O tema do texto de hoje foi indicação de amigo, assíduo leitor desta coluna. Por meio do Instagram, ele me enviou um questionamento: todas as palavras do português vêm de outra língua? Falemos um pouco sobre isso!
O conjunto de todas as palavras de uma língua é chamado de léxico. Para estudar o léxico de uma língua, vários conhecimentos são relacionados, dentre os quais, fonético - fonológicos, morfológicos, sintáticos, filológicos, etimológicos; também se consideram os estudos sociais e um pouco de história, já que esses podem ajudar a compreender, por exemplo, as variações que o léxico sofreu ao longo do tempo, em diferentes regiões e em diferentes comunidades.
É a partir dos estudos do léxico que se pode afirmar a inexistência na língua portuguesa de palavras resultantes do nada. A especialista em léxico, Ieda Maria Alves, da USP, há quarenta anos estuda as palavras da língua portuguesa e afirma que em nossa língua, não há palavra que não tenha sido originada, em última instância, de outra palavra já existente em alguma língua.
No caso do léxico português, a grande maioria das palavras é de origem latina, mas também há palavras cujas raízes são gregas e até mesmo germânicas; essas últimas apareceram como resultado da forte influência do inglês, sobretudo nas últimas décadas. No português do Brasil, há ainda, influências indígenas e africanas.
É sempre bom lembrarmos que sendo a língua dinâmica, a todo momento novas palavras podem surgir. E de fato surgem! Em português as palavras novas são chamadas de neologismos. Para os estudiosos do léxico, mesmo os neologismos são originados de outras palavras, por isso, entre os especialistas é consenso afirmar que não existe um neologismo ex nihilo, ou seja, uma palavra que não surja de outra palavra.
Essa afirmação é válida para compreendermos, por exemplo, os neologismos da obra de Guimarães Rosa: o autor falava várias línguas e conhecia muitos idiomas, inclusive o tupi; por isso usou, com maestria, radicais de diversas origens para criar palavras novas em suas narrativas. Uma das obras mais conhecidas de Guimarães Rosa é Sagarana; para dar o título ao conjunto de contos, o autor criou o neologismo a partir da junção de uma palavra de origem germânica – saga – com a palavra rana, cuja origem está no tupi.
Fora da literatura, os neologismos também ocorrem e são frequentes, basta nos atentarmos à língua falada a nossa volta. Esta coluna já comentou, por exemplo, a origem do termo sextou. Outro exemplo de neologismo que apareceu fora da literatura é a palavra caxirola, nome dado ao instrumento musical criado por Carlinhos Brown para ser o instrumento oficial da Copa do Mundo, em 2014.
Mario Viaro, professor da USP e também estudioso do léxico, explicou a origem da palavra caxirola: nela, encontram-se as sílabas iniciais da palavra caxixi – um tipo de chocalho, de origem africana - e o final da palavra castanhola - instrumento bastante popular na Espanha. O professor ainda destaca o fato de que, mesmo quando uma palavra é inventada por meio de uma sequência de sílabas aleatórias, não é possível afirmar que ela não tenha vindo de outra língua, porque as sílabas utilizadas no neologismo já pertenciam a outra(s) língua(s). O que faz o neologismo se tornar um sucesso, ou ser incorporado à língua cotidiana é, justamente, a fácil associação com palavras cujas sílabas já são conhecidas pelo falante.
Há mais de duzentos anos, Lavoisier, que não era linguista, mas químico, afirmou que “na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”; em se tratando de léxico, talvez caiba dizermos algo bem parecido: ex nihilo nihil fit, ou nada vem do nada!
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Michelle Aparecida Pereira Lopes é uma professora apaixonada pelas Letras. É doutora em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Ministra as disciplinas relacionadas à Língua Portuguesa na Universidade do Estado de Minas Gerais, UEMG - Unidade Passos. Também ensina Gramática no Ensino Médio e Cursinho do Colégio Objetivo NHN, Passos.