Do rádio aos grandes palcos: a jornada de Fernanda Melo, mentora que fez da voz um propósito

Na bagagem, jornalista paraisense carrega lições sobre ética, responsabilidade e um legado familiar que inspira quem busca destravar a comunicação
Fernanda Melo conduz seu talk sobre oratória e inteligência emocional durante o Players Summit, em Alphaville Foto: Reprodução

Da primeira história contada pelos avós à estreia no microfone de um programa jovem, a jornalista e mentora de oratória paraisense Fernanda Melo transformou paixão em profissão: construiu carreira que reúne ética jornalística, técnica vocal e sensibilidade para inspirar plateias por todo o país - um percurso que passa por estúdios de rádios, redações de TV’s, salas de sindicato e culmina aos palcos de grandes conferências, onde ela mostra como a voz pode ser ferramenta de carreira, propósito e memória.

Raízes que falam alto

Na casa simples dos avós, em São Sebastião do Paraíso, Fernanda Melo experimentou o poder das palavras antes mesmo de dominar a leitura. Ela se lembra do avô José Elias alinhando frases como quem amarra cavalos à cerca: firmes, mas sempre prontas a partir. Lembra também da avó Maria Sebastiana arrematando cada história com uma moral discreta, dita quase em segredo, para que a criança que escutava aprendesse a decifrar o mundo pelos ouvidos. “Foi ali, na mesa de metal esmaltado, que percebi que quem narra não apenas registra, mas constrói memórias”, conta. Saía da cozinha em êxtase, corria para a rua e repetia a narrativa para as amigas, aumentando ou diminuindo um tom, testando a reação da plateia improvisada. Sem saber, fazia os primeiros exercícios de storytelling.

Primeiro microfone, primeiro frio na barriga

A curiosidade se transformou em ofício aos 14 anos, quando ganhou espaço num programa juvenil de rádio local. “Tremia só de ajustar o volume do retorno”, admite. Mas aprendeu depressa a administrar silêncios, blocos publicitários e entrevistas de última hora. A sensação de impactar quem dirigia ouvindo o programa fez nascer a ambição: cursar Jornalismo. Na sala de aula da faculdade, era a estudante que trazia bastidores para dentro do debate teórico. “Tínhamos aulas sobre lead; eu já sabia como um lead respirava ao vivo”, resume.

A ética como Norte

O estágio na assessoria de comunicação do SEMPRE — Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de São Sebastião do Paraíso — expôs outro lado da profissão. A jovem redigia notas sobre direitos trabalhistas e percebia o efeito imediato de cada vírgula. “Se eu atrasasse um release ou escolhesse mal uma palavra, podia afetar a vida funcional de centenas de pessoas”, recorda. A partir daí, a ética deixou de ser conteúdo acadêmico para virar convicção. “A comunicação lida com vidas; não cabe vaidade onde mora responsabilidade”, repete aos ment-randos.

Urgência que vira combustível

Ao mesmo tempo, Fernanda percorria redações de TVs regionais, experimentava reportagens de rua, gravava documentários para projetos universitários e assinava colaborações em jornais impressos. Fazia tudo com pressa, confessa. Apressava-se porque queria que os avós presenciassem o máximo possível de suas conquistas. Essa urgência, que poderia ser razão de tropeço, tornou-se combustível. Cada erro virava um ajuste de rota; cada acerto confirmava que o caminho era ali.

Quando o propósito vence o crachá

Em 2021, três anos depois de concluir uma pós-graduação em Comunicação Estratégica, ela olhou para o crachá do emprego fixo, calculou o trajeto pendular entre casa e redação e decidiu saltar. Pediu demissão e, com a economia de um ano de trabalho, inaugurou a própria mentoria de oratória. O pai disse que era ousadia demais; a mãe, que era coragem necessária. Fernanda manteve o plano: “Ou eu subia no trem ou ele partiria sem mim”. O mercado parecia abarrotado de cursos relâmpago prometendo milagres. Ela reagiu com método, disciplina e uma regra que aplica até hoje: cada aula tem teoria, prática e devolutiva imediata. “Mentoria não é palestra gravada em série; requer presença e métrica de resultado”, argumenta.

Gente antes de status

A postura crítica à banalização do título de mentor rendeu incômodos e, ao mesmo tempo, credibilidade. “Quando você luta por qualidade, não agrada a todos, mas atrai quem busca trabalho sério”, observa. Fernanda criou um banco de provas sociais: depoimentos em vídeo, gráficos de evolução vocal, gravações de alunos antes e depois dos treinos. É a “apuração jornalística” aplicada ao ensino. “Como no jornalismo, você checa fontes; numa mentoria, você checa o próprio histórico de quem ensina”, orienta.

Alphaville e o dia que parecia sonho

Em março de 2024, comprovou que a coerência abre portas maiores do que o marketing vazio. Recebeu, via e-mail, um convite para o Players Summit — maior evento de empreendedorismo do país, em Alphaville, bairro nobre de Barueri (SP). Achou que fosse trote, respondeu pedindo detalhes e descobriu que era, de fato, esperada como palestrante principal de um painel sobre “A voz como vantagem competitiva”. Chorou com a mãe; lembrou do avô. Passou um mês ensaiando diante de celular, buscando o tom que unisse experiência jornalística, técnica vocal e fé. Subiu ao palco para uma plateia de dois mil ouvintes. Terminou citando Deus e sentiu, nas próprias palavras, a promessa dos avós ecoando pelo auditório: “Foi inenarrável”, diz, emprestando termo de um locutor que admira.

A prática como caminho, nãocomo meta

Quem chega às plataformas de Fernanda encontra muitos estudos sobre técnica: projeção, pausa, respiração diafragmática, storytelling estrutural. Mas encontra, sobretudo, vídeos dela mesma falhando — gaguejando, trocando nomes, rindo de imprevistos. “Mostro porque a prática não tem fim. Experiência não é troféu de prateleira, é ferramenta que se desgasta se não for usada”, explica. Para a mentora, oratória não é dom, mas habilidade. “Conhecimento que não circula apodrece; palavra que não sai da boca adormece”, resume, parafraseando Mário Sérgio Cortella.

O livro que multiplica vozes

Em julho do mesmo ano ela participou da coletânea Vozes que Transformam. O lançamento na Bienal Internacional do Livro, em São Paulo, foi palco de nova emoção: seu capítulo, que trata da relação entre vulnerabilidade e carisma, ganhou comentários espontâneos nas redes de leitura. Duas semanas depois, a obra figurava entre as dez mais vendidas no aeroporto de Congonhas. Um amigo viajou para Miami, enviou foto do exemplar numa livraria da Flórida. “Entendi que minha voz atravessava fronteiras mesmo quando eu dormia”, conta.

Promessa cumprida e outro jeito

O trecho mais lido do capítulo fala dos avós — aquele amor que a neta nunca pôde transformar em grande reportagem. Quando perdeu o avô no primeiro ano da faculdade e a avó no segundo, pensou em desistir. Mas voltou à rotina porque entendeu que cada história contada seria, de alguma forma, continuação da promessa. Hoje inicia toda aula de storytelling relatando o romance de José Elias e Maria Sebastiana: como ele fazia serenata mesmo depois de casado e como ela dançava na cozinha ao som de uma vitrola desgastada. “Cumpro a promessa à minha maneira: escrevo o amor deles nas memórias dos meus alunos”, emociona-se.

O futuro que ressoa

Aos 28 anos, Fernanda administra seus cursos e viaja para atender empresas que enxergam a comunicação como ferramenta de liderança. Quer lançar um livro solo, desta vez mesclando memórias de infância, bastidores de redação e técnicas avançadas de voz. Mas nenhum desses planos é maior do que a intenção de manter o legado familiar de união, honestidade e fé. “Se eu venço, muita gente vence comigo”, repete, como mantra.

Aos mestres com carinho

Sempre que pode, Fernanda passa longos minutos frente ao retrato dos avós, pendurado na sala. Fixa os olhos na moldura de madeira escura e agradece. Lembra-se de que ali, na mesa esmaltada, escutava histórias capazes de fazer a alma vibrar. Hoje, nos grandes palcos, procura reproduzir aquele mesmo efeito nos rostos da plateia. Se nota brilho nos olhos de alguém, sabe que o objetivo foi alcançado. “Continuo escutando aquela voz de menino do meu avô dizendo: conte direito, menina, porque quem domina a palavra constrói o mundo.”

Do microfone juvenil ao auditório lotado de Alphaville, Fernanda Melo comprova que propósito, técnica e trabalho árduo formam a tríade que transforma qualquer história em destino. E que o eco de uma cozinha do interior pode, sim, atravessar oceanos — desde que seja conduzido pela voz de quem não tem medo de sonhar alto, cair, levantar e convidar todo mundo a subir junto no palco.