Há dois séculos chegavam as primeiras famílias italianas às terras paraisenses e com elas a cafeicultura, quando se aproveitaram dos bons ares trazidos pelo cultivo do “ouro negro” nas cidades paulistas do entorno. Atualmente, a agricultura de São Sebastião do Paraíso divide solo com a produção de figo, pêssego, mandioca, banana, abacate e olericultura bastante diversificada entre hortaliças e legumes.
Até hoje o município não nega sua vocação de terra produtora do bom café e “é uma das cinco praças de comercialização do produto do país. O município tem uma responsabilidade importante no cenário do café arábica no Brasil e atualmente tem grandes traders e armazéns especializados e qualificados, estando entre os melhores do mundo em relação à logística. Tem cooperativas altamente qualificadas para atender da ‘porteira para dentro e da porteira para fora’”, informa o diretor da empresa de comercialização Safras & Negócios e Intermediações Eireli, Gilson Souza.
Atualmente, de acordo com o extensionista agropecuário da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) João Bosco Minto, a área de cultivo de café é de 16 mil hectares, com predominância das variedades catuai e mundo novo. No cenário cafeeiro, ele conta que os processos estão mudando: “A colheita mecanizada tem aumentado muito nos últimos anos, mas ainda predomina a manual.”
João diz que a fama do município de produtor de cafés de alta qualidade também é bicentenária. “Este ano já estamos no terceiro concurso municipal de qualidade de café, com amostras do que há de melhor. Temos um selo com o nome “O paraíso dos cafés finos”, que é uma referência à qualidade dos cafés colhidos em São Sebastião do Paraíso”.
O extensionista da Emater diz que, apesar das dificuldades que acompanham a existência das lavouras cafeeiras paraisenses, “sem sombra de dúvida, elas trouxeram ao longo da história, inúmeros ganhos com geração de empregos diretos e indiretos e é o principal produto na geração de renda aos produtores e à cidade”.
Gilson diz que, em relação ao estoque, em Paraíso, é um volume médio que abastece o mercado e boa parte não está nas mãos do produtor, mas sim nas das multinacionais, dos torradores e de quem controla ofertas e embarques.
Em tempos pandêmicos
E como a pandemia do coronavírus abalou toda a economia mundial de forma significativa, a cultura do café de modo geral também foi afetada nesses dois últimos anos. Para João Minto, devido à pandemia, “houve vários problemas para realização da colheita, principalmente em relação à contratação de mão de obra de outras localidades – alojamento, sanitários, transporte e aglomeração, tudo isso se complicou muito”.
Segundo Gilson de Souza, os preços do café não sofreram grandes mudanças no início da pandemia. “Mas o mercado ficou meio pasmo diante das notícias, aguardando decisões das autoridades, cada local dentro de seu contexto, a fim de tomar atitudes corretas. Houve uma paradeira nos primeiros 30 dias e até os primeiros seis meses, com a paralisação em restaurantes e cafeterias, o mercado foi agredindo o preço de forma cadenciada. Não houve alta grande, mas houve muita volatilidade, influenciada por informações desencontradas. Tanto o café quanto o câmbio do dólar sofreram agressivamente. Isso perdurou até agora, diante dos números de mortes no mundo”.
O especialista também relata que os embarques de café sofreram mudanças: caíram em um primeiro momento, normalizaram em um segundo período, depois caíram novamente. “Na terceira queda, tivemos uma crise logística mundial de contêineres para exportação e de transferências de um continente para o outro do café e de outras commodities, sendo que já estavam sendo atingidas com alterações de preços e pelo valor do dólar”.
Crise paralela
Recentemente, esse cenário está se normalizando, mas ainda há problemas pontuais. A crise dos contêineres os deixou onde não há necessidade e estão em falta em lugares onde são essenciais. “Não tem contêineres para serem carregados e embarcados em tempo contratado e isso vem gerando retrabalho por parte das companhias navegadoras, tendo que mudar destinos e origens, ou seja, os trajetos foram refeitos e reordenados. Consequentemente, se a distância e o fluxo aumentam, o custo da energia é maior e os fretes vêm sofrendo alterações. As áreas portuárias também sofreram mudanças por causa de problemas de mão de obra especializada, que não está disponível para atender de forma acelerada, como o mundo pretende. Acredita-se que no primeiro semestre de 2022 isso se normalize”, diz Gilson.
E como se não bastasse um mercado que se mostrou com muitas incertezas por conta da pandemia, João também diz que o período se mostrou desfavorável por causa da geada que atingiu as lavouras em julho passado. “Foi uma geada severa que atingiu em torno de 20% das lavouras, causando prejuízos a inúmeros cafeicultores. A renda deles será afetada no próximo ano devido à falta de produção e endividamento junto aos agentes financeiros, em relação aos financiamentos para renovação das lavouras”.
Em relação à dificuldade financeira desses produtores, João descreve que “muitos deles fizeram venda futura (a chamada trava) com as cooperativas e cafeeiras, ao preço de R$ 600 a saca de 60 quilos e hoje a saca está sendo comercializada a mais de R$ 1 mil, o que representa mais prejuízos aos produtores”.
As lavouras que não foram afetadas pela geada apresentaram uma florada muito boa, com expectativa de alta produção para 2022. “O produtor de Paraíso é bastante confiante e batalhador. Já passou por outros momentos de dificuldade e conseguiu continuar na atividade e não vai ser dessa vez que vai desistir”, diz João Minto.
Gilson ainda lembra que antes da geada houve seca e isso também deve se refletir na safra 2022. “Deve haver uma queda em relação ao previsto inicialmente de, no máximo, 35% e, no mínimo 30% de queda, de acordo com o status atual; mas isso pode mudar para mais ou menos, dependendo de condições climáticas que podem corrigir queda ou aumento. A condição do produtor, de receita e de custo de insumos também vai influenciar”, diz ele.
E completa sobre o preço atual da saca de café: “Quem vende, reclama que as taxas tributárias são altas; quem faz mediação sofre com todos os problemas de logística e de custo financeiro. São poucos os que estão ganhando, mesmo com o preço de R$ 1,6 mil a saca do café arábica tipo 6.
Tendência
Os contratos que foram firmados no passado e estão valendo até 31 de dezembro deste ano fizeram com que parte do mercado se concentrasse nesses trabalhos. “O produtor nacional vem negociando a safra de forma controlada e até hoje está assumindo seus compromissos com toda dificuldade. A tendência de preços é de continuar em alta, o que deve permanecer por um período pequeno, depois virá uma nova fase, que vai depender do estado das lavouras e das consequências do que há no campo”, pondera Gilson.