A capacidade de um grande piloto nem sempre se mede por suas conquistas, mas pelo que ele é capaz de fazer quando não tem o melhor carro, ou como se sai, ainda que derrotado, diante de um grande adversário.
Nesse contexto, eu sempre digo que o melhor ano de Ayrton Senna na F1 não foi quando conquistou os títulos de 88, 90 e 91, e sim 1993, quando tinha um carro que eu costumava chamar de “McLaren capenga”, MP4/8, equipado com um motor Ford-Cosworth V8 que era 40 cavalos menos potente que o mesmo motor que empurrava a Benetton de Michael Schumacher, que tinha a exclusividade de uso da versão mais recente do propulsor.
Naquele ano Senna incomodou Alain Prost que pilotava uma Williams de outro planeta. Venceu cinco corridas, duas delas épicas, em Interlagos, e na que virou um clássico da F1, o GP da Europa, em Donington Park, com muita chuva em que o brasileiro ultrapassou quatro carros na primeira volta para vencer com uma volta sobre o 3º colocado, Prost, e prestes a colocar também uma volta em Damon Hill que terminou em 2º com a outra Williams; E terminou o ano com o vice-campeonato apenas 26 pontos atrás de Prost numa época em que o vencedor levava 10 pontos e o 2º colocado 6.
Senna mostrou naquele ano o quão espetacular era, algo que a gente já sabia diante de suas atuações em outras temporadas, mas o ano de 93 foi para não deixar dúvidas do quanto ele era capaz, mesmo com um carro muito inferior tecnicamente às Williams e Benetton.
Lewis Hamilton já venceu sete campeonatos, estava há seis voltas de conquistar o 8º título quando uma batida de Nicholas Latifi e as trapalhadas do diretor de prova mudaram os rumos do campeonato que foi conquistado por Max Verstappen. Foi um ano bastante duro em que Hamilton teve pela primeira vez na era híbrida da F1 um adversário tão duro numa equipe diferente.
Quando Nico Rosberg derrotou o inglês na Mercedes, em 2016, um dia depois de receber a premiação pelo título, o alemão anunciou sua aposentadoria precoce porque sabia que dificilmente conseguiria derrotar Hamilton novamente. O desgaste físico e mental foi tamanho que Rosberg preferiu sair por cima e ir curtir a vida quando ainda estava no auge da carreira, aos 33 anos.
Hamilton tem 36, e mostrou uma capacidade mental impressionante para chegar à última corrida empatado com Verstappen que em determinado momento chegou a abrir 33 pontos de vantagem, mas o ponto alto de Hamilton na temporada foi a partir do GP de São Paulo quando foi buscar força interior que só vi até hoje em Ayrton Senna.
Tudo bem, o W12 não era uma Mercedes capenga como a McLaren de 93, longe disso, mas Hamilton desembarcou em São Paulo procedente de duas derrotas seguidas e uma desvantagem considerável de pontos e punições a ter que pagar, algo que faria qualquer outro piloto jogar a toalha quando teve que pagar 25 posições no grid de Interlagos e encontrar motivação para vencer a corrida. A diferença de pontos para Verstappen, que chegou ao Brasil com 19 pontos, subiu para 21 e saiu com 14, foi um alento para Hamilton mostrar o quanto é capaz como piloto. Venceu no Qatar, sobreviveu ao caótico GP da Arábia Saudita, e por pouco não foi o campeão.
O desempenho de Hamilton fica ainda mais notório quando ele tem que enfrentar um adversário que é outro fenômeno das pistas e 12 anos mais jovem, destemido pela própria idade e que vendeu caro cada centímetro da pista nas disputas roda a roda em que travaram ao longo do ano.
Os críticos que atribuem as vitórias e títulos de Hamilton apenas à qualidade dos carros da Mercedes, certamente terão que rever seus conceitos depois do que viram Hamilton fazer nesta temporada, mesmo tendo perdido a disputa para Verstappen.
Feliz 2022 a todos!