Grupo de Paraíso mantém viva a tradição do Terço de São Gonçalo há mais de uma década

Manifestação de fé e cultura popular, tradição centenária é mantida viva por moradores da zona rural, com música e promessas cumpridas
Fé em verso e viola grupo de devotos reza o Terço de São Gonçalo no bairro rural Chapadão Foto: Reprodução

Uma das expressões mais singulares da religiosidade popular em São Sebastião do Paraíso vem resistindo ao tempo graças ao empenho de um grupo de moradores que, há 16 anos, se reúne para rezar e dançar em louvor a São Gonçalo. A tradição, que mistura fé, cantoria, viola, versos e catira, tem como guardião local o paraisense Marcelo de Moraes, conhecido como Cela Véia, morador do bairro rural Queimada Velha.

“Minha família sempre teve o costume de rezar o Terço de São Gonçalo. Aprendi com meus avós e bisavós”, conta Cela Véia. “Ao longo dos anos, muitos dos que realizavam esse terço foram falecendo, e quase não se achava mais quem rezava — ou, como a gente diz, ‘quem tirava’ o Terço de São Gonçalo.”

Foi a partir desse vácuo e de uma promessa pessoal que Marcelo decidiu agir. Em 2009, reuniu amigos — jovens e idosos — e formou um novo grupo de reza e dança para manter viva a devoção. “Precisava cumprir uma promessa feita a mim pelo meu saudoso avô Onofre Francisco, quando tive um problema de saúde na infância.”

Orientado por Vitor, conhecido como Dornerinho, o grupo realizou sua primeira celebração ainda naquele ano, na casa do próprio Cela Véia. Desde então, as rezas passaram a acontecer regularmente, sempre que alguém alcança uma graça e convida o grupo para ir até sua casa. “Todos os anos cumprimos promessas das pessoas que nos procuram.”

A mais recente celebração ocorreu no sábado, 21 de junho, no bairro rural Chapadão, na casa da senhora Maria (Maria do Vino) e sua família. “Foi o 16º Terço em Louvor a São Gonçalo naquela casa, já virou tradição. Todo mês de junho nos reunimos lá com familiares, amigos e comunidades para rezar e dançar.”

A reza é feita com acompanhamento de violas e violões, e os versos — em rimas — contam a história do santo. “Durante o terço, todos têm que balançar o corpo pra lá e pra cá, como manda a tradição, tanto quem está cantando como os convidados”, explica. No final, o grupo dança a catira. “É um gesto raiz de saudar São Gonçalo, por ele ser protetor das nossas pernas.” 

De Portugal para o Brasil, e de geração em geração

A tradição do Terço de São Gonçalo teve origem em Portugal, na cidade de Amarante, onde viveu o santo. Conhecido por sua devoção, milagres e pelo auxílio aos que sofrem com doenças nas pernas e pés, São Gonçalo também é padroeiro dos que buscam um bom casamento.

A devoção chegou ao Brasil e se espalhou especialmente pelas regiões Sudeste e Nordeste. Em locais como Aiuruoca e Alagoa, no sul de Minas Gerais, o Terço de São Gonçalo é reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial.

A manifestação une fé e cultura, sendo passada de geração em geração. Em Paraíso, essa herança encontra eco vivo no grupo de Cela Véia. “Ora, Viva São Gonçalo!”, exclama ele com orgulho.