198 ANOS PARAÍSO

Gedor Soares da Silveira: Trajetória de um mestre-escola do início do século XX

Por: Luiz Carlos Pais | Categoria: Cidades | 29-10-2019 09:22 | 3297
Professor Gedor Soares da Silveira (1874 - 1920) Fonte: Arquivo do Autor
Professor Gedor Soares da Silveira (1874 - 1920) Fonte: Arquivo do Autor Foto: Reprodução

Natural de Montes Claros, Minas Gerais, Gedor Soares da Silveira nasceu a 15 de julho de 1874 e faleceu em São Sebastião do Paraíso, a 18 de julho de 1920. Estudou as primeiras letras e o ensino secundário em sua terra natal, onde ainda concluiu o curso normal, em 1895. Nesse momento, começavam a ser criados os primeiros grupos escolares, a partir do pioneirismo do Estado de São Paulo, um novo modelo de escola para modernizar as antigas escolas isoladas. Mas no interior mineiro, havia ainda certa resistência a esse novo tipo de organização da instrução primária. Dois anos após concluir o curso normal, o jovem mestre foi nomeado como professor para uma escola isolada de Boa Vista do Tremedal, conforme noticiou o jornal Minas Gerais, de Ouro Preto, em 10 de janeiro de 1897.

Passados dois anos, no dia 2 de dezembro de 1899, Gedor Silveira foi nomeado como professor de uma cadeira para meninos de São Sebastião do Paraíso e sua esposa, Luíza Aurora de Aguiar Silveira, Dona Luizinha, foi nomeada para exercer o cargo de professora de uma cadeira para meninas da mesma cidade. O casal fixou residência em Paraíso, no final de 1899, onde alugaram uma casa situada à Rua da Maçonaria (atual Gedor Silveira) para morar, assim como para instalar as duas escolas isoladas. No que se refere ao ensino da matemática, cumpre registrar alguns traços do tempo em que o saudoso mestre exerceu o magistério.

Assim que ele chegou à cidade, encontrou como referência o Compêndio de Aritmética, um texto escolar de autoria do coronel José Cândido Pinto Ribeiro, farmacêutico, professor particular, músico e comandante da Guarda Nacional. Esse autor paraisense tinha ampla cultura humanista. Seu pai, João Cândido Pinto Ribeiro, imigrante português que estudou na Universidade de Coimbra, é considerado o primeiro professor da cidade. Memória essa que está no livro de Souza Soares, genro do coronel José Cândido, destacando que João Cândido repassou para o filho, tudo o que havia estudado na renomada universidade, incluindo letras, música, filosofia, ciências e matemática.

Além de valorizar o ensino da leitura e da escrita, o mestre é lembrado como um eficiente professor de matemática. Começava o ensino dos números com os antigos exercícios do debuxo, adestrando a mão do aluno para desenhar as letras e dos algarismos, depois as sílabas e os números com dois algarismos. Não há como deixar de lembrar dos velhos tempos, quando no interior dos interiores, ainda se fazia esse tipo de exercício, iniciando com o desenho dos símbolos, antes mesmo de falar do significado e muitos menos de colocá-lo em prática. Após o adestramento da mão, o aluno começava a escrever o nome e os numerais, quando avançava um pouco para entender a diferença entre números abstratos e números concretos. Quanto a essa última expressão, era usada para designar uma pequena quantidade de elementos materiais, por exemplo, três frutas, cinco lápis, nove crianças, antes de tratar do número como conceito abstrato.

O querido mestre, paraisense de coração, tinha adquirido uma patente de capitão da Guarda Nacional. Valorizava o estilo pedagógico militar, comandando a classe como um pequeno pelotão disposto a lutar pela grandeza da pátria. Os seus alunos perfilavam, antes de entrar para a sala, participavam das festas cívicas e desfilavam como soldados. Não tinha como adotar outro texto a não ser o compêndio do coronel, bem como preservar os métodos tradicionais, inspirados na ordem e na austeridade das práticas militares. O programa de ensino percorria a orientação clássica: números abstratos e concretos, tabuadas, sistema de numeração decimal, operações fundamentais, frações ou quebrados, sistema de pesos e medicas, razão e proporções e aplicações.

A memória do professor Gedor Silveira é reverenciada em São Sebastião do Paraíso, como educador de várias gerações. Foi mestre-escola de 1900 a 1915; primeiro diretor do Grupo Escolar Campos do Amaral, professor do Ginásio Paraisense e do curso normal anexo a esse estabelecimento. É lembrado como cidadão benemérito, prestando assistência social às pessoas carentes.

O professor Gedor Silveira foi pioneiro na formação do primeiro grupo espírita da cidade, por volta de 1902. Razão pela qual, sua memória está preservada na denominação do Hospital Gedor Silveira, fundado em 1962, uma das referências da região no tratamento de saúde mental, mantido por instituições espíritas. Na inauguração do referido hospital, seus familiares residentes no Rio de Janeiro, viajaram até Paraíso para participar da solenidade. Seu filho mais velho, Denizard Silveira, leu um discurso para rememorar os embates vividos pelo saudoso mestre, na instrução pública e nos estudos religiosos de sua crença: “Naqueles anos, tudo era difícil”, nada podia ser feito sem o consentimento dos coroneis. Era preciso resistir pelo silêncio e resignação. Mas, o mestre não se omitiu em elaborar um detalhado levantamento estatístico, publicado no jornal O Paiz, do Rio de Janeiro, em 6 de maio de 1913, mostrando que 42% das crianças do município não tinham acesso à nenhuma instrução escolar. Situação nada lisonjeira para o rico município cafeeiro, generoso em fornecer apoio à política do café com leite.

Depois de sete anos de atuação como mestre-escola, Gedor Silveira viveu um momento de transição em suas práticas de ensino. Foi convidado, em 1907, pelo padre Benatti para lecionar aritmética no Ginásio Paraisense. O estabelecimento oferecia o curso primário, com três anos de duração e algumas matérias de nível secundário. Três anos depois, foi criado o curso normal anexo do Ginásio, equiparado ao curso da Escola Normal Modelo de Belo Horizonte. Conquista que resultou da competência e esforço do corpo docente da instituição. No curso ginasial, o professor Gedor assumiu a cadeira de aritmética e sua esposa, Dona Luizinha, a cadeira de pedagogia. Essa experiência de orientar a formação de professores primários simbolizou outro momento de transição na trajetória do mestre que deixou seu nome na memória social da cidade.

O cenário geral da educação em Paraíso, na década de 1910, estava longe dos novos métodos de ensino que estavam sendo difundidos pelos grupos escolares. Prevalecia as práticas tradicionais, a memorização de regras, os exercícios de argumento, questionários com perguntas e respostas, a prática dos debuxos e cópias para aprender a escrever as letras e os algarismos. Entretanto, em 1914, dois anos antes da inauguração do Grupo Escolar, essa orientação começou a mudar, quando o professor norte-americano George Aloysios Nixon assumiu a direção do Ginásio Paraisense. Com ampla experiência, esse professor estava lecionando na cidade de Passos, MG, quando foi convidado para dirigir o Ginásio Paraisense. Nesse contexto, o professor Gedor teve a oportunidade de interagir com os conhecimentos valorizados pelo professor Nixon, sobretudo, quanto à necessidade de usar novos métodos de ensino.

Com experiência de 20 anos no magistério, em 1916, ao ser nomeado diretor do Grupo Escolar, primeiro estabelecimento do gênero da cidade, Gedor Silveira começou a vivenciar outro momento de transição na sua trajetória, orientando as práticas de ensino do Grupo Escolar, onde os professores começavam a usar recursos didáticos visuais para aplicar o chamado método intuitivo.

No que diz respeito ao ensino da matemática a análise de algumas fotografias do Grupo Escolar, tiradas entre 1916 e 1920, mostram que em cada sala de aula, do 1º ao 4º ano do curso primário, havia um armário com materiais didáticos usados pelo professor para mostrar aos alunos. É possível identificar o que parece ser instrumentos para o ensino do sistema decimal de pesos e medidas, ábacos, balanças, fichas com figuras geométricas planas, sólidos geométricos, maquetes de casas, entre outros. Em uma das fotografias, a professora do 4º ano primário está ensinando a fórmula do cálculo do volume de um cilindro reto, tendo exposto o objeto material representando o conceito.

Por ocasião da reforma Rivadávia Correia, instituída em 5 de abril de 1911, o professor Gedor enviou um ofício de felicitações ao Ministro da Justiça, externando seu ponto de vista sobre as medidas tomadas para melhor a instrução no país. Afirmou que estava completando 15 anos de magistério, expressando sua concordância pelas medidas tomadas para reorientar o ensino secundário: “É com indizível satisfação que venho felicitar Vossa Excelência pela reforma justa e necessária, que o espírito patriótico que acaba de dar ao ensino secundário e superior em nosso país”, memória preservada na Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 16 de abril de 1911.

João Fernandes Carvalho, ao escrever suas memórias, publicadas na imprensa local da primeira metade do século XX, lembrou dos tempos em que foi aluno do professor Gedor Silveira. Lembrou dos exercícios de argumentos da tabuada, realizados aos sábados, para verificar quem estava acompanhando as aulas ministradas durante a semana. O aluno que errasse recebia um castigo. Havia uma disputa entre dois grupos de alunos, organizados em duas filas, cada um voltado para um colega, à sua frente. O professor entregava cartões com questões para uma das filas e para a outra, entrega outros cartões com respostas. Estava sendo adotado um jogo pedagógico, uma prática que procurava inovar as velhas práticas de outros tempos.

O mestre estava vivenciando momentos de transição da pedagogia tradicional para as novas práticas de ensino que aparecem por ocasião da difusão dos grupos escolares. A nova organização do trabalho docente previa o uso de materiais concretos para tornar a aprendizagem mais significativa. No ensino da matemática, os métodos tradicionais envolviam os exercícios do debuxo, a repetição e memorização da tabuada, ensinada com as cantilenas entoadas em coro, ao ritmo das marchas militares. Naquele tempo, tinha-se o hábito de escolher um dos alunos mais adiantados da classe para puxar a cantilena: “Três vezes um, três. Três vezes dois, seis. Três vezes três, nove....”. A cada frase, a classe respondia em coro. Exercício pautado pela repetição, perseverança e quase monotonia, na esperança de entender o significado do ritual.

Em síntese, este texto reverencia a memória do professor Gedor Soares da Silveira, que tem sua presença na história de São Sebastião do Paraíso. Com isso queremos também reverenciar a memória de todos os outros mestres de outrora que souberam, em sintonia com os desafios do seu tempo, participar do desafio coletivo de produzir e disseminar os saberes. Com isso podemos entender o nosso tempo, superar os conflitos da atualidade e com isso deixar um mundo melhor para os nossos filhos.

Escola do Professor Gedor Soares da Silveira, São Sebastião do Paraíso. Década de 1900 - Fonte: Acervo Iconográfico do Arquivo Público Mineiro
Extrato do jornal “Minas Geraes,de 2 de julho de 1906, noticiando que o secretário do Interior do Estado de  Minas Gerais, assinou ato de elogio aos professores  públicos de São Sebastião do Paraíso, Gedor Soares  da Silveira e Luíza A. Aguiar Silveira