Há alguns dias o Superior Tribunal de Justiça analisou o Habeas Corpus nº 703.978 e deliberou colegiadamente acerca da possibilidade do que chamamos de silêncio seletivo do acusado no âmbito do Processo Penal.
O caso em comento diz respeito a situação em que um acusado anunciou em audiência que apenas responderia às perguntas intentadas por seu advogado, e se silenciaria no que tange aos questionamentos emitidos pelo Órgão Ministerial.
Após o acusado declarar que atuaria com base no silencio seletivo, o juiz que presidia o ato optou por encerrar o procedimento sem abrir espaço para as questões da defesa, sob o argumento de que não poderia o acusado selecionar as perguntas que responderia. A questão foi analisada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que denegou a tese acerca do cerceamento de defesa.
O tema chegou até a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que com muita coerência destacou a constitucionalidade do silêncio seletivo. O Relator Olindo de Menezes fez questão de analisar que o Código de Processo Penal deixa claro que, após formuladas as perguntas, o réu pode ou não responder.
Ademais, não devemos esquecer que o interrogatório do acusado tem natureza primordialmente de meio de defesa, no qual inclusive a Constituição Federal assegura a possibilidade permanecer em silêncio. Como meio de autodefesa, o próprio Superior Tribunal de Justiça em situações anteriores já havia entendido que seu exercício deve ocorrer de modo livre, desimpedido e voluntário (REsp 1825622/SP).
A constitucionalidade do silêncio seletivo é gritante se analisarmos o princípio do nemo tenetur se detegere, segundo o qual nenhuma pessoa deve ser obrigada a produzir prova contra si mesma ou declarar-se culpada, nos moldes do artigo 5º, LXIII da Carta Magna.
Além da previsão Constitucional, o princípio citado acima encontra guarida em dois instrumentos internacionais sobre direitos humanos sobre direitos humanos ratificados pela República Federativa do Brasil, sendo eles o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Com todo o aparato Constitucional e Convencional, como dizer que o silêncio seletivo do acusado não encontra respaldo legal?
Os questionamentos acerca da constitucionalidade são frutos de uma cultura inquisitória do processo penal brasileiro e que deve ser desmistificada cada vez mais. O sistema acusatório encontra-se expresso na lei e devemos coloca-lo em prática, gostando ou não.
O réu é sujeito de direitos e não mero objeto de investigação. A ampla defesa, exercida prioritariamente no ato do interrogatório, consiste em instrumento exclusivo do acusado para afastar a acusação estatal, valendo-se dos mecanismos legais disponíveis para preservar seu estado de inocência.
Após a decisão colegiada no Habeas Corpus nº 703.978, podemos garantir que, além da Constituição Federal, dos Tratados Internacionais e dos dispositivos do Código de Processo Penal, o Superior Tribunal de Justiça também admite a possibilidade de que o acusado responda apenas os questionamentos intentados pela defesa.
Carolina Carvalho Carvielli, advogada sócia da área penal do Vigna Advogados. Especialista em Direito Penal pela Universidade Arnaldo, umas das mais respeitadas de Belo Horizonte.