Waldemar Francisco de Paula é um artista nato. Por conta da profissão exercida desde a pré-adolescência, e já se vão 60 anos, esse talentoso paraisense passou a ser conhecido como Waldemar Fotógrafo. No entanto, sua atuação está registrada na história paraisense como carnavalesco, teatrólogo e compositor musical, composições que, em boa hora tem gravado para registro.
O começo de carreira como fotógrafo se remonta ao início da década de 1960 quando chegaram a Paraíso dois nordestinos, os irmãos Antônio e João (Toninho). Trabalharam na construção de Brasília, e quiseram mudar de profissão. Fizeram cursos, se especializaram, e em Paraíso começaram a trabalhar como fotógrafos. Embora nascidos no Ceará, em terras paraisenses ficaram conhecidos como Toninho Baiano e Joãozinho Baiano.
A irmã de Waldemar, Aparecida Silva (filha de Dona Valéria), era costureira afamada, e Joãozinho a procurou para que fizesse para ele uma fantasia de carnaval. Waldemar estava com 11 anos, e naquele dia desenhava na calçada, chamando a atenção de Joãozinho que o convidou para aprender retoque fotográfico. Os irmãos “baianos” tinham instalado laboratório em um quarto do Hotel do Comércio, esquina da rua Pinto Ribeiro com a rua Soares Neto. Faziam foto reportagens principalmente de acontecimentos sociais, e tudo era revelado e passado para papéis fotográficos lá no hotel.
Em 1962 os irmãos nordestinos montaram o foto na rua Pimenta de Pádua, um pouco acima da Casas Pernambucanas, ao lado da “Sensação” a loja do Cid Pádua, tradicional comerciante. Depois de uns três anos o foto foi vendido para Lucy Meire Maldi que depois de uns dois meses o vendeu para Antônio Waner Pereira, o Toninho Pimenta. Foi quando Waldemar passou a trabalhar no Hollywood Foto Lux, de Alceu Medeiros, na Praça João Batista Teixeira. Ficava bem em frente à Rodoviária, hoje Biblioteca Professora Alencar Assis. Em 1970 o Hollywood foi vendido para fotógrafo João Pimenta.
Waldemar se especializou em retocar fotos. Era um paciente trabalho artístico, feito a lápis, com ponta bem fina. Entre 1970 e 1972 ele prestava esse serviço, de manhã para João Pimenta e no período da tarde para Toninho Pimenta.
Em 1973 arranjei dinheiro emprestado e resolvi montar o Effigie Foto, na rua Dr. Placidino Brigagão numa sala no prédio do Dr. Jabur (ao lado do consultório dele) onde permaneci por dez anos, depois, do outro lado da rua, em cômodo em frente, era da Dona Filhuca, e depois viemos para a Galeria Central, onde trabalhei por 17 anos, e há vinte anos estou aqui, no prédio do Hotel Cosini, conta.
Sobre a montagem de seu próprio estúdio, Walde-mar disse da ajuda que recebeu de José Gonçalves (filho do Sr. Miguel Propé-cio). “Ele me emprestou ampliador, equipamentos de laboratório e outros materiais necessários”, lembra-se.
Certa feita o Jornal do Sudoeste produziu a edição de revista comemorativa que foi impressa em Ribeirão Preto. Dentre fotos que ilustraram a publicação, uma delas foi retocada por Waldemar. Na gráfica onde o material foi entregue, o diretor ao deparar-se com a foto encantou-se, questionando quem era o autor daquela arte, na qual foi utilizado o chamado “retoque americano”, que já naquela época, década de 80, segundo disse, eram poucos profissionais no país, que fariam. O diretor da gráfica era reconhecido fotógrafo mineiro radicado em Ribeirão, e lecionava Fotografia no Curso de Jornalismo da UNAERP, e teceu elogios a Waldemar.
Waldemar conta que essa técnica de retoques e desenhos eram muito empregadas em capas de discos, e várias delas vinham assinadas por um profissional chamado Mafra (ele não se lembra do prenome), no Rio de Janeiro. “Ele produziu uma da Ângela Maria que é um fenômeno”, explica, lembrando que seu contato com Mafra, que lhe era uma referência, foi através de Toninho Pimenta. Outro talento com quem Walde-mar se aperfeiçoou foi Marcuzzi, em Ribeirão Preto, com quem aprendeu pintura, uma técnica onde a partir do esboço fotográfico a fisionomia do fotografado era reproduzida à mão, em papéis, em diferentes poses com a utilização de tintas, e na maioria das vezes se transformavam em quadros ornamentando paredes ou ficavam expostos em móveis no interior de residências.
Retoques eram feitos em negativos de filmes, e também em papéis fotográficos registrados em câmeras analógicas. Com o passar dos anos vieram as digitais, e com elas programas que fazem verdadeiras maravilhas, algo feito anteriormente por profissionais com o talento de Waldemar Francisco, que, a bem da verdade acompanhando a tecnologia passou a utilizar desses recursos em seu estúdio fotográfico. Vieram lhe facilitar a vida.
Prestes a completar 60 anos de profissão, Waldemar fotografou algumas gerações de paraisenses. “Fotografei bisavós, avós e atualmente bisnetos”, disse ao mencionar algumas famílias.
Além dos irmãos “baianos”, Toninho e João, Waldemar teve verdadeiros mestres, aos quais diz ser muito grato, dentre eles Toninho Pimenta, Manoel Ribeiro (Lérinho), Alceu Medeiros, Foicinha, Afonso Guidorizzi e professor Ézio Ricci que lhe passaram informações importantes de como trabalhar com a química nas fotografias.
Se atualmente logo após câmeras “clicadas”, instantes depois fotos já podem ser visualizadas e impressas, o processo era muito trabalhoso e sujeito a percalços tempos atrás, a começar por eventuais problemas com o equipamento, ou com o motivo fotografado, quando surgiam “olhos fechados” além de outros imprevistos, que só eram notados quando da revelação do filme.
As fotorreportagens eram constantes nos bailes no Clube Paraisense e na Liga Operária onde aconteciam impreterivelmente, todos os finais de semana. Na segunda-feira eram expostas em formatos pequenos, nas vitrines dos estúdios.
Foram marcantes para Waldemar, registros feitos em eventos na região, juntamente com Lérinho, como a Festa da Orquídeas em Guaxupé em 1963 e 1964, e carnavais em Cássia, quando laboratórios eram montados em hotéis.
Sobre a qualidade que era impecável, “dependia muito mais do profissional que precisava conhecer sobre a influência da luz nas fotos, tinha que ser analisada, a distância, a focagem, abertura. Hoje coloca-se a máquina no automático ela faz tudo”, diz.
Quanto aos avanços tecnológicos, “no começo eu achava que a fotografia não teria comércio, era opaca, não trazia nitidez. Mas superou, atualmente igualou em termos de qualidade, não vejo mais diferença”, diz, ao complementar: “ Virou brincadeira de criança”. O diferencial está em profissionais que se atualizam constantemente, fazem cursos, se especializam, pesquisam. Os grandes profissionais que estudaram fotografia, pesquisam, trazem o sentimento da pessoa através da foto, hoje em dia são poucos. Não tem mais análises. Ainda fazemos isso, sempre procuramos trazer o sentimento das pessoas, afirma Wal-demar Francisco de Paula.
Outra peculiaridade sua é sua preferência em fotografar pessoas, o ser humano, e em seu acervo conta com verdadeiras preciosidades. Fotos inéditas de personalidades, e pessoas anônimas que, conforme disse pretende digitalizar e disponibilizar para serem apreciadas, ou para consultas.
Um desses personagens é Ubiratan Alves Moreira, o atleticano que aprendeu inglês com um marinheiro que esteve em Paraíso, e acabou socorrendo muitos estudantes em trabalhos escolares. Ubiratan, do filme “O Cabeleira”, e de muitas histórias a ser contadas.
De seu arquivo, Waldemar diz ter carinho especial por uma foto “tirada” por ele, em inverno do qual não se recorda o ano. Estava com a câmera fotográfica quando viu o Professor Carmo Perrone Naves vindo em sua direção, alinhado como sempre, terno e gravata. “É uma das fotos que mais gosto”, disse.
TEATRO
A exemplo da fotografia, sua ligação com teatro e o carnaval lhe afloraram quando criança. “Já nasci assim, a Aparecida fazia fantasias, e fui me empolgando. E sempre ligado à música, ouvia muito rádio, e isso me levou pesquisar, buscar compor, época em que surgiram grandes festivais no país. Componho há 50 anos”, explica.
Waldemar participou de festivais em Paraíso, não apenas como compositor, mas porque integrava juntamente com o professor e advogado, Benedito Paulo Oliveira e José Lázaro, o PPT (Paraíso Promoções Turísticas), que por muitos anos promoveu eventos, notadamente culturais, como teatro, festivais de música, e de incentivo, como concurso de vitrines.
A iniciação no teatro foi em peças dirigidas por João de Deus Lima. “Eu tinha nove anos, fui aprendendo encenação, minha irmã Aparecida participava, o Dino Brigagão, Mário Panacci, dentre outros. Depois comecei escrever monólogos e tive a grande felicidade de ser convidado por Sebastião Furlan para interpretar “Mãos de Eurídice”, no Cine Recreio. Tião Furlan já era conceituado e de renome, aprendi muito com ele. Aprendi a ter paciência, analisar, foi um período maravilhoso”.
Em algumas oportunidades, Waldemar se apresentou em sodalícios da Academia Paraisense de Cultura, e sempre impressiona pela interpretação e criatividade. A facilidade em guardar textos extensos, conforme diz, é “dom natural”, e também contribuem para isso, cursos de leitura dinâmica e memorização que fez no SESC e SENAC.
CARNAVAIS
De carnavais, a lembrança primeira são matinês na Liga Operária, “ainda molequinho”. A participação em blocos carnavalescos e escolas de samba vieram tempos depois, nos Velhinhos Transviados . Os ensaios eram na rua dos Antunes, em frente a casa de Aristides Gama, ao lado da antiga cadeia. Aristides era filho de Dona Geraldina, servente no Grupo Escolar Campos do Amaral. Depois passaram ensaiar na Pimenta de Pádua, proximidades da casa do Rochinha, imediações da loja do Sr. Argemiro de Pádua.
Nesta época também já existia o Bafo da Onça, na qual Waldemar também participou. “Nunca faltei um ano em escolas de samba”, disse.
A Escola de Samba Velhinhos Transviados terminou nos anos 70. Em 1973 surgiu a Escola de Samba Iaúca, e Waldemar foi convidado a tocar cuíca. Em 1976 o então prefeito Waldir Marcolini sugeriu que blocos fossem transformados em escolas de samba. Surgiram a Indaía, Unidos do Brás, Bruxos
Na sequência ele participou dos Tratões em 1981, ano em que o professor e bancário, João Batista da Silveira, compôs samba enredo retratando a volta ao mundo.
Coreógrafo, arranjador, mestre-sala, compositor de sambas de enredo, Waldemar Francisco tem lembrança especial da vitória obtida no carnaval de 1982. “Foi interessante, o Luiz Carlos de Paula (Charrete) era o diretor, montou a escola, e tive a felicidade de conseguir o patrocínio da Coca Cola. E comemoramos o resultado como melhor samba enredo, melhor carro alegórico, primeiro lugar, uma vitória fantástica, mas no ano seguinte a escola não mais saiu”.
Não obstante a brilhante vitória em 1982 com os Tratões, Waldemar disse que a maior emoção dele em carnavais foi em 1976, quando samba de enredo de sua autoria foi passado para partituras pelo maestro Geraldo Borges Campos, o Lalado. “A orquestra dirigida por ele tocava no Clube Paraisense, e quando cheguei, tocaram a minha composição. Foi ind-escritível”, afirma.
Waldemar também se notabilizou como mestre-sala em várias escolas, e tem boas recordações de porta-bandeiras com quem, em perfeita sincronia desfilou em Paraíso e cidades vizinhas. Só na Pérola Negra foram dezesseis anos.
Momento ímpar, conforme lembra, foi quando uma equipe de reportagem da Rede Globo veio a Paraíso cobrir os desfiles, e atendendo sugestão do cinegrafista, puxando o cortejo ao adentrar a Praça Comendador José Honório Waldemar curvou-se e simulou beijar o chão. Foi para o “Jornal Nacional”.
O declínio de escolas de samba nos festejos de Momo em São Sebastião do Paraíso, no ponto de vista de Waldemar se deve a vários fatores, por exemplo, famílias começaram a se afastar, e não participando ,faltou dinheiro, e as agremiações na dependência da prefeitura. Também influenciou o modismo do axé, que se alastrou país afora usando som eletrônico, o que Waldemar define como “Carnaval pula pula”, onde se apresentavam bandas famosas, que passou a arrastar foliões para a região dos lagos e represa de Furnas, além de outras cidades como Poços de Caldas”.
Questionado se Paraíso poderá reviver seus marcantes carnavais, Waldemar admite que uma alternativa seria a volta às tradicionais marchinhas, mas vai depender de local. Ressalta que depende também de incentivo, lembrando que em diversas cidades mineiras, tem dado certo. “Certa vez quando Mauro Zanin era prefeito, eu e Valdemar Maciel falamos com ele sobre isso. Propusemos isso, carnaval tradicional, explicamos que seria possível, um carnaval nostalgia. Ele falou algo interessante, destacando que o problema seríssimo é a quanto à segurança. Na época a prefeitura não tinha como assegurar a segurança, e ideia não vingou”. Lembra que há alguns anos, Creginaldo (Paraíba) promoveu um carnaval instrumental, era o que a gente queria, se tivesse continuado daria certo”.
Aos 70 anos bem vividos, coma disposição que Deus lhe deu, Waldemar recorda-se que São Sebastião do Paraíso teve bailes inigualáveis, boas orquestras, pessoas bem vestidas, comportadas, havia a segurança de andar pela rua, levar menina em casa.
Do Paraíso de hoje, opina que escolas melhoraram muito, pessoas têm conseguido ingressar em faculdades. O comércio está regular, falta alguma coisa que não sabemos exatamente o que é, inventar alguma coisa, de modo a reverter o desemprego notado no município, e por falta de oportunidade de crescimento profissional, muitos paraisenses ainda deixam a cidade.
Artista talentoso, ser humano solidário, Waldemar Francisco de Paula além de produzir trabalhos eternizando a vida e história de algumas gerações de paraisenses, é o responsável pela formação de incontáveis profissionais que também se despontaram na carreira fotográfica.