ELE por ELE

Virgílio Pedro Rigonatti

Por: Reynaldo Formaggio | Categoria: Entretenimento | 31-07-2022 10:24 | 1832
Virgílio Pedro Rigonatti
Virgílio Pedro Rigonatti Foto: Reprodução

"Cada um de nós compõe a sua história, e cada ser em si carrega o dom de ser capaz e ser feliz"... Como na canção de Almir Sater e Renato Teixeira, Pedro Virgílio Rigonatti está sempre "tocando em frente". Seja no papel de pai, esposo, industrial do ramo joalheiro, corredor de rua ou contador de histórias, Pedro se mostra em constante aperfeiçoamento. Como o lapidar de uma joia preciosa, ele faz as escolhas para sua vida, assim como escolhe cada palavra para seus livros. Sim, após os 60 anos Pedro se reinventou e também se tornou escritor. Nesta entrevista Pedro compartilha os 74 anos de sua caminhada, suas raízes no Sudoeste Mineiro e os planos para chegar aos 100 anos lúcido e ativo.

Pedro, como foi sua infância? Do que sente mais falta daquele tempo?
Com muitos filhos e pouca renda, meus pais passaram grandes dificuldades financeiras, muitas vezes com pouco alimento para dividir entre as crianças. Porém, acostumados com a situação, eu e meus irmãos vivíamos com a alegria dos que tinham a rua como parque de diversões. Esta liberdade é o que proporciona saborosas recordações que eu e meus irmãos, todos vivos, revivemos em nossos frequentes encontros. Graças a perseverança de minha mãe, todos estudavam em ótimas escolas públicas, o que foi muito importante para nossa futura ascensão social. 

O que Itamogi e o Sudoeste de Minas representam pra você?
Eu e meus sete irmãos nascemos na cidade de São Paulo. Os seis mais velhos curtiram muito nossas viagens – poucas, por falta de dinheiro – à Itamogi, onde vivia nossa avó materna. A aventura de viajar na Maria Fumaça nos encantava, apesar dos bancos duros de madeira dos vagões de segunda classe e dos ciscos nos olhos que nossa mãe, vez por outra, tinha que tirar através de sopro. A abundância de comida na casa de minha avó – com sua criação de galinhas e porcos; um pomar com grande variedade de frutas; uma horta diversificada – fazia a alegria da criançada! As histórias e causos contados todas as noites, ao pé do fogão de lenha, acompanhados por pipocas, biscoitos e bolos, marcaram aqueles felizes tempos da década de 1950, em Itamogi.

Como sua família chegou a São Paulo? E nos conte como era a cidade naquela época.
Meu pai, Virgílio Rigonatti, veio de São Sebastião do Paraiso para São Paulo em 1935 e minha mãe, Maria Clara Rigonatti, veio de Itamogi em 1945. Dois jovens que tentaram empreender em uma cidade fervilhante, fértil em oportunidades, mas um tanto perigosa por falta de escrúpulos de muitos que não titubearam em se aproveitar da ingenuidade de meu pai e ardilosa nas condições inerentes à mulher que paria quase todo ano, dificultando o desenvolvimento profissional.

Como foi sua trajetória profissional antes de se enveredar na literatura?
Com 10 anos eu já era office boy, tinha que trabalhar para ajudar em casa. Com 18 anos fui nomeado gerente de uma enorme loja de tecidos em Campinas. Com espírito empreendedor, abri minha primeira loja em 1974. No ano seguinte abri a segunda, o que permitiu reunir todos os oito irmãos na sociedade e desenvolver uma rede de lojas de roupas. Hoje sou industrial do ramo joalheiro. A atividade de escritor é um mundo paralelo onde encontro o encanto da atividade intelectual.

Além da história de sua mãe, nossa região é inspiração para seus primeiros livros. Como foi o processo criativo para a saga de Maria Clara?
Eu sempre fui o contador de histórias da família. Oralmente, sem escrever absolutamente nada. Provocado por um sobrinho, aos 60 anos resolvi registrar por escrito, em um blog, tudo o que contava. Percebi que a história de minha mãe era fascinante e dava um livro. Filha bastarda do Coronel de Itamogi, sofreu um episódio de rejeição marcante por sua origem. Para contar a história dela, contextualizei a história da cidade, nascida na esteira da expansão do cultivo do café, e de como um jovem ambicioso agiu para conseguir a emancipação de um vilarejo ligado à Monte Santo e o título de Coronel. “Maria Clara, A Filha do Coronel” conta essa saga e o drama vivido por uma jovem mulher que sonhava em romper os fortes laços que a prendiam em uma pequena cidade perdida nas Montanhas Cafeeiras.

Após “Maria Clara - A Filha do Coronel”, você deu sequência à carreira literária publicando outros títulos. Nos fale brevemente sobre estes livros e o processo criativo para produzi-los.
Meu segundo livro foi ‘Cravo Vermelho”. Nele, conto a história de tudo o que aconteceu nos anos 1960. Pela trajetória de vida de um casal de jovens, que se conhece na escola, relato os acontecimentos marcantes e transformadores da década, tanto lá fora como aqui no Brasil, e como eles e os amigos foram atingidos pelos fatos revolucionários da época. É um livro baseado na minha experiência de vida naqueles anos, bem como de amigos e conhecidos dos meus relacionamentos. O terceiro foi a continuação da história da Maria Clara, que, já em São Paulo, tenta empreender e é assolada pelas condições da mulher naqueles tempos. Com o nome de “Maria Clara, a Conquista de um Lugar ao Sol”, conto a história de uma mulher resiliente que buscou, à sua maneira, vencer as dificuldades que a vida lhe impôs, sem nunca perder a esperança de uma vida melhor. No quarto livro, “Eletron”, conto como o domínio da tecnologia do uso da eletricidade transformou o mundo e a maneira como os Estados Unidos  impuseram sua maneira de viver, “The American Way Of Life”, a todos os povos em todos continentes.

Quais seus autores favoritos? Tem um livro preferido?
Não tenho autores favoritos, tenho livros marcantes que me encantaram ao longo da vida, entre eles: Dom Casmurro; Guerra e Paz; O Fio da Navalha; Crime e Castigo; Ilíada e Odisséia; Dom Quixote; Os Três Mosqueteiros; Hamlet; O Tempo e o Vento; Os Miseráveis; Germinal; O Cortiço...

Acha que o livro físico vai acabar? Como participante de feiras e eventos literários de que forma tem percebido esse cenário?
O livro físico tem um certo encanto, não acredito que ele acabe, mas ao longo do tempo vai diminuir bastante. As plataformas digitais oferecem recursos que tornam a leitura e a pesquisa – de sinônimos e informações – dinâmicas e rápidas. Os jovens se acostumam cada vez mais com o digital. Alguns recursos estão sendo desenvolvidos para tornar o acesso à leitura mais abrangente. Vamos ver. Apesar de que foi emocionante presenciar uma quantidade enorme de jovens felizes, na recente Bienal do Livro em São Paulo, da qual participei, carregando lotes de livros em suas malas ou mochilas.

Além da sua Itamogi natal você também tem ligação com São Sebastião do Paraíso, certo? O que vem à sua mente quando lembra daqui?
Paraíso é terra do meu pai. Meus avós paternos vieram da Itália e foram trabalhar na lavoura da cidade. Por isso, tenho um especial carinho com a cidade. Mas, além disso, tenho uma emocionante recordação: com 13 anos, cheguei de trem, de Itamogi, sozinho, para encontrar minha primeira namorada...

Nos conte sobre a família que constituiu. O que eles representam pra você?
Família é o nosso porto seguro, a base para vivermos e desfrutar tudo o que a existência permite. Tenho dois filhos do primeiro casamento, um de 51 e outro de 50 anos, e uma filha do segundo casamento, de 20 anos, e três netos. Com minha atual esposa, além de compartilharmos as emoções da vida, divido a sociedade de nossa empresa do ramo joalheiro, além de ser minha revisora dos textos que escrevo.

Você tem a corrida de rua como hobby, certo? Quando começou a correr e o que esta atividade traz pra você?
A vida toda pratiquei esportes: futebol, vôlei, tênis... Quando deixei de correr atrás da bola, fui fazer corrida de rua, para manter o corpo bem condicionado, o que me dá energia para fazer tudo o que eu preciso e me permite desfrutar e prolongar a vida útil do meu corpo. Além de tudo, como eu corro com meu filho mais velho, aproveitamos os 60 minutos de corrida para filosofar sobre os mais diversos temas.

É um homem de fé?
Não. Há quase 60 anos deixei de acreditar na existência do Deus apregoado pela religião. Li a bíblia inteira e partes dos livros sagrados de outras religiões. Para mim, eles foram criados por seres humanos a partir do medo do desconhecido, da morte e dos fenômenos da natureza. Ou mesmo, para justificar o poder de alguém sobre um povo. Os livros, ditos sagrados, são repletos de imperfeições e incoerências que transparecem as autorias humanas, que em muitas passagens se mostram péssimos escritores. 

Pedro, qual seu maior sonho?
Meu sonho é chegar aos 100 anos com saúde corporal e lucidez mental para desfrutar da aventura do homem e refletir sobre o fenômeno da existência do Universo, sem, contudo, ter a esperança de descobrir seu segredo. Penso que a mente humana precisa se desenvolver muito, ainda, para ter a percepção da razão de tudo isso.