Com a proximidade do Natal, a sensibilidade costuma aflorar e nossa disponibilidade ao próximo tende a aumentar. Boas histórias e também novas amizades, podem surgir. Pois foi assim, sem ver seu sorriso, que a conheci no ônibus da prefeitura que retornava de Passos. Eu estava ali como doador de sangue e ela, como paciente oncológica. Maria da Conceição Silva da Graça é daquelas pessoas que conquistam ao primeiro sorriso. Veio se sentar ao meu lado utilizando uma máscara que não escondeu seu doce olhar. E como sorriem seus olhos bondosos! A conversa fluiu naturalmente. Enquanto ia ouvindo minha companheira de viagem, imaginava sua luta contra a doença e tantas outras que ela deveria ter enfrentado ao longo da vida.
A senhora quer se sentar ao meu lado? Este lugar está vago.
Quero sim. Obrigada! (sempre sorrindo com os olhos)
É bom voltar mais cedo pra casa, não é?
Com certeza! Se não tivesse esta carona só voltaríamos às quatro da tarde.
Como a senhora se chama?
Maria da Conceição.
Prazer dona Maria! A senhora está em tratamento faz tempo?
Nove anos já. E nove infartos também! (risos)
Nossa! E como está esse coraçãozinho?
Ele também está sendo cuidado e foi afetado pelo tratamento do câncer, que é pesado. Está com uma válvula entupida, mas ainda não posso operar. Já brincaram comigo que quando eu partir querem meu coração, que por conta dele eu não vou morrer! (risos)
Dona Maria, eu gosto de ouvir boas histórias e tenho certeza que a senhora tem uma! Se importa em me contar?
Nasci há 68 anos aqui mesmo em São Sebastião do Paraíso. Éramos em cinco irmãos, três faleceram, agora sou a mais velha e só tenho mais uma irmã. A gente morava na roça e com dois anos nos mudamos para Boa Esperança, terra dos meus pais, Maria Aparecida da Silva e Antonio Camilo da Silva, os dois já faleceram. Quando eu estava com nove anos, voltamos pra cá.
A senhora começou a trabalhar muito cedo?
Eu não tive infância. Tive que começar a trabalhar logo. Eu tinha seis anos quando comecei a trabalhar na roça. Nossa situação era precária... Então tinha que trabalhar para ajudar meus pais.
Realmente, a vida de muitos brasileiros não é fácil... Quais outros trabalhos a senhora já desempenhou? Conseguiu estudar
Os trabalhos que eu já fiz foram trabalhar na roça e depois que vim morar na cidade, aos quatorze anos, trabalhei durante a vida toda como doméstica para algumas famílias importantes. Aí eu consegui estudar até o quarto ano de grupo.
O que a senhora acha que tem de melhor no trabalho?
O trabalho é tudo! Senti muita falta quando tive que parar por motivo de saúde.
E como tem sido esta batalha contra o câncer? O que sentiu quando recebeu o diagnóstico?
Realmente uma luta! Quando fiquei sabendo me entreguei a Deus.
Então a senhora é uma mulher de fé?
Sim, minha fé é muito grande! Tenho muita porque sei que a fé move montanhas e Deus é grande.
Falando em fé, a senhora gosta de Congadas? Está chegando a época e após a pandemia as festividades retornarão, não é?
Sim, gosto muito! Pra mim é uma religião. E este ano será perto da minha casa. Acho que será muito bom!
A festa das Congadas e Moçambique representa muito nossa fé e tradição, principalmente para o povo negro, certo? A senhora já sofreu algum preconceito?
Não.
E sobre sua família? Tem quantos filhos? Foi difícil criá-los?
Tenho dois filhos, a Patrícia e o Leandro. E sou divorciada. Foi sim, uma luta muito grande e muito sofrida. Mas venci! E hoje tenho também três netos, a Nataly, o Rhyan e o Marcos Antonio. Família pra mim é tudo!
O Natal chegou! Tempo de reflexão e renovação, não é mesmo? Como esta mulher tão guerreira, a senhora poderia deixar uma mensagem de fé e otimismo?
Que neste Natal Jesus esteja à frente de nossas vidas, nos abençoando, nos protegendo... E também nos fazendo vencer cada adversidade, cada batalha e cada obstáculo, em todos os dias de nossas vidas. Foi um ano de muita luta e sofrimento, mas confiamos em Deus. Que este que vem seja melhor pra todos nós. Que todos tenham um feliz Natal e um próspero ano novo, repleto de amor, paz e esperança, a cada dia.
E assim me despeço de Maria da Conceição, mulher de fé, mulher lutadora, mulher. Mãe, avó, amiga, uma brasileira que luta diariamente e que terá a merecida vitória. Espero que nossos leitores sintam o mesmo prazer que tive ao conhecê-la. Gratidão Maria da Conceição! Agradeço também à sua filha Patrícia, que além de acompanhar a mãe em seu tratamento, auxiliou enormemente na realização desta entrevista. Bom Natal a vocês, Maria da Conceição, Patrícia e toda família. Feliz Natal estimado leitor!