O médico neurologista Mário Oliva Rocha, de 72 anos, é boliviano de nascença, mas paraisense de coração e não esconde a paixão pela terra onde decidiu se dedicar a neurologia, tendo sido o primeiro médico desta especialidade a se mudar e fincar raízes no município. Natural de Vallegrande, interior da Bolívia, após se forma em Medicina, um longo caminho de oito anos, ele se mudou para Ribeirão Preto (SP), onde fez revalidação do seu diploma e especialização na área neurológica. Casado com a professora de Espanhol Edna Rosário Torrico e pai do engenheiro eletricista Robert Marcelo Oliva Torrico e a da, também neurologista, Vanessa Oliva Torrico, há 34 anos vive em Paraíso e, coforme diz convicto e com sorriso no rosto, não pretende tão cedo deixar de exercer a profissão que tanto ama e tem admiração.
Jornal do Sudoeste: Como era a cidade onde você passou a infância e juventude na Bolívia?
Mário Oliva Rocha: A minha cidade é uma cidade no interior da Bolívia, chama-se Vallegrande. Uma cidade bem pacata, pequena, uma cidade agricultora que fica no meio das cordilheiras e tem um clima de uma altitude de dois mil metros, um clima muito bom, não é nem muito frio e nem muito calor e faz com que a natureza seja muito boa para o cultivo do milho, batata, verduras e criação de animais como gado leiteiro e suínos. Meu povo é um povo voltado muito para a agricultura, lembra muito Paraíso. Lá o pequeno agricultor faz o aproveitamento total do seu pedaço de terra junto com a família e eles vivem disso e vendem seu produto direto para o consumidor sem nenhum intermediador, lá não tem esse costume de comprar uma produção e revender a preços mais caros.
Jornal do Sudoeste: E como foi sua infância em Vallegrande?
Mário Oliva Rocha: Minha infância foi um dos momentos mais bonitos da minha vida e que eu guardo as melhores lembranças; foi uma infância completamente feliz. Primeiro que não existiam aparelhos eletrônicos e todos os nossos brinquedos eram feitos manualmente; recordo que construíamos estradinhas e nossos pequenos automóveis com pauzinhos; brincávamos com “cavalinho de pau” como se realmente estivéssemos andando em um cavalo de verdade então, por tudo isso, foi uma infância maravilhosa. Eu acredito que quem tem uma infância boa permanece e passa a ter uma vida completamente positiva e se fortalece muito para poder enfrentar a vida como ela realmente é em qualquer lugar do mundo. A infância é muito importante, assim como a adolescência também é. Depois que você passa por essas fases, quando você vai à outra cidade, mesmo que no seu próprio país, faz com que você consiga suportar e superar os seus traumas, faltas e necessidades para poder melhorar de vida através do estudo e foi o que aconteceu comigo.
Jornal do Sudoeste: E por que você escolheu a Medicina?
Para mim sempre foi um sonho. Quando eu era criança, e por meu pai, Francisco Oliva, ter falecido muito cedo, eu falava para minha mãe, Julia Rocha, que eu queria ser médico e sustentei essa ilusão e essa meta. Eu sou médico por opção, não é por necessidade e desde criança planejei ter essa vida, por isso faço da medicina um sacerdócio, procuro tratar os pacientes da minha melhor forma e faço tudo o que é possível para ajudar, colaborar e orientar. Junto com isso tudo o médico tem que estar associado a um bom conhecimento médico e uma boa atualização permanente e continuada, além da prática da medicina; a cada ano atendemos cerca de mil pessoas, e a cada ano são mil novas experiências e novas situações e vivências médicas, o que faz com que você ganhe muito mais confiança naquilo que se propôs a fazer. Quanto mais eu trabalho, mais eu aprendo.
Jornal do Sudoeste: Por que você decidiu vir para o Brasil?
Mário Oliva Rocha: Eu conheço o Brasil desde 1970 e me mudei para esse país em 1976, nesta época já tinha me casado e eu tinha vontade de vir para cá porque já o conhecia, tinha ido a São Paulo e Rio de Janeiro; sempre gostei daqui e tinha esse desejo vir morar; eu poderia ter ido para outros lugares, como o México ou Estados Unidos, que eram opções que podíamos fazer para realizar a especialização.
Jornal do Sudoeste: Você já falava português?
Mário Oliva Rocha: Eu falava pouco o português porque já tinha feito viagens pra cá; e na Bolívia, na minha época de estudante, nós líamos muito duas revistas: uma chamava Gente e a outra o Cruzeiro. Eram revistas que mostravam o melhor do Brasil com todo o seu desenvolvimento e belezas; nós imaginávamos que aqui não tinha pobreza, que não havia analfabetismo, era a época do regime militar, que queria mostrar só o melhor deste país. Quando cheguei a Ribeirão para fazer minha especialização eu percebi que muita gente que trabalhava na roça não foi alfabetizada e isso para mim foi uma verdadeira surpresa, porque, segundo as duas revistas, era um país adiantado, de primeiro mundo.
Jornal do Sudoeste: Você sentiu alguma diferença das universidades da Bolívia para as universidades no Brasil?
Mário Oliva Rocha: A diferença das universidades daqui para a que me formei é que na Bolívia todo mundo entra na faculdade. O pensamento é o seguinte: se a universidade é mantida pelos impostos pagos pela população, então deve ser revertido para a população, incluindo o povo de classe alta, média ou baixa. Então, lá, se tiver o filho de um mineiro que ganha pouco ou de um lavrador, ele vai conseguir entrar na universidade e se tornar um engenheiro, um médico, dentista e qualquer coisa que ele queira. Lá, inclusive, existe a assistência social que se identificar que aquele aluno tem poucos recursos, a universidade irá ajudar com alguma coisa como, por exemplo, fornecer alimentação para esses jovens gratuitamente. Aqui isso é diferente; lá é mais fácil chegar a Universidade, mas o difícil é se manter, isso porque através da exigência dos estudos, começam a ser “peneirados” esses estudantes; então quem quer ser médico na Bolívia, tem que estudar muito mais que os outros para poder superar os colegas. Existe essa exigência porque o aluno não paga um centavo para estudar e aqui isso já muda porque nas universidades particulares o curso de medicina é muito caro e é muito difícil conseguir entrar nas universidades públicas.
Jornal do Sudoeste: Por que o senhor optou pela neurologia?
Mário Rocha Oliva: Existem pessoas que gostam de desafios e eu sou uma dessas. Sempre achei o cérebro um desafio e é um verdadeiro desafio. A neurologia é muito difícil e complicada em sua anatomia, sua fisiologia e no funcionamento normal, o cérebro comanda o corpo todo então as doenças são mais complicadas; você precisa saber muito para poder ser um bom neurologista e agora, com a tecnologia, isso tem ajudado muito nos exames e facilita muito o tratamento e, sobretudo, o prognóstico de uma doença. Eu sou formado na Universidade Boliviana Maior de San Simon, é uma universidade federal de Cochabamba. Eu sempre procurei praticar muito a medicina e desde o quarto e quinto ano eu já fazia o que nós chamávamos de “plantãozinhos voluntários” para poder aprender, por isso a vivência é muito importante: quanto mais você vive, mais você aprende e isso te dá mais segurança para poder lidar com os pacientes que são muito diversos; um pode demonstrar uma doença e pouca dor, ao passo que outro pode apresentar a doença e nada de dor; e você tem que investigar para se chegar à causa dessas doenças, é assim que funciona a medicina.
Jornal do Sudoeste: Como o senhor conheceu Paraíso?
Mário Rocha Oliva: Eu morava em Ribeirão Preto, onde fiz minha especialização na Universidade de São Paulo e também trabalhava em Franca. Eu tinha um amigo aqui em Paraíso, o ortopedista Juan Edwin Coca Flores, então eu vinha para cá visitá-lo, na época acho que Paraíso tinha cerca de 44 mil habitantes, era muito pequena. Eu decidi vir para cá porque aqui não tinha neurologista e resolvi enfrentar esse desafio, fui o primeiro neurologista que chegou a Paraíso para ficar e viver.
Jornal do Sudoeste: Você também atende há muitos anos na Apae...
Mário Oliva Rocha: Sim. O senhor Espir Attiê, um dos fundadores da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) em Paraíso, juntamente com a Maçonaria, o qual também fazemos parte, chamou-me para trabalhar lá há mais de 25 anos e deste então faço esse atendimento. Eu sou o médico responsável pela Apae ante a Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerais e Secretaria Municipal de Saúde e faço um trabalho muito bom dentro da instituição. A Apae é um espelho e um exemplo em qualidade de atendimento, onde existe amor ao próximo e as crianças; é um trabalho espetacular e compensa pela ajuda e colaboração que a gente dá junto a Associação.
Jornal do Sudoeste: Valeu a pena viver tudo isso?
Mário Oliva Rocha: Tudo o que eu fiz, foi feito com dedicação e amor a profissão, foi muito bom tudo o que vivi. Quem é médico porque ama e gosta da medicina, a compensação vem pelo trabalho. Nesse aspecto, eu me sinto uma pessoa muito feliz e muito realizada porque é isso que eu sempre quis e que vou fazer até que as forças me faltem! Deus que me proteja para continuar atendendo meus pacientes, atendendo no hospital da Santa Casa de Misericórdia, que precisam muito da gente. Eu também trabalho muito na Ampara, onde sou sócio fundador e que estamos indo muito bem, oferecendo um atendimento de alta qualidade e, sobretudo, com dedicação e disponibilidade, porque se você é sócio da Ampara, você tem assistência 24h por dia.
Jornal do Sudoeste: Pode-se dizer que você é Paraisense?
Mário Rocha Oliva: Sim, pode se dizer que eu sou paraisense (risos). Já faz 34 anos que moro aqui e o mais importante é que eu gosto daqui, tenho tantos amigos. Cada paciente que a gente trata também passa a ser um amigo, porque a gente trata dos pais e quem agradece são os filhos, que no inicio tratamos com cinco anos e hoje já tem 39 e, se o filho desse paciente passa a apresentar algum tipo de problema, eles trazem até a mim porque eu cuidei do pai e da mãe dele, agora estou na fase de atendimento de uma segunda geração, que são os filhos dos meus primeiros pacientes. A vida é muito gratificante neste aspecto porque há o reconhecimento do seu trabalho. Eu agradeço muito ao povo de Paraíso e de toda a região por esse reconhecimento e, sobretudo, pela confiança que eles depositaram em mim e eu sempre tenho buscado retribuir e dar o melhor a esses pacientes, nesse aspecto, a humanidade não falta em mim.