O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu uma decisão histórica para um paciente de São Sebastião do Paraíso. Pela primeira vez na cidade, um habeas corpus garantiu a autorização para o cultivo, plantio e extração de óleo de cannabis destinado exclusivamente ao tratamento medicinal. O julgamento foi conduzido pelo ministro Otávio de Almeida Toledo, que destacou a importância da medida para garantir o direito à saúde e à dignidade do paciente.
O caso começou em maio de 2023, quando o paciente, diagnosticado com transtorno de ansiedade generalizada, enfrentava dificuldades financeiras para importar o óleo de cannabis, que era essencial para seu tratamento. "Esse medicamento foi um divisor de águas na minha vida. Antes dele, eu enfrentava crises de ansiedade muito intensas, com sintomas como taquicardia, pressão alta e falta de apetite. Com o óleo, consegui retomar minha vida e melhorar minha saúde", relata o paciente.
Inicialmente, o medicamento era adquirido por meio de importação, com autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No entanto, os custos mensais tornaram o tratamento inviável a longo prazo. "Chegava a gastar um valor muito alto, algo que não era sustentável para mim. Por isso, decidi buscar alternativas, me capacitando para produzir meu próprio óleo de forma segura e responsável", explica o paciente.
O PROCESSO JUDICIAL E AS NEGATIVAS
A busca pela autorização foi conduzida pelo advogado Dilermano Augusto de Souza Júnior, que destacou o longo percurso jurídico até a decisão final. "Iniciamos com um habeas corpus preventivo na primeira instância, mas o pedido foi negado. Em seguida, recorremos ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que também rejeitou a solicitação. Foi necessário levar o caso ao STJ para garantirmos o salvo-conduto", explicou.
O advogado enfatiza que o pedido tinha como objetivo proteger o paciente de ações criminais enquanto ele cultivava a planta para fins medicinais. "A decisão final foi baseada em diversos documentos comprobatórios, como receitas médicas, laudos, autorização da Anvisa e até um certificado de curso sobre cannabis medicinal feito pelo paciente na UNIFESP. Mostramos que tudo estava sendo feito dentro da legalidade e com respaldo técnico."
No STJ, o ministro Otávio de Almeida Toledo reconheceu a urgência do caso e ressaltou a necessidade de proteger o paciente. "Ficou demonstrado que o uso medicinal da substância é essencial para o tratamento do paciente. A ausência de regulamentação estatal não pode prejudicar o direito à saúde", afirmou o relator em sua decisão.
DECISÃO HISTÓRICA
O habeas corpus concedido pelo STJ autoriza o paciente a cultivar até 72 plantas de cannabis por ano, com a produção limitada ao uso pessoal e medicinal. O salvo-conduto determina que as autoridades policiais e o Ministério Público não poderão investigar, apreender ou destruir as plantas e insumos relacionados ao tratamento do paciente.
Além disso, o ministro destacou que a proibição de comercialização ou doação dos produtos garante que o cultivo permaneça exclusivamente no âmbito terapêutico. "Essa decisão é mais do que uma vitória individual; é um marco que pode abrir caminho para outros pacientes em situações semelhantes", afirma Dilermano.
O advogado também chama atenção para o impacto social e jurídico da medida. "Vivemos tempos de mudanças, mas ainda enfrentamos muito preconceito. Essa vitória não é apenas do paciente, mas de todos que acreditam na ciência e no direito à saúde. Muitas vezes, a legislação não acompanha as necessidades reais das pessoas, e decisões como esta mostram que é possível superar essas barreiras."
O USO MEDICINAL DA CANNABIS NO BRASIL
A cannabis medicinal tem sido cada vez mais estudada e utilizada no tratamento de diversas condições, como ansiedade, epilepsia, dores crônicas e doenças neurodegenerativas. No Brasil, o uso terapêutico é permitido com autorização da Anvisa, mas a falta de regulamentação para o cultivo pessoal dificulta o acesso para muitos pacientes.
"Com o óleo de cannabis, eu consegui controlar os sintomas de ansiedade e melhorar minha qualidade de vida. Não é apenas um medicamento; é uma ferramenta que me devolveu a tranquilidade", afirma o paciente. Ele também destaca a importância de ampliar o debate sobre o tema. "Espero que essa decisão inspire outras pessoas e ajude a derrubar preconceitos. A cannabis é uma planta com grande potencial medicinal, e é hora de deixarmos a desinformação de lado."
Atualmente, os custos elevados para importação de medicamentos à base de cannabis são um obstáculo para a maioria dos pacientes. Um frasco pode custar milhares de reais, tornando o tratamento inviável para famílias de baixa renda. "A regulamentação do cultivo pessoal não apenas reduziria os custos, mas também promoveria maior acesso e autonomia para os pacientes", argumenta o advogado paraisense.
PRECEDENTES E IMPACTO
A decisão do STJ seguiu precedentes recentes que reconhecem a necessidade de proteger pacientes em situação semelhante. Em 2022, o tribunal já havia concedido salvo-conduto em casos similares, destacando que o cultivo medicinal da cannabis não configura crime, desde que realizado de forma técnica e para fins exclusivamente terapêuticos.
Para o advogado e o paciente, essa vitória representa um passo importante na construção de um sistema de saúde mais inclusivo e baseado em evidências científicas. "Estamos avançando lentamente, mas cada conquista como essa nos aproxima de um futuro mais justo e humano", conclui o advogado.