O deputado estadual João Leite (PSDB) protocolou na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (Almg) uma proposta de lei que visa ampliar a mão de obra carcerária com o objetivo de ressarcir os gastos do Estado com o detento. Pela proposta, os presos passariam a trabalhar em serviços de obras públicas, entre elas manutenção de rodovias, por exemplo, ou manutenção de bens públicos por meio de convênios entre prefeitura e presídio. A proposta ainda prevê que parte do benefício arrecadado pelo preso seja revertido para as vítimas do detendo.
A notícia foi bem recebida pela população de um modo geral, que pontua a necessidade do Estado oferecer condições para que o preso tenha a oportunidade de se reabilitar e poder voltar para a sociedade recuperado de erros cometidos. É o que destaca o estudante de direito Renan Augusto da Fonseca, de 36 anos, que apesar de concordar com a proposta do projeto, acredita que a verba revertida para custeios do sistema deveria ser aplicada de uma outra maneira.
“O recurso deveria ser divido em quatro partes iguais: uma para o reeducando estabilizar o seu regresso à sociedade; outra para projetos de reabilitação social e estudos dentro do sistema; outra para o custeio do sistema prisional e, o principal, reestruturação da educação nas escolas, pois uma boa formação escolar é primordial para a formação de um bom cidadão”, comenta.
Educação também é um ponto defendido pelo técnico educação, Samuel Queiroz, que ressalta que no regime fechado deveria haver retomada aos estudos devido à baixa escolaridade, além do trabalho, para que preso obtenha uma profissão.
“Nada mais justo e correto. Para mim, a prisão teria que ser um período de redirecionamento - o que poderíamos chamar de reabilitação. Agora, no Brasil, as coisas funcionam de uma outra maneira. Todo processo é sistêmico e demanda ações objetivas com resultados mensurados no curto, médio e longo prazo. Enfim, ‘colocar’ o preso para trabalhar envolver um conjunto de ações (sistêmicas) interconectadas com saúde, educação, ação social e entre outras questões, caso contrário, é mais uma solução paliativa dos nossos políticos, infelizmente”, avalia.
A proposta também é defendida pela zeladora do Centro de Pastoral Monsenhor Hilário Pardini, Sara Fidelis. “É necessário que o detento ocupe a sua mente, então o trabalho seria um meio para que a pessoa não tenha tempo de pensar nas coisas em coisas ruins lá dentro ou queira provocar algo negativo. É por meio do trabalho que futuramente ele pode ter a chance de se tornar uma pessoa de bem novamente, e viver na sociedade”, diz.
A contadora Elisângela Formágio, também aprova a proposta do deputado João Leite e vai mais além em sua análise sobre situação do sistema carcerário no Brasil. Em São Sebastião do Paraíso, por exemplo, o número de detentos é quase o triplo da capacidade. Ela cita que a situação vem sendo bem comentado desde o início do ano, e que no final da década de 1980, o antropólogo Darcy Ribeiro dizia que se não fossem feitos investimentos vultosos na educação, não haveria recursos suficientes para se gastar com presídios.
“E de fato, é o que se vê. Presídios superlotados, sem estrutura, nem condições básicas de atender a uma demanda que só cresce. Violência de dentro para fora e de fora para dentro. E quem sofre são as famílias. Famílias das vítimas, famílias dos presos. Mas polêmica mesmo foi levantada com a possibilidade de o Estado ter que ressarcir as famílias das vítimas de massacres recentes no norte do país”, comenta.
Elisângela questiona essa proposição citada por ela. “Como assim ressarcir famílias de detentos? E as famílias das vítimas destes detentos? É coisa para se revoltar, sim, e é aí que se sustenta a base de uma coisa em que acredito: nem sempre quando se cumpre uma lei, se faz justiça”, avalia.
Para ela, o Estado não tem como ser onipresente e não tem porquê se responsabilizar se uma pessoa entra na casa de outra e tira a vida do proprietário da casa, por exemplo. “O Estado não pode estar em toda a parte ao mesmo tempo, mas tem obrigações com aquele que mantém fechado e restrito em um espaço, e é aí que a lei garante indenizações para famílias de presos e não de suas vítimas. Não digo que concordo com isto ou aceito, mas é assim que a lei se apresenta para nós”, defende.
A contadora ainda assinala alguns pontos da proposta. “O deputado defende o projeto dizendo que os Estados podem legislar ao mesmo tempo que a União, sobre questões de segurança pública, o que daria permissão para a discussão. Pode-se, concluindo até aqui, que estejamos debatendo coisas utópicas e, portanto, inúteis, já que a nossa Constituição teria que ser modificada”, pondera.
“Vejo comentários de ex-detentos falando em ‘direitos’. Que todos nós temos o direito de errar e ter uma segunda chance. Eu discordo. Penso exatamente o contrário: temos obrigação de ser direitos. Não apenas conosco, mas principalmente com os outros e as coisas dos outros. Confiança depois de um assassinato, um estupro, um roubo, pode nunca mais ser garantida”, diz.
Elisângela cita um caso familiar, para embasar sua opinião de que errar não é um direito. “Tenho um irmão de 34 anos, que depois da maioridade nunca mais passou um único ano em liberdade. Já está quase completando metade de sua vida como presidiário. Ou deve ser muito bom a vida como presidiário ou então fica comprovado que uma pessoa depois de se entregar a uma rotina, fica institucionalizada, ou seja, não consegue mais se adaptar a uma vida normal como o resto de nós. Infelizmente.
Ele já tirou tudo o que podia de nós, mas tudo foi reposto. Bens materiais a gente trabalha e compra novamente, mas o que ele tira da gente é a nossa dignidade, o nosso orgulho de família honrada e de nome honrado; o desejo de tê-lo conosco, da sua presença, do seu convívio; de podermos comemorar um aniversário seu ou nosso lado ou passar a ceia de Natal; ele tira a alegria que a gente poderia ter a mais nesta vida e não tem, porque vive seu mundo particular, fazendo mais mal a si mesmo”, comenta.
“Sou a favor que ele trabalhe sim, que pague pelo seu próprio sustento, que seja homem de poder ao menos ajudar no sustento de sua filha, que mal conhece e acabou sendo levada de nosso convívio por tantos acontecimentos de separação. Sou a favor que repare todo o mal causado às pessoas, espero que tenha sido apenas por ter tirado coisas e não por violência. Sou a favor que também estude e que tenha todo o tempo preenchido para que não sobre espaço para besteiras, frivolidades ou pensamentos ruins. Se acaso, depois disto tudo, alguém duvidar que eu o ame, é porque não conhece o nosso histórico de tentativas para trazê-lo de volta à razão e ao convívio de quem o ama, porque na verdade, se tem alguém que não ama nesta história toda, é ele mesmo. Espero que o deputado leve adiante sua proposta. E para aqueles que temem alguma coisa ou questionem a viabilidade do projeto: algo precisa ser feito e antes que se perca o controle da situação, porque ela é, de fato, calamitosa”, completa.