Um lugar encantado chamado Termópolis, onde a água é sagrada, os pássaros são livres e as pessoas amigas. Compadre pra cá, comadre pra lá e a vida segue em ritmo diferente daquele da cidade. Em uma das casas mais antigas do pequeno povoado vive apenas na companhia de Deus o senhor Odair Augusto de Miranda. Aos 72 anos o filho de José Augusto Miranda e Isabel Faria de Miranda, terceiro dos 10 filhos do casal, sendo oito ainda vivos, possui a hospitalidade típica de quem nasceu, cresceu e viveu a vida toda na roça. Bom papo, simpatia, fé e bondade no coração. Assim o tempo transcorre manso no vilarejo e na vida simples e rica do senhor Odair.
Senhor Odair, como foi seu tempo de menino?
Nasci aqui mesmo em Termópolis, era tudo muito difícil, mas com muita fartura. Ajudava meu pai a amansar vaca leiteira. Naquele tempo o meeiro plantava para o patrão e ganhava a terra para plantar para sua família. Trabalhei com gado, com carro de boi...
Como era o carro de boi?
Era uma beleza! Os bois eram tão inteligentes que entendiam todos os comandos. Lembro de alguns nomes das parelhas: Laranja e Rochedo, Ponteiro e Moeda... A gente falava assim: afasta fulano, vem ciclano! E eles faziam a volta e recomeçavam a arar a terra, sabiam certinho o lado de virar! Os que puxavam o arado começavam cedinho e iam até meio dia, depois a gente punha outros bois. Carreei milho, café, feijão. Boiada bonita com até 24 bois em 12 cangas!
O senhor frequentou a escola?
Frequentei o antigo grupo aqui da comunidade. Estudei só até o 4º ano de grupo...
Que outros trabalhos o senhor já fez?
Trabalhei 48 anos no Hotel Termópolis. Não só no hotel, mas em tudo que me colocavam. Fui salva-vidas, trabalhei na lanchonete, fui retireiro, colhi milho, cuidei do maquinário, esteira, trator, retroescavadeira. Fazia de tudo no hotel e na fazenda!
Como é viver em Termópolis?
É bom demais! É ótimo, adoro viver aqui. Quase tudo é família, irmãos, sobrinhos, compadres... Aqui não tem diferença! As pessoas têm consideração. Na moda do outro: somos todos iguais! Aqui se faz, aqui se paga. Chegou o dia não importa quem é, vai mesmo.
Tem alguma história antiga, algum “causo” pra contar?
Assombração, lobisomem, mula sem cabeça... O povo falava que existia. Tem um rapaz aqui que diz que vira lobisomem! Será? (risos). Tem um causo antigo de uma moça que se casou, logo ficou grávida e teve a criança. Certo dia foram passear na casa do pai dela. Já era tarde, 10, 11 horas da noite. Ela estava com a criancinha no braço, voltavam a pé pela estrada e perto de uma porteira o marido pediu para ela esperar que iria no mato. De repente chegou um porcão peludo pelejando para tomar a criança dos braços dela. A moça subiu na porteira e o porco sumiu. O marido logo voltou, e eles retornaram pra casa. Quando chegaram, ela se acalmou e contou o que aconteceu. Ele deu uma grande gargalhada. Nos dentes dele ela viu fiapos do mesmo tecido do cueiro da criança...
Nos conte sobre a família que constituiu.
Sou viúvo duas vezes e fui muito feliz nos dois casamentos. Com minha primeira esposa tive cinco filhos e com a segunda mais sete. Também tenho 16 netos e seis bisnetos. Fiquei viúvo pela segunda vez há cinco meses. Agora só eu e Deus nessa casa...
O senhor é muito ligado às Folias de Reis, certo? Como é participar e o que Santos Reis representam pro senhor?
Muito milagroso! Já vem do começo, do nascimento do Menino Jesus pelo ventre virgem de Maria. Nisso surge a companhia de reis, os três reis santos são os guardiões de Jesus. Tem a história do cigano abençoado que ferrou ao contrário a jumentinha que levava Jesus. Desse modo as marcas das ferraduras na terra ficavam ao contrário e despistavam os perseguidores. Participo da Companhia de Reis de Termópolis desde os nove anos. Já fiz de tudo, fui bastião, matia, cantor, embaixador... Tenho uma fé muito grande!
O que o senhor gosta de fazer?
Quando mais moço gostava de jogar futebol. E também já cantei muita moda de viola por aí! Tinha um parceiro daqui, o Mauro. E também um de Paraíso, o Antônio Jerônimo de Souza. Cantamos juntos 15 anos na rádio. A primeira meia hora do programa do Correia era nossa. Tempos bons!
Acha que a comunidade de Termópolis tem melhorado nos últimos anos?
Tem melhorado e muito! Se aquele cabloco (prefeito Marcelo Morais) se candidatar a deputado ele ganha! Um cara legal, popular, está fazendo um grande trabalho! Temos uma escola muito boa, todas as ruas daqui estão sendo calçadas, o serviço está ficando muito bom.
O que o senhor diria se ficasse frente a frente com Deus?
Tenho muita fé! Assisto três missas por dia e o terço do padre Antônio Maria. Se tivesse esse poder de ficar frente a frente com nosso Pai eterno, não teria nada a pedir, só agradeceria!