Viver de arte e para a arte. Esta é a missão da paraisense Marcela Rodrigues de Souza Duarte e do montesantense Ivan Paschoal. Por uma dessas maravilhosas coincidências (será que elas existem?), os vizinhos mineiros se encontraram na capital paulista e uniram suas vidas pessoal e profissionalmente. Marcela vem de tradicional berço musical, sendo filha do cantor Ronaldo Duarte e de Vitória de Fátima Rodrigues, também com experiência na música. Já Ivan, filho de João Ângelo Paschoal e Orminda dos Santos Ferreira Paschoal, é oriundo da tradicional família Paschoal, com muitos artistas espalhados pelo Brasil. Aos 41 anos, ambos resolveram ressignificar suas histórias e voltar para perto de suas raízes. Nesta entrevista Marcela e Ivan, que compõem o Duo Mariva, compartilham suas caminhadas, os desafios de se viver de música e o significado maior de curar através da arte.
Marcela, vindo de um berço musical e tendo atuado em diversas modalidades, o que você prefere, cantar em dupla, coral, banda ou solo?
Uma pergunta interessante, na qual nunca havia pensado antes! Havia cantado em dupla bem no início, com meu pai, e fazíamos parte de uma banda. Logo depois tivemos um trio, meus pais e eu. A experiência com o coral veio com as atividades da Doutrina Espírita, quando começamos o Coral Alto Astral, e tanto o trabalho quanto os objetivos eram bem diferentes. Fazer parte de algumas bandas nos últimos 20 anos em São Paulo também me trouxe bastante aprendizado e o Duo Mariva é um projeto único, em que estou explorando também a questão da composição, e trabalhando com alguém com quem divido a vida, e isso traz um significado ainda mais especial a esta minha fase como cantora!
Ivan, você também tem uma longa trajetória na música. Como foi seu início?
Eu comecei na música por influência de meu pai, tocando instrumentos de sopro como trompete e sax. Em seguida, fui para o teclado e depois para o piano.
Marcela, paralelo à música, você tem formação e atuou muitos anos como enfermeira. O que a agrada mais em cada profissão?
Foram 20 anos atuando como enfermeira e o que mais me agrada nessa trajetória é a possibilidade de tocar outras almas humanas, de participar de momentos dolorosos podendo amenizar um pouco essas dores. E também de contribuir com a construção de um cenário tão complexo e repleto de incongruências, como o é no Brasil. São 30 anos como cantora e musicista, minha grande paixão, e o que mais me encanta é também tocar outras almas humanas através da arte, poder semear sentimentos, reflexões, transformações. O artista é um agente transformador de seu tempo, mesmo que muitas vezes incompreendido!
Quais suas principais influências na música?
Ivan - No início rock progressivo, na sequência nossa música brasileira, na qual baseio todo meu trabalho como músico.
Marcela - eu cresci ouvindo de tudo! Meus pais cantavam sertanejo, mas cantavam também de tudo um pouco e eu aprendi a apreciar um pouquinho de cada estilo. É difícil citar as principais influências, mas já que disse que sou eclética, vou citar algumas: José Rico, Chrystian e Ralf, Karen Carpenter, The Beatles...
Ivan, além de multi-instrumentista você também é professor, produtor, já teve estúdio de gravação e escola de música. O que te dá mais prazer?
Pergunta difícil, pois acordo todos os dias pensando em música e esse é meu verdadeiro prazer em viver. Minha ideologia é semear sempre, então acho que fico com a didática.
Como surgiu o Duo Mariva?
O Duo Mariva surgiu de uma conversa no Messenger! (risos) Apesar de Ivan e eu sermos mineiros, de cidades vizinhas, com centenas de amigos em comum, trabalhando com música toda a vida, nunca nos encontramos em Minas. Fomos para São Paulo mais ou menos na mesma época e acabamos nos conhecendo lá! Primeiro nos adicionamos nas redes sociais. Depois, começamos uma conversa no Messenger sobre um projeto que ambos queriam desenvolver, sobre o Clube da Esquina. Uma semana depois já estávamos juntos e assim surgiu o casal Marcela e Ivan e também o Duo Mariva!
O Duo Mariva tem um canal muito especial no Youtube em que vocês compartilham o dia a dia de vocês. Como surgiu a ideia e como tem sido a recepção do público?
Começamos o canal do YouTube para divulgar nossas gravações que foram muitas - especialmente durante a pandemia! Foi a maneira de continuarmos levando nossa arte às pessoas em um momento muito complicado para todos os artistas e para todo o mundo. Mais tarde, pensamos em criar um quadro, o Dedim de Prosa, com o objetivo de dividir um pouco de nossa visão de mundo, nossa transição de um grande centro de volta ao interior, nossos pensamentos, anseios, dificuldades e também alegrias! Estamos já no 54º episódio. O engajamento ainda não é grande, mas seguimos semeando! Uma hora a semente germina!
É inevitável falar da pandemia e de como ela afetou fortemente a classe artística. Como foi pra vocês e como tem sido essa retomada?
A classe artística enfrenta, especialmente aqui no país, uma situação muito difícil desde sempre. Em uma entrevista recente, Oswaldo Montenegro resumiu bem a vida do artista, que trafega entre a humilhação e a bajulação em toda a trajetória, às vezes em questão de minutos! A pandemia piorou uma situação que já era complicada, uma vez que a maioria dos artistas sobrevive das aglomerações, dos eventos. Muitos desistiram de sua arte neste período, outros buscaram novas formas de se viver dela. Nós procuramos produzir na internet o máximo que pudemos, e manter nosso trabalho pedagógico, que foi o que permitiu passarmos de forma menos sofrida por esta fase. O pior é perceber que pouca coisa mudou nesta retomada. A classe continua desunida, e deste modo preterida na sociedade, vista como algo dispensável e menos importante. A arte tem se tornado cada vez mais um produto, e menos o que ela deveria ser na essência… Ainda assim, seguimos neste caminho, porque é o que acreditamos, é nossa essência!
Ambos têm filhos pequenos e coincidentemente chamados Pedro. Que filhos vocês pretendem deixar para o mundo e qual o papel da música na educação deles?
Ivan - Essa é uma pergunta muito especial, porque quando soube o nome do filho da Marcela, caí das pernas! (risos) E depois soube que eles têm o dobro e metade das idades… Sincronicidades da vida.
Marcela - Pois é! Uma das tantas sincronicidades! Procuramos manter a música na vida deles, nunca de forma impositiva, mas incentivando e proporcionando a vivência. Entendemos que a música é extremamente importante na educação, mesmo que a pessoa não se torne um músico, um profissional da arte. Ela desenvolve habilidades que são importantíssimas ao ser humano, seja qual caminho na vida ele escolha seguir. Os filhos que pretendemos deixar para o mundo são seres humanos sensíveis, justos, que compreendam seu papel e tenham senso de comunidade.
Recentemente o Duo Mariva fez músicas em homenagem às terras natais de ambos. Como foi o processo de criação e a recepção com as músicas?
As canções Santo Monte e Terra de Sebastião tiveram o mesmo processo criativo, com a letra vindo primeiro e a música depois. Ambas buscaram trazer nossa relação com nossa terra, nossas raízes, e o quanto isto tem influência em quem somos, na vida e na arte! Por isso elas são especiais pra nós! A recepção foi limitada, embora tenhamos trabalhado bastante na divulgação (com os recursos que temos, sem grandes investimentos, pois a arte independente segue em frente com dificuldade). Porém, as poucas manifestações foram emocionantes e sinceras. Produzir arte tem este desafio, de ser de dentro pra fora, de não criar muitas expectativas para não se decepcionar tanto e não vincular a sua produção ao número de ouvintes ou espectadores, porque em tempos de internet, rede social e a necessidade de grandes investimentos - ou então de atuações que muitas vezes não têm a ver com a sua arte propriamente dita - para ser visto ou ouvido, isto pode se tornar insano e muito frustrante!
O que diriam para uma criança ou jovem que sonha em seguir a carreira de músico?
Gente, viver de arte não é fácil. É preciso em primeiro lugar muito amor e dedicação, principalmente. Cuidado com as armadilhas do ego, porque elas surgirão. Invista o seu tempo em primeiro lugar e nunca subestime a arte, mantenha o respeito por ela. Assim, colherão os frutos de tocar um instrumento. Citaria Paulo César Pinheiro. “Um samba eu vou lhe dizer. É sempre bom de fazer e faz a gente querer cantar. O canto, quando ele vem, garanto que é bom também porque faz a gente querer tocar. Tocar é sentir a presença de Deus pelo som, é ouvir a batida de um só coração. Nenhum poeta poderá definir, quando se toca é melhor calar, não dá pra dizer o prazer que há. Só quem sabe é quem sabe tocar”. Portanto, aspirantes da música, tocar não é uma tarefa fácil, porém não é impossível. Não caiam nessa de “dom”, 20% é inspiração e 80% transpiração, como diria nosso Mestre Antônio Carlos Jobim.
O que o Duo oferece atualmente? Gostariam de deixar um convite para nossos leitores os acompanharem?
No Duo estamos trabalhando em diversas vertentes. Com a possibilidade de voltarmos às apresentações presenciais continuamos levando nosso som pela região em eventos públicos e particulares, sem deixar de lado a produção virtual que se mostrou muito importante para a arte nestes tempos difíceis. Atuamos também com a pedagogia musical, através das aulas particulares (presenciais e online), e atualmente estamos com um projeto no Lar Allan Kardec em Monte Santo de Minas, oferecendo aulas de Musicalização para as crianças e jovens de lá. Temos o Dedim de Prosa sobre o qual falamos anteriormente e as serenatas (presenciais e virtuais). Além disso, estamos trabalhando em nossas próprias composições, o que tem sido algo maravilhoso, de grandes descobertas, trocas e crescimento para ambos! Gostaríamos de convidar a todos a nos seguir nas redes sociais, se inscrever em nosso canal no YouTube (Duo Mariva), ouvir nossas canções nas plataformas digitais. Vocês não imaginam a importância destas ações aparentemente simples para os artistas independentes!