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Carlos Eduardo Calzavara Silva

Por: Reynaldo Formaggio | Categoria: Entretenimento | 04-09-2022 08:49 | 904
Carlos Eduardo Calzavara Silva
Carlos Eduardo Calzavara Silva Foto: Acervo pessoal

O paraisense Carlos Eduardo Calzavara Silva é um dos pesquisadores que lideram o combate a epidemias virais no Brasil, como a Dengue, Zika, Febre Amarela, entre outras. Tecnologista em Saúde Pública, Líder de Grupo de Imunologia Celular e Molecular e Coordenador do Serviço de Plataformas Tecnológicas do Instituto René Rachou, ligado à Fiocruz Minas, também colabora em importantes projetos no combate à COVID-19. Nesta entrevista Carlos traça um panorama da pesquisa científica no país, sua experiência como professor orientador, as conquistas e desafios que os pesquisadores enfrentam.

Carlos Eduardo, nos conte sobre suas origens.
Nasci em abril de 1976. Naquele tempo, meu pai, José Roberto da Silva, trabalhava na Cemig e teve a oportunidade de atuar na sede da empresa, em Belo Horizonte. Assim, com menos de dois anos de idade, fui para BH, no colo de minha mãe, Maria das Graças Calza-vara Silva, então funcionária da telefônica de Paraíso. Meus pais, ambos de família muito humilde, se estabeleceram na capital e propiciaram a mim e à minha irmã mais nova, Tânia, um ambiente seguro, salutar e feliz, sempre “me dando carona” a Paraíso nas férias escolares para rever os primos, tios e avós.

Sempre foi estudioso? Qual sua trajetória acadêmica?
Se eu disser que fui estudioso, estaria exagerando. Sempre fazia meus deveres (senão “o coro comia!”), assistia às aulas com atenção, e estudava – sempre às vésperas - para aquelas provas mais complicadas. E assim, passando pelo Instituto Coração de Jesus e pelo Colégio Municipal Marco-ni, concluí o segundo grau em 1993. Ainda indeciso sobre qual carreira seguir, fiz vestibular para Engenharia Mecatrônica (FUMEC), Medicina (UFJF) e Ciências Biológicas (PUC-MG e UFMG). Em 1995, aprovado nos três cursos, fiz minha matrícula no Curso de Ciências Biológicas da UFMG, ainda um pouco incerto de minha escolha, mas num contexto nascente e cativante da recém-conhecida engenharia genética e projetos genoma. Fiz minha matrícula e imediatamente a tranquei para servir ao Exército Brasileiro. Dessa forma, iniciei minha carreira como futuro biólogo em 1996, tornando-me Bacharel em Bioquímica e Imunologia em 1999, e imediatamente ingressei na pós-graduação, obtendo os títulos de Mestre em Bioquímica e Imunologia em 2001 e Doutor em Bioquímica e Biologia Molecular em 2006, ambos pela UFMG.

Durante cinco anos você foi vice-diretor de pesquisa da Fiocruz Minas. Quais eram suas atribuições e como foi essa experiência?
Meu vínculo com a Fiocruz inicia-se em 2006, quando fui selecionado por concurso público para a carreira de Tecnologista em Saúde Pública, iniciando minhas atividades na Fiocruz Pernambuco. Lá atuei por três anos e, em 2009, comecei meus trabalhos na Fiocruz Minas. Em 2016 fui convidado a assumir o cargo de vice-diretor de pesquisa. Foi uma experiência muito desafiadora pois nunca havia sido preparado para um cargo de direção, que exigiu um delicado balanço entre a manutenção de minha carreira científica, a formação de recursos humanos, a gestão de pessoas e infraestrutura em ciência e a gestão de recursos, tudo isso vinculado à uma missão e visão institucional e sempre afetado e direcionado pelas questões de saúde pública locais e nacionais. Permaneci no cargo até junho de 2021, vivendo momentos difíceis, mas que contribuíram bastante para a consolidação de uma boa bagagem e uma grande rede de interações.

Atualmente quais trabalhos você desenvolve?
Hoje lidero o Grupo de Pesquisa em Imunologia Celular e Molecular, amparado por outros colegas pesquisadores, pós-graduandos, técnicos e estudantes em sua iniciação científica. Realizamos pesquisa com agentes causadores de doenças infecto parasitárias, como os vírus que causam a Dengue, Zika, Chikungunya, Febre Amarela e COVID-19, além de estudos em Leishmaniose e Esquistossomose, aplicando a biotecnologia e biologia celular e molecular no desenvolvimento de estratégias terapêuticas, de diagnóstico e prevenção. Além disso, estamos estudando a aplicação da nanotecnologia no tratamento do câncer de mama e desenvolvimento de vacinas.

A nanotecnologia é uma ferramenta relativamente nova e pode colaborar em diversas áreas. Explique melhor como ela funciona em sua área de atuação. 
Nos últimos anos tenho empregado a nanotecnologia em um estudo promissor que tem me empolgado bastante. Juntamente com colegas pesquisadores da UFPE e UFMG, produzimos nanopartículas que têm se mostrado capazes de retardar o surgimento, crescimento e metástase de tumores de mama em animais de laboratório. Essas nanopartículas atuam como um “despertador e orientador” do sistema imune, provocando uma resposta mais eficiente contra células tumorais. Esses experimentos foram conduzidos por uma aluna, Camila Sales, que acaba de defender sua Tese de Doutorado neste tema.

Você também teve uma experiência nos Estados Unidos. O que trouxe de lá? Viu muita diferença em relação ao Brasil no que tange às pesquisas?
Desde 2016 atuo em parceria com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Vacinas, na Universidade da California, como pesquisador associado. Na verdade, é bastante comum e salutar a formação de redes internacionais de pesquisa colaborativa. Quando estou desenvolvendo minhas atividades nos Estados Unidos, percebo o grande abismo que ainda separa a rotina científica entre aquele país e o Brasil. A escassez do financiamento para pesquisa e a subvalorização do pesquisador são exemplos de entraves que dificultam a evolução e continuidade do conhecimento gerado por aqui.

Como avalia a pandemia de covid-19 e o enfrenta-mento à mesma no Brasil?
Não foi e não tem sido fácil enfrentar a COVID-19. Imagine a seguinte situação: ao mesmo tempo em que precisávamos nos proteger, não pude me “isolar”, pois foram exatamente nos últimos anos que todo o conhecimento adquirido e toda a carreira científica construída têm sido postos à prova. Tem sido um equilíbrio difícil de ser mantido. Nós que atuamos em virologia, temos que trocar o pneu com o carro em movimento. Não enfrentamos apenas um vírus, enfrentamos oportunismos, enfrentamos o desafio de fazer ciência com recursos, de toda sorte, limitados, enfrentamos o descrédito (às vezes desprezo) de parte da sociedade, mas seguimos firmes com um compromisso pela saúde e pela vida.

Ainda em relação à covid, sabemos que as pesquisas avançam continuamente. O que a vacina trouxe de positivo e quais os riscos que a mesma pode causar? Você crê que ainda há muita desinformação sobre os imunizantes?
As incontáveis vidas salvas pelas vacinas, seja contra a COVID-19 seja contra outras doenças, são o que há de mais positivo. Assim como qualquer vacina, as vacinas contra a COVID-19 também podem, em uma parcela mínima da população, causar algum efeito indesejado ou não planejado. Pense assim: as vacinas são uma mistura complexa de diversas substâncias e biomoléculas, todas elas compondo uma formulação que, só após muito estudo e análises cautelosamente conduzidas, são disponibilizadas à população. Mas cada ser humano é único em sua biologia e metabolismo e, assim, é virtualmente impossível uma resposta perfeita e eficaz em mais de 7 bilhões de seres humanos. Portanto, é claro que sempre haverá riscos, mas estes, quando comparados aos benefícios, são ínfimos. Você já leu a bula de um remédio qualquer? Os efeitos adversos existem, estão lá descritos, sua proporção de risco/benefício foi avaliada, sua limitação de uso é esclarecida e sua forma de ação é informada. Tudo isso é fruto de um caminho baseado em pesquisa, ciência e regulamentações que as vacinas, qualquer vacina, também precisam trilhar antes de serem disponibilizadas à população. Não considero que o que haja seja desinformação pois a informação detalhada de cada vacina está publicamente disponível. O que vejo é, sim, deturpação da informação.

Como especialista em dengue, zika, febre amarela e outras doenças causadas por vírus transmitidos, principalmente por mosquitos, o que pode ser feito para erradicar ou pelo menos atenuar os surtos que temos vivenciado?
Não há uma fórmula milagrosa e imediata. A atenuação ou erradicação de doenças requer ações translacionais, integradas e constantes. No caso das doenças virais transmitidas por mosquitos, há de se atuar sobre o vírus, o vetor e o hospedeiro. Por exemplo, o Aedes aegypt, que havia sido erradi-cado na década de 1950, hoje infesta o país de norte a sul. Há cerca de seis anos, Minas foi palco de um surto de Febre Amarela. O sarampo estava erradicado em nosso país e agora está de volta. Vivemos a infeliz expectativa de retorno da poliomielite no Brasil. Contra todas essas doenças já existem vacinas, disponíveis na rede pública, gratuitas! O que houve? As vacinas perderam o efeito? Não. Houve descuido e descontinuidade – de pesquisa, estrutura ou políticas públicas em saúde -  culminando com baixa cobertura vacinal.

Como cientista e pesquisador, o que gostaria de “descobrir”?
Em 2015 dei uma das mais difíceis palestras em minha vida. Falei sobre zika num auditório repleto de mães segurando seus bebês com microcefalia. Em 2016, visitei a unidade de terapia intensiva de um hospital de referência para o tratamento da Febre Amarela em MG. Lá havia cerca de 30 pacientes internados. Quase metade deles não sairia dali com vida. Ao entrar em meu laboratório, lembro a mim mesmo por que e para quem faço pesquisa. Não almejo, num passe de mágica, descobrir a cura para isso ou aquilo. Se eu puder gerar conhecimento e formar pessoas capazes de contribuir com a saúde pública, cumprida estará minha missão.

Como você avalia a pesquisa científica brasileira atualmente?
A pesquisa científica brasileira é ampla, forte e impactante. Em 2020 o Brasil ocupava o décimo terceiro lugar na produção científica mundial. Isso se deve, em grande parte, à resiliência e competência de pesquisadores e educadores que, mesmo sem incentivo, persistem em sua tarefa de investigar, gerar e transmitir conhecimento científico. Ainda veremos um(a) Nobel brasileiro(a)!

Acha que os estudantes egressos do Ensino Médio que optam pela pesquisa chegam preparados aos bancos acadêmicos? Como incentivar a pesquisa nas escolas?
Só o fato de um estudante optar por fazer pesquisa já me deixa feliz. Citando Machado de Assis, “o menino é o pai do homem”. Mesmo que recebamos estudantes não tão bem preparados como sabemos que poderiam ter sido, cabe a quem os recebe promover o aprimoramento de sua educação. O que quero dizer é que estudantes que ingressam no ensino superior sem o devido preparo ou formação podem, segundo seu próprio comprometimento, e desde que bem acolhidos, suprir e superar alguma deficiência educacional pregressa. Mas confesso que tenho percebido menor interesse de estudantes pela carreira científica. Algo triste, mas de certa forma compreensível, dado o tratamento que a ciência e o cientista têm recebido no Brasil. O pensamento crítico, fundamental para um futuro cientista, tem sido trabalhado e despertado em algumas escolas com projetos pedagógicos mais modernos, mas em sua maioria, essas escolas não estão na rede pública de ensino.

Costuma vir com frequência a São Sebastião do Paraíso? Qual sua opinião sobre a vinda de uma Universidade Federal como a UFLA para a cidade?
Vou a Paraíso e região em média 2-3 vezes ao ano. É pouco! Faz muita falta tomar um sorvete na praça, sem pressa, perto da querida família. Paraíso é especial. Tem se desenvolvido sem perder seu agradável ar interiorano. A implantação da UFLA, renomada instituição de ensino e pesquisa, é um importante marco na evolução de nossa cidade. Além da geração direta e indireta de empregos, a UFLA, juntamente com as instituições de ensino superior já instaladas, pode propiciar a Paraíso a chance de tornar-se um polo regional educacional capaz de atrair e formar jovens talentos. 

Carlos Eduardo, quais seus planos?
Descansar um pouco, assim que a COVID-19, Monkeypox, Dengue, etc... derem uma trégua. De preferência em Paraíso, tomando sorvete na praça, sem precisar usar máscara, de mãos dadas com a família.