PREVENÇÃO

DIA MUNDIAL DE PREVENÇÃO AO SUICÍDIO: Psiquiatra fala da importância de se discutir o tema em valorização à vida

Por: João Oliveira | Categoria: Saúde | 09-09-2020 13:28 | 1477
Foto: Reprodução

O dia 10 de setembro é lembrado como o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, e é uma data em que se unem forças para promover campanhas de conscientização a fim de reduzir esses números que crescem a cada ano. No Brasil, desde 2014 é promovida a campanha Setembro Amarelo, uma iniciativa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM). Somente no País, conforme dados apresentados pela ABP, são 12 mil suicídios por ano e mais de um milhão no mundo, sendo grande parte ligados à transtornos mentais.

O conhecimento sobre tudo o que abarca a questão suicidária ainda é umas das ferramentas mais eficazes para a prevenção, e muito embora, por questões éticas, não se divulguem os casos de suicídio, devido ao estímulo que casos podem ocasionar às pessoas com tendências suicidas, é importante debater o tema que hoje é tratada com uma emergência médica. Todavia, falar de suicídio ainda é um tabu para a nossa sociedade, e este tabu precisa ser quebrado.

Conforme destaca o médico psiquiatra Maurício Giubilei, o tema ainda é tratado como tabu por diversas razões: uma delas é a questão religiosa, em especial regiões de origem Cristã. “Para essas religiões o suicídio é um pecado em que a pessoa vai ter ‘sofrimento eterno’ se assim o fizer. Carrega-se com isso o significado de que a pessoa que comete o suicídio é fraca, covarde e que precisa ter forças para poder superar essas dores que levam a pessoa pensar no suicídio. Na verdade, nós temos que respeitar as dores dessas pessoas, uma vez que por trás disto há o risco da perda da vida”, ressalta.

O médico lembra que outro ponto de igual importância é que muitas das vezes temos medo ou receio de conversar abertamente com as pessoas sobre o suicídio, de perguntar se o indivíduo tem desejo de morte; desejo de desaparecer; e sobre sua insatisfação com a vida que pode leva o indivíduo a desanimar de tudo. “Precisamos conversar com as pessoas sobre isto. Aqueles que têm ideação suicida se sentem aliviados em ter alguém para conversar abertamente sobre o assunto, uma vez que diante deste tabu, há o medo em que se conversar sobre o suicídio, essa pessoa possa passar a ser considerada fraca, covarde ou uma pessoa que precisa se internar e tomar remédio, às vezes até para o resto da vida. É importante conversar, e isso pode dar um alívio para quem tem ideação suicida”, explica Maurício Giubilei.

DISCUSSÃO ABERTA
O psiquiatra ressalta ainda que outro ponto importante de se falar sobre o suicídio, e discutir a questão não apenas com aqueles que têm ideação ou tendências suicidas, mas também discutir e divulgar a campanha de prevenção para toda a população.

“As pessoas que têm menos contato com a mídia, que têm menos contato com meios de esclarecimento ou com outras pessoas passam a acreditar que tudo isso faz parte da vida: que a tristeza é normal, que a angustia é normal, que o sofrimento humano é normal, enquanto que existem alguns sofrimentos, alguns desconfortos emocionais que são próprias das situações que nós vivenciamos, mas não é o habitual”, comenta.

Segundo o médico, existem questões que são patológicas e passíveis de tratamento. “Daí a importância de se divulgar o que é um toque grave, um transtorno obsessivo-compulsivo grave, o que é uma depressão, o que é uma psicose, o que é uma paranoia que leva o indivíduo a sentir-se perseguido, a diminuição da forma da pessoa se ver e se sentir, tudo isso são fatores que leva o indivíduo a ter o cabo final da vida. É importante enfatizarmos a divulgação daquilo que pode levar o indivíduo a desanimar viver”, alerta o psiquiatra.

CAUSA E CONSEQUÊNCIA
Mauricio Giubilei explica que o suicídio acontece em decorrência de algum transtorno ou doença mental, ou ainda situação em que a pessoa está vivenciando. “Os transtornos mentais, como a depressão, o pânico, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de estresse pós-traumático, são vários fatores que podem levar o indivíduo mais susceptível ao suicídio”, acrescenta.

Conforme o médico, ainda existem outros fatores de igual importância. “Para se ter uma ideia, o indivíduo que tem uma esquizofrenia tem uma chance de 20% de se matar, em outras palavras: 20% dos esquizofrênicos se suicidam. O suicídio pode aparecer, também, isoladamente, como por exemplo em indivíduo que aparentemente não apresenta sintomas, mas que no fundo, se for pesquisar melhor, conhecer história familiar da pessoa, conhecer a história do indivíduo no seu desenvolvimento sócio-cultural, ele tinha algumas alterações que indicavam uma propensão ao suicídio”, ressalta.

Giubilei enfatiza que a depressão, o transtorno bipolar, são questões de grande importância para o indivíduo colocar fim a própria vida. “Principalmente na fase mista, em que o indivíduo tem sintomas depressivos como falta de prazer continuar vivendo, desânimo, falta de perspectiva de vida, tudo isso pode levar o indivíduo a ter coragem de se matar. O deprimido é um pouquinho menos difícil se matar, mas na fase mista do transtorno afetivo-bipolar é mais fácil o indivíduo se matar porque há o componente de exaltação do humor que leva o indivíduo a ter essa coragem em se matar”.

Todavia, o psiquiatra ressalta que hoje é muito mais raro tomarmos conhecimento de pessoas que se mataram por causa de grandes perdas como falência financeira, perda de um ente querido ou outras coisas de igual  importância a estas. “Na minha época, muitos anos atrás, era comum tomar conhecimento de indivíduos que se mataram por perdas em jogos, ou ser abandonado pela esposa, e assim por diante. O luto que a gente vivencia no nosso dia a dia era menos confortável no passado, então levava o indivíduo também a buscar o término do seu desconforto através do suicídio. Ninguém se mata simplesmente por se matar, ele tenta matar dentro desse algo ruim, desconfortável, doloroso. É uma forma indireta da pessoa também perder a parte boa da sua vida”, comenta o médico. 

CAUSA MÉDICA
O suicídio, conforme aponta o psiquiatra, é também um problema de ordem médica e como tal deve ser tratado pelo médico. “A situação ganha tal proporção que simplesmente uma psicoterapia, um apoio, o acolhimento familiar não é suficiente para prevenir o suicídio, tem que ter um apoio medi-camentoso porque a alteração dos hormônios cerebrais, dos neurônios neurotransmissores, estão muito acentuados e o pensamento do indivíduo está muito comprometido para que ele possa entender que aquele ato pode ser evitado”, explica.

De acordo com Maurício, nesses anos não houve muitas mudanças em relação ao tratamento do suicídio. “As medicações que usamos, chamadas de medicações anti suicidas, são medicações comuns. Hoje temos, por exemplo, o carbonato de lítio, que é uma das uma delas e que ajuda muito a evitar o suicídio; o divalproato, que é outro tipo de medicamento, também tem uma ação muito importante como anti suicida. E a própria orientação, que muitas vezes traz a proteção mais acentuada ao indivíduo com tendência suicida”, ressalta.

O médico lembra que existe uma pesquisa sendo realizada no Hospital das Clínicas de São Paulo, em que é usada uma substância anestésica que tem ação antidepressiva muito importante. “Só é indicada para pessoas em extremo risco de suicídio. Então a pessoa é internada no Hospital das Clínicas, onde tem uma enfermaria destinada a essa situação, em que fica três enfermeiros 24 horas por dia junto a esses pacientes para que eles não se matem. É um acolhimento bem acentuado e se evita a morte dessas pessoas. Parece que os resultados são muito promissores”, enfatiza.

OUTRAS CAUSAS
Ainda, conforme o médico, uma pessoa é potencial suicida quando ela tem uma doença que pode ter risco para suicídio, e não são apenas as doenças psiquiátricas. “Às vezes o indivíduo pode ter uma doença de Parkinson, que carrega no seu bojo também a depressão, e outras doenças crônicas podem levar o indivíduo a se matar. Além disso, há também as limitações do idoso: hoje a gente tem visto que a quantidade de suicídios em idosos têm aumentado muito, principalmente nos grandes centros, e é exatamente por não ter mais apoio familiar. Hoje a vida é muito dinâmica, não temos tempo para ter uma pessoa da família para cuidar do idoso, então ele acaba ficando sem perspectiva, inclusive de ter um bom final de vida e acaba encurtando esse tempo de vida através do suicídio”, acrescenta.

Conforme reforça o médico, há meios para se evitar que isso aconteça. “Primeiro conversar. Vejamos a questão do idoso, por exemplo. Buscando saber de quê apoio ele precisa, que lar substituto ele pode ter para ter esse acolhimento e evitar complicações maiores; estimular a família a fica mais tempo com esse idoso, conversar mais. E também encaminharmos para o psiquiatra para que ele possa ver as doenças comórbidas, as doenças que podem desencadear ou andar junto com ideação suicida, que se tratado essas doenças a pessoa cai com o risco de suicídio a zero. Estando bem controlado, o indivíduo pode ter uma vida completamente normal”, ressalta.

O médico ressalta ainda que a divulgação de casos de suicídio pode ser um fator que pode vir a servir como estímulo a outras pessoas, que já têm certa tendência ao suicídio, a também dar cabo a própria vida. Por fim, ele destaca: “quando o combate ao suicídio, o principal e a prevenção. Estamos sempre conversando e demostrando que o suicídio é um ato que não é pecado, que é decorrente do sofrimento intenso que a pessoa tem, para que possa ir quebrando devagar esse tabu e as pessoas procurarem, até mesmo espontaneamente, quando vê o impulso suicida que aumenta muito o risco da execução desse ato”, finaliza.