conferência São Vicente de Paulo, mantenedora do asilo de idosos. Além de redigir atas e outros documentos da instituição, encarregava do atendimento domiciliar que quem estivesse necessitando receber algum amparo. Depois de sua longa travessia de vida dedicada a esse trabalho, nosso amigo teve o infortúnio de ser atropelado por um veículo, ao atravessar a avenida Ângelo Calafiori, causando-lhe seríssima fratura em uma das pernas. Antes de devolver seus ossos ao Criador, passou algum tempo preso ao leito do hospital, recebendo atenção e carinho dos amigos. Passou o tempo! Ficou a obra generosa e a saudade de uma pessoa do bem que viveu para servir o próximo.