Preço do café sobe até 60% e preocupa varejistas, produtores e consumidores em Paraíso

Indústria ainda não repassou todo o custo, segundo Abic; fatores climáticos e financeiros mantêm mercado em alerta
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O preço do café, em alta no Brasil inteiro, também vem sofrendo fortes oscilações em São Sebastião do Paraíso, onde o impacto chegou a 60% nas gôndolas dos supermercados nos últimos meses, segundo relatos de empresários e agricultores locais. Embora a cidade seja conhecida pela tradição cafeeira e pela qualidade de seu produto, a alta generalizada dos custos do grão afeta cada elo da cadeia, do produtor ao varejo, colocando em xeque o consumo e a rentabilidade das empresas.

E, de acordo com Pavel Cardoso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), a situação pode se agravar se forem considerados os valores ainda não repassados ao consumidor final. “O preço deve subir porque a indústria ainda não repassou todo o custo da compra de café, que encareceu 116,7% em 2024 em relação a 2023. Temos a expectativa de alguma melhora no segundo semestre, mas a volatilidade do mercado é grande”, afirma ele.

Em Paraíso, as empresas locais já sentem o peso desses aumentos. A empresária Janaína Medeiros, da Alto de Minas, que atua na torrefação e comercialização de cafés finos, relata que o custo operacional disparou nos últimos meses devido ao encarecimento da matéria-prima. “Os aumentos nos preços do café cru impactaram significativamente nossos custos operacionais. Como trabalhamos com café de alta qualidade, não conseguimos simplesmente repassar todo o reajuste ao consumidor, pois isso poderia prejudicar nossa competitividade”, diz. Ela explica que, para enfrentar essa realidade, foram adotadas diversas medidas na gestão interna, incluindo revisão de processos, corte de desperdícios e a ampliação do portifólio de produtos. “Passamos a oferecer embalagens de 250 g, 500 g e 1 kg, além de kits que nos ajudam a melhorar o ticket médio. Também investimos em marketing educacional para que as pessoas entendam o valor de um café premium, o cuidado na torra e a importância das certificações”, completa.

Janaína destaca ainda que a Alto de Minas busca se diferenciar por meio da sustentabilidade e da certificação oficial. Segundo ela, a torrefação é abastecida por energia renovável, e a empresa obteve um selo de qualidade único no estado. “Somos a única torrefação de Minas Gerais certificada pelo Certifica Minas, o que reforça nossa preocupação com boas práticas e com a segurança do produto. É um diferencial que tem papel crucial na hora de justificar o valor ao consumidor final”, afirma a empresária.

Se a indústria faz malabarismos para absorver parte dos custos, a pressão também é sentida pelos produtores e pelos agentes do mercado financeiro. Gilson Aloíse de Souza, diretor de Agronegócios da Associação Comercial e Industrial de São Sebastião do Paraíso (ACISSP), atribui parte do problema a questões climáticas e aos estoques internacionais reduzidos. “No fim da pandemia, enfrentamos seca e geada, que derrubaram a produtividade e mexeram com a oferta. Os estoques mundiais não se recompuseram como se esperava, o que eleva o preço. Em 2023, a saca já estava acima de R$ 1 mil, e em 2024 houve nova frustração de safra. Imaginava-se que 2025 pudesse ser um ano de recuperação, mas as estimativas ainda indicam algo semelhante a 2024, o que mantém o mercado aquecido”, diz ele.

Outro fator que influencia as cotações é a atuação de grandes multinacionais que negociam café nos mercados futuros. Gilson explica que houve empresas com necessidade de ajustar margens financeiras, gerando incerteza e volatilidade no mercado. “Algumas companhias foram chamadas a colocar mais aporte em contratos de derivativos. O temor de outros problemas financeiros faz com que os preços rompam resistências, chegando a oscilar entre R$ 2,5 mil e R$ 3 mil a saca em determinados momentos. Isso, naturalmente, reflete no valor que vemos aqui na região”, afirma.

No varejo, o repasse ao consumidor começa a ser percebido de forma mais intensa. Ulisses Araújo, sócio-proprietário do Mercado Araújo, diz que segurar o reajuste por muito tempo deixou de ser viável. “O café subiu em torno de 60% nos últimos seis meses. Não tivemos como absorver todo esse impacto, então começamos a repassar. Muitos clientes migraram para embalagens menores, de 250 g ou 500 g, para reduzir o desembolso em cada compra. Como vivemos em uma região cafeeira, as pessoas questionam bastante, mas acabam compreendendo que não é culpa apenas do comerciante local. O problema é amplo”, relata ele.

Do outro lado do balcão, o consumidor se esforça para manter a bebida tão presente em sua rotina diária. A aposentada Maria Aparecida Alves Claro afirma que o café é item fundamental em sua casa, onde o consumo varia de um quilo e meio a dois quilos por mês. “Não tem como ficar sem. Já tentamos comprar marcas mais baratas, mas não nos adaptamos ao sabor. Então preferimos reduzir outros produtos para manter o café que gostamos. Fica pesado no bolso, mas é uma prioridade”, conta.

A alta de custos, no entanto, não se deve apenas à matéria-prima em si. Produtores da região lembram que insumos usados na lavoura, como fertilizantes e defensivos agrícolas, são cotados em dólar e sofrem com as oscilações cambiais. O impacto também aparece na logística de transporte e na embalagem final. Alguns produtores investem em parcerias ou vendas diretas para reduzir intermediários, na esperança de conseguir margens mais justas em um momento de fortes turbulências.

Apesar das incertezas, existem expectativas de que o segundo semestre possa trazer algum alívio, caso a safra reaja melhor do que o projetado e o mercado internacional apresente sinais de estabilidade. Janaína Medeiros reconhece que as variáveis são muitas, mas aposta em uma abordagem transparente junto aos clientes para atravessar esta fase. “Nós explicamos tudo: desde o custo do café verde até a importância da torra bem controlada, passando pelos benefícios de uma certificação rigorosa. O público que aprecia café especial entende o valor da qualidade e está disposto a pagar por isso, mas é preciso que a economia colabore”, conclui a empresária.