Quando questionado lá em 2006 enquanto festejava a conquista do bicampeonato, se achava possível alcançar os sete títulos de Michael Schumacher, Fernando Alonso certamente não sabia o que estava falando ao responder “não me vejo aqui aos 40”! Era uma alusão à longeva carreira o alemão que se despedia das pistas naquele dia aos 37 anos.
Alonso tinha 25 anos, um futuro promissor que se desenhava no horizonte, e ninguém poderia imaginar que sua saga de títulos terminaria ali mesmo. Não fosse as mazelas do próprio Alonso, eu diria ele era vítima de uma das maiores injustiças do esporte não ter permitido que um dos pilotos mais completos dos anos 2000 fosse além do bicampeonato.
O talento do espanhol aliado ao seu perfil genioso tornou-o tão desejado quanto rejeitado ao mesmo tempo. Por onde passou colecionou desavenças, causou divisões e deixou a McLaren e a Ferrari pela porta dos fundos. Na McLa-ren teve duas passagens conturbadas. Na primeira por ter denunciado a própria equipe num escândalo de espionagem industrial contra a Ferrari, motivado por insatisfação em ter que dividir as mesmas atenções que eram dadas ao então novato Lewis Hamilton. Na segunda, enfrentou o pior momento da equipe na F1 que sofria com os motores Honda que hoje se tornou um dos mais fortes do grid e empurra a Red Bull.
Sem ter para onde ir, Alonso deixou a F1 no final de 2018 sem nunca dizer que era um adeus, e foi em busca de vida lá fora. Disputou o Rali Dakar, fez duas 500 Milhas de Indianápolis, venceu as 24 Horas de Le Mans, foi campeão Mundial de Endurance, mas tinha uma questão ainda mal resolvida com a F1.
Por isso ele retornou esse ano com a equipe onde venceu os dois campeonatos, a Renault, que tornou-se a Alpine. Mais maduro, mais calmo e não menos talentoso, Alonso terminou em 3º o GP do Qatar no domingo passado. Subiu ao pódio pela 98ª vez depois de um hiato de 7 anos, ou 105 corridas desde o GP da Hungria de 2014, quando terminou em 2º com a Ferrari.
O ambiente sisudo da F1 não é de fazer festa por qualquer motivo, e quando faz é porque algo importante aconteceu. O pódio de Alonso foi celebrado por todos. O espanhol fez um final de semana forte com a Alpine e aproveitou a chance de largar da terceira posição depois das punições de Bottas e Verstappen, arriscou na estratégia de uma parada contra duas da maioria, e chegou em 3º. Merecido!
O Alonso de hoje, ainda que no começo da temporada tenha dado uma patada na repórter Mariana Becker, da Band, quando não avançou para o Q2 na classificação para o GP de Portugal - depois se desculpou, é o Alonso ‘paz e amor’, como se diz por aí. No fundo ele sabe hoje qual é o seu lugar na F1, mas se sente capaz e em plena forma para lutar contra pilotos bem mais jovens e talentosos.
No Qatar ele se tornou o terceiro piloto dos últimos 35 anos na F1 a subir no pódio aos 40 anos. Antes dele, apenas Nigel Mansell em 1994, na Austrália, com a Williams, e Michael Schumacher com a Mercedes no GP da Hungria de 2010 quando desistiu da primeira aposentadoria.
E enquanto a gente celebra o feito do espanhol, há um campeonato pegando fogo dentro e fora das pistas, restando apenas duas corridas pela frente. No Qatar Lewis Hamilton reduziu de 14 para apenas 8 pontos a vantagem que Max Verstappen tem na liderança do Mundial de Pilotos. A penúltima etapa acontece no próximo final de semana com o primeiro GP da Arábia Saudita, em Jeddah, num circuito em que a média horária só não deve ser maior que a de Monza, mesmo sendo um circuito de rua. Tão perigoso quanto desafiador.