Políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiência foram alvo de um amplo debate realizado pela Câmara Municipal quinta-feira (11/3). A audiência pública tratou sobre a aplicação da Lei Municipal 4.596/2019, que institui política pública para garantia, proteção e ampliação dos direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista - TEA em São Sebastião do Paraíso.
No entanto, pessoas com deficiências diversas também manifestaram suas reivindicações, enriquecendo o debate. Além dos vereadores, profissionais da área da inclusão e cidadãos, também participaram o prefeito Marcelo Morais e autoridades políticas do município de Itaú de Minas.
A audiência pública foi solicitada via ofício pelo presidente da associação sem fins lucrativos Instituto Inclua, Caio César de Toledo. No documento, ele aponta que o Poder Executivo tinha 120 dias para implementar ações da lei aprovada e que o debate se faz necessário para fomentar o diálogo entre instituições, profissionais, familiares e sociedade em geral na busca pela garantia dos direitos resguardados a essa parcela da população.
Após a audiência pública, será feito um relatório com todas as discussões levantadas a ser encaminhado para a Prefeitura Municipal de São Sebastião do Paraíso e também para os poderes públicos de Itaú de Minas.
Profissionais envolvidos com inclusão se manifestam em Plenário
O presidente do Instituto Inclua e proponente da audiência pública, Caio Toledo, disse que o objetivo é iniciar um diálogo amplo sobre as necessidades dessa população e que, apesar da aprovação da lei municipal, ainda não são perceptíveis melhorias no serviço prestado na cidade. Ele abordou conceitos sobre a educação inclusiva, que deve visar a formação integral do aluno, considerando "temáticas como empatia, respeito pelo próximo, tolerância à frustração, autoconfiança, responsabilidade, socialização e outras habilidades".
Também fez pontuações a respeito de incisos da lei municipal, por meio dos quais defendeu que a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com Transtorno do Espectro Autista ainda tem muito a evoluir.
"O que não dá mais para aceitar é uma família ficar dois anos aguardando um procedimento avaliativo que pode impactar nos suportes que esta pessoa vai precisar para seu desenvolvimento”.
Argumentou a necessidade de um olhar multidisciplinar e o estímulo à inserção no mercado de trabalho: "Será que estamos respeitando nossos futuros artistas, músicos, entre outras profissões tão importantes para uma vida em sociedade? Quando pensamos em preparação para a vida, não estamos falando da necessidade de saber ler e escrever, ou até saber fazer contas matemáticas. Porque existem sim crianças que talvez nunca desenvolvam tais habilidades, mas se olharmos suas potencialidades, veremos que temos muito potencial a ser estimulado". Falou ainda sobre a necessidade de treinamento para famílias, entre outros pontos.
A presidente da Comissão de Direito e Defesa das Pessoas Portadoras de Autismo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - Subseção de São Sebastião do Paraíso, Lidiane Baldo, relembrou a criação da comissão em 2017, inspirada na OAB estadual, com o objetivo de promover movimentos sociais, políticos e eventos sobre os direitos das pessoas com autismo - o que abriu caminho para outras iniciativas ligadas à inclusão.
Ela questionou sobre quais serviços o Município fornece para esse público, no quesito de saúde, educação e mercado de trabalho.
"Sabemos que muitas cidades menores também têm dificuldades e tudo é judicializado [demanda é levada à Justiça], e as crianças têm seus direitos alcançados. Em Paraíso, as pessoas ainda têm dificuldades de procurar os seus direitos. As famílias não podem deixar de procurar seus direitos mesmo que tenham que procurar o Ministério Público ou a OAB. Essas famílias precisam ser vistas, e isso será alcançado através do cumprimento das leis, de políticas públicas e movimentos sociais que possam trazer conhecimento e trocas de saberes", defendeu.
Da Tribuna, cidadãos apontam demandas sobre diversas deficiências
As falas na Tribuna apontaram demandas para o poder público, abrangendo diversas deficiências. Elaine Silva, mãe de uma criança autista, afirmou que a saúde e educação municipal estão despreparadas para atender pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista, e que a filha passa por dificuldades de aceitação na escola e discriminação de modo geral. Cobrou mais respeito e igualdade de tratamento, preferência em filas, oferecimento do tratamento necessário no município ou de transporte digno para tratamento em outros locais.
Jeane de Araújo ressaltou que a inclusão não deve ser feita apenas no ambiente escolar. Ela também atuou como intérprete da fala de Celso Cintra, que é surdo. Ele afirmou que o atendimento aos surdos nos órgãos públicos é difícil no município, citando o exemplo de uma consulta médica em que não havia intérprete, impossibilitando o atendimento à sua esposa. Ele manifestou a necessidade de criação de uma associação dos surdos para o ensino de libras. Na própria audiência, o prefeito Marcelo Morais se prontificou a oferecer uma sala para reuniões do grupo, e Celso ficou responsável por organizar e cadastrar os cidadãos surdos do município, com vistas também a pensar políticas públicas voltadas para essa parcela da sociedade.
Anderson Faria cobrou a execução da lei e a colocação do símbolo do autismo nos comércios para atendimento prioritário. Rafael Carvalho, que é deficiente visual, falou sobre a necessidade de disponibilização de salas de recursos de deficiência visual nas escolas, visto que ele precisou deixar de residir no município para ter acesso aos recursos que necessitava.
Sobre isso, Marcelo Morais afirmou que solicitou à Secretaria de Educação levantamento para instalar o máximo possível de salas de recursos. Jhonatan Silva, por sua vez, pediu oportunidades de trabalho às pessoas com deficiência.
Por fim, Alessandra Tomé frisou a importância da área da saúde: "Como falar em conscientização e inclusão se o município peca na raiz da questão que é o tratamento dessas crianças? Se a criança chega na escola sem um laudo, um direcionamento, é impossível os professores trabalharem", disse. Ela também solicitou a implantação de equipe multidisciplinar.
Vereadores
A vereadora Maria Aparecida Cerize (PSDB) informou que a lei municipal de sua autoria traz visibilidade para o município do que dita a lei federal n.º 12.764/12, que criou a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Ela apresentou ao prefeito Marcelo Morais alguns pontos da lei que podem ser realizadas: formação e capacitação de profissionais, transporte público gratuito para pessoas com TEA e acompanhante, acesso aos serviços de saúde para diagnóstico precoce (profissional neuropediatra) e colocação do símbolo do autismo nos comércios para atendimento preferencial.
O vereador Pedro Delfante (PL) citou leis que tratam dos direitos dessa população e afirmou que ainda faltam implementação. "A falta de conhecimento da sociedade sobre o que é o TEA, bem como ausência de políticas públicas consolidadas para inclusão e terapias para pessoas com autismo ainda são os principais desafios das famílias".
Juliano Reis (PP) destacou palavras-chave da audiência pública: "Despreparo, preconceito e diálogo". O presidente Lisandro Monteiro (SD) manifestou a intenção de tornar a Casa Legislativa um órgão mais inclusivo.
Vinicio Scarano (CIDADANIA) disse que ha três pilares que devem caminhar juntos: educação, assistência social e saúde. "Precisamos de atendimento integrado da rede pública".
Prefeito fala de ações na área da inclusão
O prefeito Marcelo Morais reconheceu que a cidade não é inclusiva. "Da lei que está sendo discutida, se a gente conseguir implantar só o inciso III do art. 3, já é um grande avanço. Mas o desafio é maior do que se imagina, vamos fazer de tudo para estar o mais próximo possível de cumprir essa lei", disse, ressaltando que o combate à pandemia de Covid-19 tem dificultado a atenção a outras demandas.
"Identificamos, na rede pública, uma pediatra que está se especializando em neuropediatria. Vamos encaminhar um projeto de lei para a Câmara para termos autonomia de utilizar no Ambulatório Municipal os profissionais efetivos da UPA que tiverem alguma especialidade", salientou.
Também afirmou ser dever do município dar mais auxílio às instituições como Apae e Lar Pedacinho do Céu, dar conforto às famílias que são transportadas para tratamento em outros locais e incluir igualmente todos os alunos nas escolas.
Citou ainda a implantação do prontuário eletrônico na rede de saúde, que deve ocorrer em breve, facilitando o acesso integrado às informações dos pacientes. "Meu maior desafio vai ser fazer as políticas públicas voltadas ao autismo saírem do papel", concluiu.
Autoridades de Itaú de Minas participam da audiência
Representantes dos poderes Executivo e Legislativo do município de Itaú de Minas também participaram do debate.
O vice-prefeito Matheus Vilela Silva apresentou iniciativas do Executivo na área da inclusão, como a cessão de um espaço público para que a Apae - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais deixe de pagar aluguel. Também ressaltou a importância de instituições como essa na prestação de serviços com apoio da administração pública, e da integração das secretarias municipais e dos poderes públicos municipais, bem como da integração regional - especialmente no combate à pandemia de Covid-19.
A presidente da Câmara Municipal de Itaú de Minas, Claudia Fonseca, relatou aos presentes que fez uma indicação à Prefeitura para que fosse criado um núcleo de atendimento com diversos profissionais como psicólogo, fonoaudiólogo, psicopedagogo, médico e assistente social para atendimento às famílias e pessoas com deficiência - assim, reunindo todas as especialidades necessárias em um mesmo lugar.
Ela também falou sobre a importância do diagnóstico e do laudo médico para melhorar o aprendizado nas escolas, uma vez que as instituições receberão verba específica para esses alunos. "Uma pequena vitória que seja, para as famílias é muito gratificante, porque os autistas têm capacidade e nos surpreendem. Gostaria que todos os lugares tivessem o laço do autismo, para entrada grátis, e que a lei fosse cumprida. Precisamos de formação, aceitação e respeito da comunidade pelas pessoas especiais", disse.