Kellen Cristina de Oliveira Silva Lemos é médica nefrologista e do trabalho e em suas palavras se considera “passaisense” (metade passense e a outra paraisense), já que nasceu na cidade de Passos e desde 1999 vive em São Sebastião do Paraíso. Também em suas palavras, contabiliza “51 anos intensamente vividos”, mais da metade deles ao lado de Hélio Lemos de Oliveira, seu grande parceiro de vida desde os tempos de faculdade. Kellen é tia de Lara, Ana Luiza e João, além de se dedicar aos livros, aos estudos e à igreja. Nesta entrevista Drª Kellen compartilha sua trajetória, os desafios e lições aprendidas na profissão de Hipócrates.
Kellen, como foram seus primeiros anos? Sempre sonhou se tornar médica?
Nasci em Passos, primogênita de Marcia de Oliveira Silva e José Bento da Silva Filho, ambos aposentados atualmente. Minha mãe trabalhou na área da educação e meu pai como mecânico de automóveis. Minha infância foi em Passos, com meu irmão Alex e meus primos, tenho muitos. Meu irmão Brunno é bem mais jovem, nasceu quando já éramos adolescentes. O Alex é gerente de uma agência do Banco do Brasil e o Brunno é médico intensivista. Sempre tive interesse pela escola e pelos livros. Nunca sonhei ser médica não. Meus testes vocacionais, realizados à época, também não apontavam esse caminho. No entanto, dizem que meu interesse sobre as bonecas era descobrir o que havia no seu interior. Iniciei meus estudos no CIC - Colégio Imaculada Conceição, aos cinco anos, onde também se deu minha formação religiosa. Eu também morava em frente à Igreja de São Benedito e após iniciar a catequese para a 1ª Comunhão, por volta de sete ou oito anos, iniciou-se também minha caminhada espiritual.
E como foi seu tempo escolar? Algum professor em especial a marcou?
Foi maravilhoso! Tenho muitas memórias desse período, no Colégio. Somos amigos e nos relacionamos até hoje. Estudávamos muito e nos divertíamos muito também. Tive excelentes professores, contribuíram muito para a minha formação; para o vestibular, que na época venci sem a necessidade de cursinho. Sou muito grata a cada um. Lembro de todos, desde as Madres dos primeiros anos. Não posso citar ninguém em especial. Todos foram especiais.
Onde se graduou? E o que aconselharia para quem está no início da caminhada na Medicina ou sonha se tornar médico?
Estudei Medicina em Pouso Alegre – MG, hoje UNIVÁS. Depois fiz um ano de Estágio em Ribeirão Preto e quatro anos de Residência Médica em Clínica Médica e em Nefrologia em Sorocaba, na PUC. Posteriormente fiz várias especializações, dentre as quais a Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, nas quais atuo. Costumo sempre dizer aos alunos da Faculdade de Medicina, com quem compartilhei alguns conhecimentos até recentemente, que devemos escolher uma profissão, uma área para trabalhar, que nos permita ficar de pé pela manhã com ânimo, mesmo nos períodos difíceis, porque desafios surgirão e fazem parte da caminhada e do amadurecimento profissional. Se o que nos faz acordar nos motiva, nos estimula, dá sentido à própria vida e contribui para a vida de outros, da sociedade, estamos no caminho certo. Se não for assim, há sempre a possibilidade de rever o trajeto e ser feliz de outra forma, sem perda de tempo. Penso assim para a carreira médica ou qualquer outra carreira profissional. Ser feliz no trabalho é condição fundamental para a vida.
Você é nefrologista e também médica do trabalho. O que cada especialidade tem de especial que a atraiu?
Ambas têm em comum um aspecto que me atraiu: o cuidado integral à pessoa. O paciente de nefrologia costuma ser cuidado quase sempre exclusivamente pelo nefrologista, considerando suas peculiaridades. É uma relação de muita proximidade, confiança e cumplicidade. A medicina do trabalho oferece essa mesma oportunidade e mais. Ela amplia o conhecimento para áreas que vão além das contempladas no currículo médico. Permite um olhar completo para o indivíduo, que inclui não só os aspectos de saúde física e mental, mas, também os aspectos relacionados ao ambiente de trabalho, onde passamos grande parte da vida; os aspectos psicossociais e até familiares que também contribuem para o adoecimento. A busca pela compreensão do ser humano em todas as suas dimensões é muito enriquecedora.
Os rins são órgãos importantes e que merecem cuidados especiais. Que dicas poderia compartilhar com quem sofre com cálculos renais ou necessita de hemodiálise? Dá para prevenir nesse sentido?
Acho importante citar alguns pontos de prevenção em relação à doença renal. A hipertensão arterial e diabetes são as causas mais comuns de doença renal e são doenças silenciosas. Por isso, devem ser evitadas e/ou controladas. Exames de acompanhamento dos rins, tais como o exame de urina e a creatinina devem ser realizados. Hábitos adequados de vida, tais como ter uma dieta saudável, evitar o sódio, fazer atividade física, manter o peso adequado, controlar o estresse, evitar o fumo e o consumo excessivo de álcool são essenciais.
Em quais locais atua no momento?
Sou cooperada Unimed e atendo nefrologia no meu consultório e em outros locais também. Colaboro também em todos os projetos de saúde ocupacional que a Unimed possui, voltados para o cliente empresarial. Tenho a Ergomédica, que é uma empresa exclusivamente de medicina do trabalho e através dela, junto com meus colaboradores, a Fabiana e o Amenando, atendemos algumas empresas com alto nível de amadurecimento e desenvolvimento no que se relaciona à Saúde do Trabalhador. Sou perita judicial e atendo a diversas Varas do Trabalho e Cíveis na região.
Como profissional da saúde, como foi vivenciar uma pandemia tão de perto?
Foi bem difícil no começo. Situações novas nos assustam. Sobretudo envolvendo tantas perdas e expondo a nossa impotência e total falta de controle das coisas da vida. Tive grande preocupação com meu irmão, intensivista, à época, redobrando os plantões. Eu acompanhava os empregados das empresas que tinham sintomas, os que ficaram doentes ou os que tiveram familiares doentes e compartilhar com eles esse momento, me fortaleceu. Dividimos as angústias e comemoramos as vitórias. Vivemos dois anos que nos transformaram enquanto sociedade e que ainda terão muitos reflexos, mas, eu esperava mais de nós, enquanto humanidade.
Qual a maior dificuldade de atuar na área da saúde? E a parte mais gratificante dessa profissão?
Todas as áreas têm seus desafios. Na área da saúde, a meu ver, como em qualquer outra área, a ausência de vocação e/ou do exercício da vocação é uma questão muito importante. Se a pessoa se propõe a ensinar, por exemplo e não o faz, haverá um prejuízo para o indivíduo não ensinado e para a sociedade, em algum momento. Hoje vemos muitas queixas sobre pessoas que não nos atendem bem em um ou outro trabalho que se propuseram a realizar e que, em decorrência desse comportamento, nos trazem algum prejuízo. Fazer o que se propõe na área da saúde demanda renúncias, sacrifícios, doação, algum grau de superação. Mas, principalmente, compromisso com a técnica, com a ciência, com a verdade e com a profissão. Acho que lidar na área da saúde, não apenas na área médica, tem um diferencial, um prazer na possibilidade que se tem na colaboração com o outro, de forma muito direta. E em momentos e aspectos essenciais da sua vida. Isso merece um grande respeito por ambas as partes.
Como surgiu a oportunidade de vir para Paraíso? Se adaptou bem à cidade?
Eu penso que Deus nos coloca onde devemos estar pelo tempo que devemos ficar para fazer o que devemos fazer. Essa história é muito interessante. Eu tinha terminado a Residência médica em 1999 e estava procurando alguma cidade na região para trabalhar em nefrologia. Mas, não encontrei disponibilidade nessa área, inclusive em São Sebastião do Paraiso. Resolvi retornar a Sorocaba. No trajeto, já próximos a Itamogi, decidi checar novamente junto à Santa Casa e após algumas ligações e o retorno à cidade naquela mesma data para visita e entrevistas, fui admitida como nefrologista na instituição, à qual sou muito grata e iniciei o trabalho após algumas semanas. Trabalhei com excelentes profissionais, tive um enorme aprendizado, tenho grande orgulho de já ter feito parte da hemodiálise, onde não tenho amigos, tenho irmãos – Dr. Paulo César, a equipe de enfermagem com quem compartilhei oportunidades de grande aperfeiçoamento pessoal e profissional e a própria instituição. Fui muito bem recebida na cidade em todos os locais por onde passei e trabalhei, me dediquei aos trabalhos com muito empenho, fiz bons amigos... Tenho sido muito feliz, sinto muita gratidão, gosto bastante daqui!
O que gosta de fazer nas horas de folga? Tem algum hobby?
Gosto de compartilhar minhas horas de folga com a minha família. Tenho uma pequena biblioteca, gosto muito de ler e de estudar. Viajo sempre que posso, gosto muito de conhecer coisas novas. Gosto de me envolver com o trabalho na Igreja. Não é um hobby, é uma necessidade, que desenvolvo na medida do possível nas horas de folga e nas demais também.
Kellen, qual seu maior sonho?
Já me fiz essa pergunta algumas vezes. Não tenho um sonho. Às vezes tenho alguns desejos e faço alguns poucos planos futuros, perfeitamente realizáveis. Vivo o presente com muita intensidade. Situações, conhecimentos novos me entusiasmam muito. A vida é agora.