A mitologia grega atrai o interesse de quase todos os povos, pelo seu universalismo e a riqueza dos símbolos. As ciências, as artes, literatura, cinema, teatro, pintura, as mais diversas modalidades do conhecimento humano usam as figuras mitológicas, sua simbologia.
Procusto, sempre lembrado pelo seu leito nefando, vivia perto da estrada de Eleusis. Atraia viajantes solitários para sua pousada, oferecia-lhes abrigo para passar a noite. Tinha dois leitos de ferro, um menor que o outro; ele o escolhia dependendo da altura dos visitantes. Segundo o mito, depois que a vítima adormecia, Procusto dominava-a e adequava o corpo às medidas exatas do leito: se ela era alta e os pés sobressaiam da borda, ele os amputava com um machado; se era baixa e tinha espaço de folga, ele esticava os membros com cordas e roldanas.
Uma das características dos mitos é sua riqueza simbólica que admite várias leituras. Procusto, por exemplo, é símbolo do preconceito. Na sua obsessão ele tornava suas vítimas do mesmo tamanho, esticando ou cortando-lhes os membros. Conotativamente, os preconceituosos cometem um crime semelhante, tentando moldar as pessoas no leito doentio da sua intolerância.
Vou mais além. Vejo o leito do nosso anti-herói também como símbolo da vida, em relação aos sonhos. Quando somos jovens, eles se excedem, são tantos que, para sua realização é necessário podar alguns. Quando chega o amadurecimento, a velhice, parece que a alma cansa de sonhar (ou é pessimismo gerado pelas decepções?). Quase toda pessoa madura restringe sonhos, assuntos, desejos, às necessidades mais simples, como a preocupação com a saúde, o vezo de falar sobre doenças, aposentadoria, remédios, como foi na última consulta e/ou cirurgia. A alma adoece? O espírito empobrece, cansa-se? Sempre que se encontra uma pessoa idosa, repleta de sonhos, alegre, com muita jovialidade, espanta-se diante da possível inadequação. É preciso que se analise tal procedimento. Há pouco tempo, eu estava em um Hospital, esperando o resultado de um exame de rotina. Ao meu lado sentou-se uma velhinha simpática, cabelinho branco até o ombro. OIhou-me, cheia de tristeza e disse: "A velhice é terrível... Só se esperam doenças e morte"... Perguntei sua idade. Já tenho setenta, disse ela. Comecei a sorrir. Eu tinha setenta e quatro, havia quatro anos eu me casara de novo, cheia de planos e sonhos. Por alguns minutos, tentei mostrar à velhinha triste, que a esperança não morre e aos setenta anos, pode-se sonhar, ser feliz. Ela me olhou, cética, como se eu fosse louca. Dali a pouco recebi meus resultados, que estavam ótimos e fui para a casa, muito frustrada, porque não consegui convencer a minha velhinha pessimista.
Naquela manhã aprendi mais uma grande lição: uma das maneiras de driblar a inexorabilidade do envelhecimento e da morte é caminhar para a velhice mantendo o espírito jovem. E, sem dúvida, o grande alimento é o sonho. Sonhar é experimentar um pouco de eternidade.
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora
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