Seriam os descaminhos que nos conectam? Seriam os despropósitos que fazem o mundo girar? Nos restam dúvidas. Essas crônicas falam disso, pra nos fazer pensar.
Mais uma vez, como que maquinalmente, entregamos a vocês essas fabulações literárias. Com muito gosto e honra continuamos nosso serviço de lapidar a palavra, para que ela soe como quisermos, seja bruta, natural, elegante, terna ou cruel.
Assim seguimos e seguiremos. Um ótimo final de ano para você que nos acompanha e para sua família!
por André Rodrigues Pádua
Tem quem vá com a firme determinação de chegar em algum lugar. É o tipo mais óbvio. Pode ser que, a princípio, a sensação de controle proporcionada pela previsibilidade das correlações estreitas nos seja até prazerosa. Isso deve ter a ver com algum estímulo que acenda nossas pretensões arqueológicas de domínio da natureza, existentes desde antes da gente ser gente. Melhor dizendo, ao projetarmos nossos rumos de modo a não sobrar resto, somos acalentados pela sensação de sermos, virtualmente, senhores de um princípio de ordenação dentro da bagunça do mundo.
O revés é que tropeço não pede licença. Além disso, o óbvio, apesar de fácil, pode ser insuportavelmente chato e inóspito.
Assim é que parece mais sensato aquele que vai com sede de um destino também já emoldurado, mas que não vê tanto problema caso respingue tinta no quadro. Com muito custo, fui aprendendo a aderir a esse procedimento, que sugere uma prudência conservadoramente resignada, mas que me tem ensinado a amar e a respeitar minhas rugas e os cabelos que, com muito esforço, vou perdendo cada dia mais. A chave da compreensão pode ser o garrancho, assim como a bola despropositada muitas vezes é fatal para o goleiro.
Mas eu confesso ao leitor, não sem uma certa angústia complacente, que o mais belo dos descaminhos é aquele do tipo que vai sem pensar em chegar e, andando na corda bamba, acaba vendo o sol lá no fim da contramão.
por Murilo Caliari
Morre Dalton Trevisan, o vampiro de Curitiba. Lula sofre hemorragia cerebral e se recupera após cirurgia. Ana Maria Braga passará por procedimentos estéticos e não apresentará o programa Mais Você no dia 15 de janeiro. André Pádua está com enxaqueca. Lola, a cadelinha basset, convulsionou no dia 28 de outubro e a partir de então mantém dieta balanceada. Entre as madrugadas de sexta-feira e sábado, visível a olho nu, acontecerá uma chuva de meteoros.
Assim seguem as notícias, os dias passam e nos aproximamos do fim do ano. O ritmo começa a borbulhar e fica difícil pensar com calma. Enfim, a época da colheita obrigatória. Uma análise geral do que foi semeado.
E o dia de hoje... Acordo, contabilizo minhas bagunças na mesa, abro meu caderno de anotações e penso um pouco. Só um pouco. Daí me dirijo à sala de tv, pego o controle e zapeio os canais até me entediar. Daí eu penso, por que as pessoas tem filhos? Já não basta de humanidade por aqui? Tanta gente desperdiçando água. Apenas pensamentos intrusos, depois se modifica meu plano mental e reordeno o planejamento do dia: calçar sapatos, abrir a porta e ir até a rodoviária comprar passagem; Pentear o cabelo, fazer a barba e imprimir cartazes da exposição de sexta-feira; Assoar o nariz, acender incenso, atravessar a rua; Trabalhar, trabalhar e coçar as costas... Continuamente.
E me infiltra a ideia, após um breve instante de lucidez, reparo: é, a vida segue e não tenho nada a dizer. Logo, para não ficar sem falar nada, vou formando algumas frases. Me chegam as palavras de John Cage, na Conferência sobre o Nada. Algo assim “Não tenho nada a dizer e mesmo assim vou dizendo”. Completo a meu modo: e isso é uma crônica, como eu quero.