• CONVERSA FORA •

Ausentes de Natal

por Murilo Caliari e André Pádua
Por: Divulgação | Categoria: Do leitor | 18-12-2024 23:55 | 215
Foto: Arquivo

Fim de ano é um negócio tão obtuso que sai esbarrando em várias outras esferas da nossa vida. E aqui sem juízo de valor: não estou dizendo que gosto ou não, ou que o final de ano me incomoda, e coisas do tipo. A atividade de cronista semanal me impede de ter uma postura muito firme nesses assuntos, já que, se de um lado é preciso disciplina, isolamento e calma para engendrar alguns parágrafos, também a rabugentice não pode me corroer a ponto de minguar a irreverência imprescindível para o exercício desse Trabalho (com T maiúsculo, diga-se de passagem). Em suma, tenho um temperamento neutro em relação ao fim de ano.

O problema é que o final do ano não é neutro comigo - aliás, conosco -, porque projeta drásticos efeitos para fora de si mesmo.

Por exemplo, no calendário. No fim de ano, os dias mantêm seus nomes e sua roupagem mais ou menos comportada. Mas isso é da data pra fora. Quem põe o pé na rua em dezembro sabe que, na verdade, todo dia do mês doze é sexta-feira: as crianças carregam consigo a euforia do fim de semana, os adultos sorriem e gastam dinheiro e o comércio faz força para se alongar antes da folga. No fim das contas, o acender noturno da cidade leva a gente a crer que amanhã não é preciso acordar cedo.

Contudo, a mais drástica repercussão de final de ano é a gramatical. Isso porque, em dezembro, "presentear" vira verbo intransitivo, conjugável unicamente na segunda pessoa do imperativo afirmativo. Torna-se preciso dar presentes, sendo de somenos importância o "que" ou a "quem". Não sabe o que dar para seu pai, mãe, colega de trabalho, esposa, marido, cachorro, chefe? Pois dê seu jeito de arranjá-lo. É imprescindível que o embrulho esteja em mãos com a coisa certa e no momento certo, sob pena de se incorrer em assalto sintático. E se alguém lhe pedir a classificação do sujeito na oração "em dezembro, presenteia-se", não titubeie:

- Sujeito ausente.