Professor de Geografia aposentado pelo estado, bacharel em Direito e profundo estudioso das religiões de matriz africana e das mazelas que assolam o ser humano. Geraldo Luiz Radaelli, Pai Geraldo ou ainda Geraldo de Oxalufan, é chefe de terreiro da Umbanda e babalorixá do Candomblé, mas acima de tudo, um ser humano que acolhe, aconselha e prega a paz, o amor e a caridade. Com mais um ano se encerrando, novo ciclo se inicia e Geraldo nos dá uma lição de fé, tolerância e respeito. Constantemente atacadas e alvo do desconhecimento e ignorância, as religiões de matriz africana têm suas raízes profundamente ligadas à construção da identidade do povo brasileiro. Para esclarecer o que elas representam, suas práticas e conceitos, trazemos a história de um homem que se dedica integralmente ao próximo. Que irmanados, tenhamos todos um feliz Ano-Novo!
Geraldo, quais suas origens?
Nasci há 68 anos em Guaxupé, filho de Geraldo Radaelli e Ana Pereira Radaelli. Ainda pequeno vim para São Sebastião do Paraíso. Tenho apenas uma irmã mais velha.
O senhor sempre foi da Um-banda ou teve contato com outras religiões?
Minha mãe era muito católica e queria que eu fosse padre. Cheguei a ir conhecer o seminário de Sion, mas logo vi que não era pra mim. Depois passei a frequentar o centro espírita kardecista dirigido pelo Argemirão. Também frequentei o centro do senhor Marcílio Colombaroli, participava de campanhas de arrecadação... Até que, em 1972, fui conhecer o Centro de Umbanda Pai Jerônimo, que era comandado pelo Geraldo Valério, que vem a ser o avô da Rosa, minha esposa. Já são cinquenta anos na Umbanda. Eu e Rosa nos conhecemos ali, nos casamos em 1975, temos dois filhos, a Kelly e o Elvis e continuamos unidos. Quando o centro passou para outras mãos e depois fechou, me perguntaram se eu estava em outro terreiro e me propuseram que eu fundasse um.
E como foi até que isto de fato se concretizasse?
Com a decisão de fundar um terreiro, contamos com a ajuda do Amorim, que conseguiu que a prefeitura doasse um terreno. Ganhamos este terreno e nos deram cinco anos para que construíssemos o terreiro. Levamos quatro anos e meio e foi tudo por meio de doações: o projeto, o registro, os materiais para construção... Em 1987 surge o Centro Espírita de Umbanda Caminho da Verdade. Temos tudo regularizado, inscrições, CNPJ, e somos reconhecidos como utilidade pública municipal. O lema, a propensão aqui, é fazer o bem. Temos nossas festas da abolição em maio, de Cosme e Damião, a toré de Caboclo, que cultua o indígena brasileiro e nosso trabalho social com arrecadação e doação de cestas básicas para entidades da cidade. Aqui não há dízimo, toda contribuição é voluntária. E também acolhemos todos que vêm aqui, sem distinção de qualquer espécie; credo, raça, orientação sexual...
Quais as principais diferenças entre a Umbanda e o Candomblé? Vocês trabalham com os dois?
Sim. O centro é essencialmente de Umbanda com reuniões abertas a todos, sempre às quartas-feiras. Mas também trabalhamos com o Candomblé, pois estudei muitos anos com o Pai Hélio, em Belo Horizonte. Este intoto (mastro simbolizando o rei da nação), no centro do terreiro, herdei do terreiro dele. Creio que seja um dos poucos do Brasil. Tudo tem uma simbologia e significado muito grandes. A Umbanda é uma religião genuinamente brasileira baseada na fusão da pajelança, do catolicismo, do kardecismo e do culto ao orixá. Os orixás têm correspondentes nos santos da Igreja Católica. Isto é muito presente nas congadas, por exemplo. A Umbanda é acolhedora, mais simples e nela pratica-se a caridade. Já o Candomblé, embora muito antigo, com origem de suas raízes há cerca de dez mil anos na África, é um culto um pouco mais sofisticado no que diz respeito aos seus rituais. Os materiais são importados da África, por exemplo, a pemba para o efum, que é um giz branco que só tem por lá... Trabalhamos com os dois, pois às vezes não consigo solucionar um problema na Umbanda e consigo no Candomblé e vice-versa. Pra nós elas são complementares.
Um ponto que gera polêmica é aquele em relação ao sacrifício de animais. Ainda há este tipo de trabalho?
Na Umbanda não, mas no Candomblé sim. O que precisa ser explicado é que é tudo muito cuidadoso. O sangue vermelho representa a vida e o animal é sagrado para nós. Antes de qualquer sacrifício o animal é lavado, purificado e tudo é aproveitado, o sangue, a carne para alimento, o couro que vai para os atabaques. Muito mais cuidadoso e menos agressivo do que qualquer frigorífico ou abatedouro. Condenam o rito, matam por aí e tudo bem... Umbanda e Candomblé são a natureza. Até uma pipoca aqui é reaproveitada. Como dizia Lavoisier, “nada se cria, tudo se transforma...”
Ainda há muita intolerância e falta de informação sobre as religiões de matriz africana. O que fazer para combater este e outros tipos de preconceito?
Infelizmente o preconceito de credo ainda é muito presente. Assim como o racial, orientação sexual... Vejo o seguinte, cada ser humano tem uma cabeça, cada cabeça, uma sentença. É difícil mudar a cabeça das pessoas. Usamos a palavra, nossa bagagem de vida... Nossas atitudes que respondem, elas falam mais alto do que o preconceito. O que é mal para você, pode não ser para mim. O respeito a todas as religiões deve se fazer sempre presente.
Recentemente o senhor celebrou um casamento aqui na sua casa, algo muito simbólico e pouco comum, certo? O que representa o casamento para a Umbanda?
Foi o segundo casamento que celebramos aqui. O primeiro foi entre duas mulheres. Além da união carnal, o fundo é a união espiritual. A partir do ano que vem já há planos para realizar, além da parte espiritual, a parte cível simultaneamente, o que deve aumentar essas celebrações.
O senhor pensa que o ecumenismo talvez seja o futuro da humanidade?
Existe uma guerra religiosa. Cada um deveria comungar com o que lhe faz bem. O problema não são as religiões. Deus, Jeová, Olorum, está em todas, de modo diferente. O problema é o ser humano que não compreende e respeita o próximo.
O que poucos sabem sobre sua religião e o senhor acha importante transmitir?
Buscamos o equilíbrio e a evolução espiritual. Equilíbrio é buscar estar bem consigo e com o próximo. A evolução espiritual, na realidade, é a busca da luz. Devemos crescer moral e espiritualmente.
O que a pandemia e outras provações podem nos ensinar sob a ótica da religião?
A pandemia veio para acordar e alertar o ser humano. Olhar mais para o próximo. A função é essa. E não atingimos o objetivo. As pessoas, em sua maioria, continuam arraigadas na matéria. Me pergunto, qual a obra das instituições? O que estão fazendo pelo próximo?
Para o senhor, qual o sentido da vida?
O sentido da vida é você viver bem, consigo, com a família, com as pessoas que te rodeiam e ajudar o próximo. A caridade não tem dia e não tem hora. Qualquer um que chega em minha casa, minha obrigação é atendê-lo. Posso não conseguir ajudá-lo como gostaria, mas devo ouvi-lo. Até brinco que aqui funciona como um pronto socorro espiritual, em que buscam saída para suas mazelas.
Estamos encerrando mais um ano e sabemos que os ciclos são muito importantes nas religiões e na vida. Qual mensagem o senhor pode deixar para nossos leitores em relação a este novo ciclo que se inicia?
A gente sempre espera e pede que o ano vindouro seja melhor. Temos que pensar mais no próximo. Deve haver uma mudança de mentalidade. Há uma minoria rica, esbanjando e a maioria pobre, com fome. A fome é muito triste! Desejo um ano com menos egoísmo e materialismo e mais paz, compreensão e verdadeira evolução do ser humano.