Mais um ano se aproxima do fim e com ele uma das datas mais aguardadas: o natal. É interessante notar como tal evento desperta os mais diversos sentimentos, é visto muitas vezes como uma época de alegria, fervor religioso e celebração, período em que fortes memórias afetivas são cultivadas, mas, por outro lado, temos os que nos chamam atenção para manifestações falsas e momentâneas de afeto, para o esquecimento de problemas sociais dentre vários outros argumentos. Em resumo, podemos dizer que, independente de crenças religiosas, simpatias ou antipatias pela data, o natal é uma data de extrema relevância quando tratamos de comportamento, interação e tradição.
Assim como qualquer fato ou reflexão, uma breve mediação histórica sobre o natal nos apresenta o presente com mais clareza. Que tal visitarmos alguns episódios e pensar sobre o tema? Alguns acontecimentos de “25 de dezembro” nos revelam casos curiosos para análise social, pois, muito mais do que o nascimento de Isaac Newton, a coroação de Carlos Magno ou a renúncia de Gorbachev, a data em questão reúne casos icônicos para nossa análise.
Um dos fatos mais conhecidos sobre o referido tema se deu em 1914 durante a primeira grande guerra. É evidente que as primeiras imagens que vêm à nossa mente quando nos referimos a tal fato são as de horror e carnificina, homens se tornando monstros disformes perante as novas tecnologias bélicas do início do século XX, mas, eis que nas imediações da cidade de Ypres na Bélgica no dia 25 de dezembro do ano inicial do conflito soldados inimigos iniciaram de forma casual uma celebração natalina. Os registros nos mostram que mesmo sem ordens superiores ou negociações prévias soldados alemães, franceses e ingleses concederam uma trégua saindo de suas trincheiras e compartilhando alimentos e bebidas durante a data.
O que tal fato nos revela? Desilusão com os horrores e os motivos da guerra? Carência emocional por passar a data longe dos familiares? A necessidade humana de interação? Os registros do acontecimento revelam conversas triviais que podem dar indícios de tais objetivos como o testemunho do Capitão Sir. Edward Husle, do exército real britânico: “Eram três soldados rasos e um padioleiro e o porta-voz deles disse que queria desejar a nós um Feliz Natal e esperava que nós, tacitamente, mantivéssemos uma trégua. Ele disse que havia morado em Suffolk, onde tinha uma namorada e uma bicicleta a motor.”
E se o natal pôde romper um dos maiores conflitos da humanidade ele pode também romper os limites da própria religião. Temos exemplos em diversas partes do mundo quando o assunto é o “25 de dezembro”, o povo hindu celebra o Diwali, conhecido como “festival das luzes”, onde as casas são adornadas com enfeites assim como no Brasil e a figura de Jesus é aceita como uma encarnação Vishnu. Algumas religiões de matriz africana, como a Umbanda, associam Cristo a Oxalá, o maior de todos os Orixás, e por isso, celebram o Natal com agradecimentos à entidade, poderíamos citar diversos outros exemplos, mas a ideia da globalidade da data fica clara. Para sermos sinceros a data era comemorada mesmo antes do nascimento do próprio Cristo, sendo utilizada previamente em várias culturas antigas.Como os evangelhos não são claros quanto à data do Nascimento de Cristo, a consagração do “25 de dezembro” veio somente no século IV quando o papa Júlio I estabeleceu o marco aproveitando-se de celebrações previamente estabelecidas como o solstício de inverno europeu, por exemplo.
Retomando costumes antigos temos indícios até mesmo do nascimento das famosas ceias de natal. Atualmente a data é marcada pelo encontro com familiares e a troca de presentes, a que algumas fontes dão mostra, a tradição nasceu na Europa com o costume de deixar as portas abertas na referida data para receber membros pobres da comunidade, viajantes e peregrinos possibilitando um momento de confraternização coletiva. A medida em que a data se espalhou pelo mundo, toques locais foram acrescentados em diversos aspectos da celebração, sobretudo na culinária como, por exemplo, o acréscimo do peru nas festividades no continente americano.
O exemplo acima reforça mais uma vez as raízes fraternais dos costumes natalinos e o reforço nas concepções de comunidade e solidariedade. Outra característica clara até o momento é o da grande diversidade nas origens e nas formas de vivenciar a data, nosso país com suas dimensões continentais oferece vários exemplos de tais regionalidades. Em nossa localidade temos tradições como as Festas dos Santos Reis que para as bandas de Alagoas ganha o nome de Festa dos Guerreiros, em vários estados da região nordeste temos Auto do Pastoril, na região norte a hóstia pode ser substituída pela tapioca, típica da região.
Enfim, com suas universalidades e regionalidades, purismos e sincretismos, o natal é um marco fundamental com raízes longínquas e ricos simbolismos. E após este “passeio” histórico nos resta avaliar o que o natal do presente ano nos apresenta de especial. Vivenciamos o que parece ser a reta final da mais abrangente pandemia de todos os tempos, assim como uma polarização política como pitadas extremas de intolerância, com a tecnologia avançando e ocupando um lugar cada vez maior em nosso cotidiano, dentre vários outros traços particulares. A reunião destes fatores faz de nosso presente natal um acontecimento único, a celebração terá potencial para reunir opositores políticos? Reunir pessoas discordantes sobre o potencial das vacinas? Acabar com inimizades geradas por eventuais postagens feitas em redes sociais? Com palavras duras ditas no calor gerado pelo stress do longo lockdown? Só o tempo pode responder tais questionamentos, porém, o passado como elemento único e soberano da formação de nosso presente prova que tudo é possível nos “25 de dezembro”. Um feliz natal a todos!