A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conhecida como PEC 6x1 tem gerado intensas discussões no Congresso, nas empresas e nas redes sociais. A proposta visa alterar a escala de trabalho no Brasil, reduzindo a jornada semanal de 44 para 36 horas e estabelecendo um modelo de quatro dias trabalhados seguidos por três de folga. Em entrevista ao Jornal do Sudoeste, o médico Matheus Colombaroli, presidente da Associação Comercial, Industrial, Agropecuária e de Serviços de São Sebastião do Paraíso (ACISSP/CDL), expôs sua visão crítica sobre os possíveis impactos da medida, especialmente para pequenos e médios empresários.
A PEC 6x1 propõe não apenas a redução da jornada semanal de trabalho, mas também a manutenção dos salários nos níveis atuais, mesmo com a diminuição das horas. Segundo a deputada Erika Hilton (PSOL-SP), autora da proposta, o objetivo é equilibrar produtividade e bem-estar, permitindo que os trabalhadores tenham mais tempo para família, lazer e desenvolvimento pessoal. Além disso, Hilton argumenta que a medida pode impulsionar a criação de novos empregos, ao distribuir melhor as horas trabalhadas entre a força de trabalho disponível.
De acordo com a deputada, a iniciativa não é apenas uma proposta legislativa, mas um convite ao debate. “A PEC 6x1 estabelece a redução como base para uma ampla discussão sobre as condições de trabalho no Brasil”, disse Hilton em coletiva recente. Apesar do otimismo de seus defensores, a proposta enfrenta forte resistência de setores empresariais, que questionam a viabilidade econômica da medida, especialmente em um país com alta carga tributária e um mercado de trabalho já fragilizado.
Pequenos empresários enfrentariam grandes desafios
Matheus Colombaroli, presidente da ACISSP/CDL, ressalta que a proposta, embora bem-intencionada, ignora a realidade enfrentada por pequenos e médios empreendedores no Brasil. Ele inicia sua análise convidando os leitores a se colocarem no lugar de um empresário. “Imagine-se dono de uma pequena empresa ou comércio. Você tem seus funcionários, seus clientes fiéis e trabalha diariamente para ajudar o seu negócio. Você trabalha de segunda a sábado e consegue faturar o suficiente para pagar todos os custos fixos, incluindo seus funcionários, aluguel, luz, água, telefonia, e os custos variáveis, como os boletos dos produtos comprados que você revende. Além disso, sobra o suficiente para você se manter e à sua família, além de um pouco para guardar para seu futuro ou de seus filhos”, explica.
Ele prossegue mostrando os impactos que a mudança na escala de trabalho traria. “De repente, muda-se a lei e seus funcionários passarão a trabalhar menos horas por semana, reduzindo de seis dias trabalhados para somente quatro, ou de 44 para 36 horas. Mas você terá que manter os salários e, principalmente, os impostos e os encargos trabalhistas”, diz.
Segundo Colombaroli, a PEC coloca os empresários diante de duas escolhas desafiadoras. “Ou você mantém os seis dias de funcionamento e contrata mais pessoas, o que aumenta seus custos fixos, ou reduz os dias de funcionamento, o que diminui o faturamento. No primeiro caso, você terá que repassar os custos para os preços dos produtos ou serviços. Mas será que seus clientes continuarão comprando? Terão dinheiro para gastar no comércio? Também não enfrentarão os mesmos problemas pela mudança da carga horária?”, questiona.
No segundo cenário, os empresários podem acabar sacrificando sua própria renda e o reinvestimento no negócio. “Você passa a ter menos sobras, menos recursos financeiros, menos lucro. Mas esse lucro não é para você se manter? E como ficam sua família, seus filhos, seu futuro? E como fica seu negócio, sem dinheiro que sobre para ser reinvestido, melhorando e aumentando a oferta de produtos ou serviços?”, pontua Colombaroli.
Questões práticas e o impacto na competitividade
Outro ponto levantado por Colombaroli é a dificuldade prática de encontrar mão de obra para preencher as lacunas que a mudança na jornada de trabalho exigiria. “Você encontra essas pessoas? Está fácil contratar no cenário atual? Há mão de obra disponível no mercado? E mesmo que haja, essas pessoas irão ter dois empregos? O segundo emprego será registrado ou será na informalidade?”, pergunta.
Ele também alerta que a medida pode aumentar a competitividade desigual entre grandes e pequenos negócios. “Os grandes empregadores têm condições de diluir esses custos em uma estrutura maior ou até automatizar operações. Mas o que acontece com o pequeno lojista, com o dono de uma padaria ou com o pequeno produtor rural que depende de cada centavo para se manter?”, indaga. Colombaroli reforça que os pequenos e médios negócios são os pilares da economia brasileira, gerando seis a cada dez novas vagas de emprego em Minas Gerais, segundo dados do governo estadual.
Um alerta vindo da França
Para embasar sua análise, Colombaroli traz um exemplo internacional. “Devemos lembrar que a França, em 1982, tentou reduzir a jornada de trabalho semanal em uma hora somente, e os efeitos foram no sentido contrário, com demissões em massa. Isso gerou desemprego e enfraqueceu o mercado de trabalho”, afirma. Ele destacou que o Brasil, com sua alta carga tributária e renda per capita reduzida, não pode se dar ao luxo de adotar medidas similares sem uma análise cuidadosa dos impactos econômicos.
Debate amplo é essencial
Apesar de sua visão crítica, Colombaroli deixa claro que não é contra a melhoria das condições de trabalho. “Sempre defenderemos uma melhoria nas condições de trabalho, de saúde física e mental, de tempo para estudo, lazer e convívio familiar para todos os trabalhadores. Isso é imprescindível em qualquer empresa e sociedade moderna. Mas essas mudanças precisam ser feitas com equilíbrio, sem desmoronar os negócios, especialmente os pequenos”, conclui.
Agora que a PEC alcançou o número necessário de assinaturas para ser protocolada na Câmara dos Deputados, será analisada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Caso aprovada, seguirá para uma Comissão Especial, que poderá propor alterações ao texto antes de ser votada no plenário da Câmara e, posteriormente, no Senado.