Aos 36 anos Marcel Giubilei de Oliveira é um talentoso ator paraisense que vem construindo de modo muito sólido e consciente seu nome no cenário artístico nacional. Construir por sinal, é palavra de estreita relação com nosso entrevistado. Engenheiro civil por formação, Marcel abdicou de uma carreira promissora para viver de arte e para a arte. Com atuação em cinema, teatro e televisão, Marcel destaca entre seus principais trabalhos Delírius Insurgentes (longa-metragem - Amazon Prime), Clepto (curta-metragem / piloto de série), Jesus (RecordTV) e Ielda - Comédia Trágica (teatro). Filho do estimado casal Marley Giubilei de Oliveira e Celso Duarte de Oliveira, irmão caçula de Celsinho, Marcel compartilha as dores e delícias inerentes ao ofício artístico, seus planos, desafios e sonhos.
Marcel, quando a arte entrou na sua vida?
Em 2001, num curso de teatro na escola. Tinha 16 anos e sempre era chamado por amigos para ir às aulas de teatro. Recusava, achava que aquilo não era pra mim. Até que um dia, fui acompanhando um amigo, para esperá-lo para fazermos um trabalho depois da aula. Um dos alunos faltou e eu peguei o texto para ler com o pessoal. Acabou que eu assumi o protagonista da peça que estava começando a ser ensaiada. Enredo bem clichê, mas foi isso o que realmente aconteceu. A partir daí, o intuito de me tornar um ator profissional virou uma fixação e um objetivo de vida.
Engenheiro civil formado, bem colocado no mercado, muitos projetos, quando se deu a mudança para ator?
Quando exatamente tudo isto estava acontecendo em minha vida e mesmo assim eu não estava feliz. Tive uma depressão profunda no final do meu ciclo em Paraíso, quando voltei da faculdade. Isso eu já estava de volta fazia quatro anos. Fiquei muito mal… E eu já flertava com o Rio de Janeiro há muito tempo! Eu amo aquela cidade e sempre tive o sonho de morar lá. Foi quando eu tomei coragem, fiz minhas malas e fui com uma passagem só de ida. Lá eu ainda trabalhei mais uns dois anos como engenheiro até me estabelecer e fazer a transição de carreira. Aí comecei a estudar e me formei ator profissional.
Já ouvi de amigos artistas que seguir nesse caminho era questão de vida ou morte. Viver de arte é uma escolha?
Pra mim foi literalmente vida ou morte. Eu tive uma conversa muito importante com minha psicóloga na época, ainda em Minas, em que ela me disse que se eu não corresse atrás dos meus sonhos e dos meus objetivos de vida algo trágico poderia acontecer. E realmente, aquela conversa foi um divisor de águas em minha vida pessoal e profissional. Depressão é coisa muito séria e já se foi o tempo em que isso era dado como “frescura”. Creio eu, que se não tivesse tido a sorte de encontrar uma profissional como esta no meu caminho, talvez as coisas poderiam ter sido tragicamente diferentes. Hoje falo com orgulho que a arte me salvou e é fato! Não consigo me imaginar fazendo outra coisa.
As leis de incentivo e de captação para produções teatrais, cinema, shows, entre outros, são muito questionadas, tanto por artistas, que apontam burocracia e critérios dúbios de seleção bem como a dificuldade de captação, como por outros setores da sociedade que não compreendem a importância de tais incentivos. Como você analisa essa questão atualmente? Já vivenciou alguma situação semelhante?
Esse (des)governo acabou com o setor cultural. Estava com peça em cartaz no Rio em março de 2020, que eu produzia e atuava, e de repente, estava de volta na casa dos meus pais, tentando entender o que estava acontecendo com o mundo. Dois anos se passaram, o setor cultural foi um dos mais atingidos pela pandemia. E quando se tem a oportunidade de injetar 3,8 bilhões na economia criativa, é vetado! Dinheiro nosso! De direito! Não consigo entender como que isso pode ser visto de uma outra maneira, a não ser pela vontade deliberada de se acabar com a cultura! Se houvesse um corte de incentivos como este no Agro por exemplo, a cabeça desse cara já estaria rolando no chão há tempos. Mas com a Cultura pode! Além disso, abaixaram o teto para captação dos projetos, e para aprovar ou conseguir algo que dependa de incentivo fiscal é uma saga. Bizarro pensarmos que um setor parado por dois anos, ainda tenha que sobreviver a ataques como este.
Certamente os artistas foram muito afetados pela pandemia. Em Paraíso você tomou parte de um projeto contemplado pela lei Aldir Blanc que foi o Cine Drive-in. Como foi a experiência? Sente falta de mais iniciativas como esta?
Foi incrível participar disso! Eu que nunca havia frequentado um drive-in na vida, foi legal demais poder viver essa experiência e ajudar a produzir o evento. Sinto, claro que sinto falta! Muita falta! Aqui em São Paulo estou indo a peças, museus e exposições uma vez por semana, pelo menos, e está tudo lotado! A população está sedenta por entretenimento, arte e cultura. Era a hora exata de se injetar dinheiro na economia criativa para vivermos essa volta à vida como era antes. Mas infelizmente estamos sendo (des)governados por pessoas que sequer sabem o que é um teatro ou museu. Preferem comprar Viagra pra comandante do que incentivar a abertura de um teatro ou cinema falido pela pandemia. Prioridades!
Entre seus principais trabalhos, qual você destacaria?
Creio que cada trabalho tem o seu destaque. O Delírius foi meu primeiro longa e já como protagonista, numa linguagem totalmente fora da casinha, surrealista e com baixíssimo orçamento. O personagem também era dificílimo, com muitas questões internas. O Clepto também, outro personagem denso que era difícil não ir pra uma coisa caricata, americanizada. E tivemos bons retornos dos dois trabalhos. O Delírius foi pra dois festivais na África do Sul e me deu a oportunidade de morar em Berlim por uns meses e o Clepto foi pro Festival de Havana, em Cuba. Já Jesus, foi uma oportunidade maravilhosa. Eu tive a honra de ser convidado para fazer o teste para fazer o próprio Jesus. E fui convidado para o elenco fixo da novela, que foi pra mais de 30 países. E Ielda, que foi uma peça que estava bombando, recebeu ótimas críticas pela primeira temporada, como as do jornal O Globo e de Veja Rio. Estávamos com público, casa cheia... E infelizmente foi parada por conta da pandemia.
Teatro, cinema ou televisão?
Os três. Sem dúvida nenhuma! Amo os três e faço os três com o mesmo tesão e vontade. Teatro tem aquela troca diária com um público diferente a cada dia. Seu personagem vai ganhando camadas a cada apresentação. Se aprende muito no teatro. Cinema é a minha paixão desde sempre. Amo escrever, produzir, dirigir e atuar em cinema. Ele tem seu tempo próprio e é eterno. Isso acho incrível, o poder que o cinema tem. Já TV você fala pra milhões. Atinge o grande público. E não parece, mas é um trabalho dificílimo. Com pouco tempo pra se trabalhar os textos e o personagem, com uma demanda altíssima diariamente. É uma entrega árdua.
Qual papel ainda não viveu e gostaria muito de interpretar?
Eu gosto de papéis improváveis, fora do padrão, fora do estereótipo. E parece zoeira, mas não é. Acho muito mais difícil fazer um mocinho da novela, do que um psicopata ou um cara problemático. Gosto de personagens que tenham muitas camadas. Que o público vai acessando e entendendo que ele não é só aquilo que você tá enxergando, que tem alguma coisa ali esquisita, diferente, sabe? Acho que por isso, que até hoje, meus principais trabalhos foram personagens problemáticos.
Qual a dor e a delícia de ser ator?
A dor, com toda a certeza do mundo, é a instabilidade financeira e a insegurança de que isso vai dar certo em algum momento. É extremamente triste ver amigos meus talentosíssimos que desistem da profissão porque realmente não aguentam mais esperar “A” oportunidade. Eu já pensei muito em desistir, mas muito meeesmo! Na pandemia então, bati cabeça... Mas aí vem a delícia de ser ator/artista. De se reinventar, de explorar outras frentes. Peguei os meses a fio enclausurados em casa e estudei. Estudei muito. Fiz cursos de roteiro, de projeto de audiovisual, de assistência de direção e botei em prática algo que eu já gostaria de ter desenvolvido antes: escrever minhas coisas! E hoje tenho todas essas cartas na manga que me ajudam a seguir em frente. Mas a vontade de voltar a atuar está gritando, não vejo a hora de pisar num set de novo.
Com quem você contracenou e a troca foi muito boa e com quem gostaria de contracenar e ainda não teve oportunidade?
Nossa, minha primeira cena de novela foi com Tony Ramos em A Regra do Jogo, na Globo. Eu tremia de êxtase e nervosismo! (risos) Mas já fiz peça com Tonico Pereira, com Michel Melamed, Fabrício Boliveira. É muito incrível poder estar com pessoas que você admira. Em Jesus mesmo, meu núcleo era maravilhoso: Beth Goulart, Michel Bercovich, Claudia Mauro, Dudu Azevedo. Eu tive muitos presentes na minha trajetória, sou muito grato. Com quem eu gostaria? Não sei, não tenho muito disso não. Na verdade, quando eu penso nisso, penso nos meus projetos de teatro e cinema e com quem eu gostaria de estar neles. Mas aí já se tornam informações que é melhor deixar pra quando os projetos acontecerem!
Além de atuar, você também estreou como diretor de um curta-metragem. Como foi a experiência? Pretende continuar dirigindo?
Foi uma realização. Nunca na minha vida eu imaginei, que no meio de uma pandemia que já era uma coisa surreal, eu conseguiria produzir um filme em Paraíso. Aliás, estou muito feliz que o “Substantivo Feminino” passou em seu primeiro festival semana passada! Muito legal ter esse reconhecimento. Mas foi o que eu falei anteriormente. Eu investi nessa área durante a pandemia e era uma coisa que eu já ensaiava fazer, sabe? Já escrevia um texto aqui, pensava num filme ali. Aí eu decidi estudar e dominar essas ferramentas. Tanto que nesse filme, eu escrevi, dirigi, produzi, atuei e editei… maluco, né?! Mas pretendo sim continuar dirigindo, atuando, escrevendo, produzindo… eu sou do tipo que entro num projeto e quero estar por dentro de tudo. Gosto disso! Brinco que esse é o meu lado engenheiro que nunca sai de mim, e que inclusive me ajuda a ter essa visão macro dos projetos.
Qual a importância da cultura para a sociedade?
É ela quem estabelece a identidade de um povo, que estabelece os valores de uma nação. Através dela que a gente leva nosso país pro mundo. Acho engraçado todos esses ataques que a cultura anda tendo ultimamente. E o que eu mais vejo, é que quem ataca a cultura, normalmente nunca pisou num museu, não sabe falar de uma peça de Nelson Rodrigues, ou sequer sabe quem foi Glauber Rocha. Uma das coisas que mais me orgulho e conto pra todo mundo é que quando eu estava no Festival de Cinema de Berlim (que é o maior do mundo), eu tive a oportunidade de frequentar várias sessões, e inclusive sessões voltadas para a imprensa. Pois te digo que, em uma das principais salas voltadas para a imprensa, tem um pôster enorme de um filme do Glauber estampado. Lá fora, somos muito mais valorizados, mas muito mais. E isso é tristemente visto, com o que está sendo feito atualmente. A nossa Cinemateca, uma das maiores do mundo, pegando fogo e uma atriz que nem sabia o que estava fazendo ali, era a nossa secretária. O que ela fez? O Museu do Ipiranga também… enfim…
Você é um cara muito ligado à natureza, certo? De que forma essa simbiose influencia na sua arte?
Sou. Muito. E acho que por isso que tenho uma conexão tão forte com o Rio. Ah, a natureza é meu refúgio e minha recarga de bateria. O que me salvou na pandemia foi ter essa maravilha em volta da nossa cidade. A Serra da Canastra do lado e tudo mais. Inclusive, meu filme fala dessa distopia do bicho homem com o homem moderno. Dessa falta de conexão que a sociedade moderna tem diante da natureza. Grande parte dos meus projetos falam sobre isso. Sobre as consequências que nós teremos se continuarmos tratando a natureza de forma tão leviana. A arte existe pra colocarmos nossa cabeça pra funcionar. E eu sou totalmente influenciado pela natureza e tenho essa necessidade de ter contato com ela. Então, logicamente, que meus projetos e o que eu escrevo vão reverberar isso.
Marcel, onde você pretende chegar?
Engraçado, porque amigos meus de fora do meio sempre me perguntam quando eu vou ficar famoso. E eu acho isso tão brega! Tão raso! Tão leviano diante do trabalho que se tem pra ser alguém com importância e que realmente tenha o que falar. Ser famoso hoje em dia é fácil. Mas você pode ter certeza absoluta que eu não vou fazer dancinha de TikTok ou virar “digital influencer”. Inclusive acho isso tudo um porre! Nem sei como essa geração vai lidar com isso quando perceber que se antes eram 15 minutos, agora são 15 segundos de fama. Estou construindo uma carreira diversa, pra além da atuação. Pretendo cada vez mais, produzir meus próprios projetos e dentro deles poder estar nas funções que eu acreditar que me caibam, seja atuando, dirigindo e/ou escrevendo.