198 ANOS PARAÍSO

Meu Paraíso

Por: Redação | Categoria: Cidades | 07-11-2019 16:32 | 1303
Foto: Reprodução

Eliana Mumic Ferreira

I
Contemplo o céu constelado
De meus sonhos e memórias,
Tentando contar estrelas
E lembrar minhas estórias.

Revejo, ainda, pequena
Minha cidade, em sorrisos,
E com seu povo dizendo:
Moramos no Paraíso!    

Vejo como era bonita  
Com suas casas singelas 
Cheias de flores, na frente,
E enfeitando as janelas.

Algumas tinham varandas
Abertas de par a par,
Com vasos dependurados
E redes de balançar

II
Telhados eram de bica,
As portas sem fechaduras,
Os quintais cheios de frutas
E com hortas de verduras.

Em quase todos cresciam
Sobre jiraus de bambus,
Os pés de maracujás, 
De uvas e de chuchus.

E revestindo as paredes
De tijolos sem pinturas
A hera cobria os muros
De verde, beleza pura!

Água encanada era luxo
E de maneira geral.
Era colhida em cisternas
Ou em bicas no quintal.

III
Na Praça Matriz, os sinos
Alegres a repicar,
Na Igreja, todos os dias, 
Chamavam para rezar.

E, às vezes, tocavam tristes
Como mensagens de adeus,
A quem partia da terra
Para a morada nos céus.

Avisando que chegava
Em horas certas, também,
Os moradores ouviam 
Um longo apito de trem.

Era a Maria Fumaça
Que vinha toda fogosa
Espalhando seu braseiro
De fagulhas luminosas.

IV
A criançada a seguia,
Contando cada vagão
E para ver os "badalos"
Da chegada na Estação.

Chiavam carros de bois,
Saindo para as estradas,
Com os carreiros cantando
Ao raiar das madrugadas,

E tocando seus berrantes,
Pelas ruas sem calçadas,
Passavam os boiadeiros,
Levando as suas boiadas.

Em agosto e em setembro
Com ipês de várias cores,
A cidade e os seus campos
Ficavam cheios de flores,

V
Aos domingos, toda noite,
Uma Banda "Furiosa"
Que tocava no coreto
Punha a praça em polvorosa.

Com casais apaixonados
Em danças, ao seu redor.
E os jovens se enamorando
No "rela -rela" do amor.

Mais tarde os seresteiros,
Amantes das madrugadas
Ficavam em serenatas,
Cantando para as amadas.

Sob o calor das canções,
Em frente às suas janelas
Derretiam-se de amor,
Os corações das donzelas.

VI
Os moleques, pelas ruas,
Andavam de pés no chão, 
Brincavam chutando bolas 
Ou em rodas de pião.

Em bandos, todos os dias,
Iam nadar nos açudes,
Comiam frutas do mato
Jogavam bolas de gude.

Correndo pelas campinas
Sem ver o tempo passar,
Ficavam tardes inteiras,
Soltando pipas no ar.     

Já as meninas não tinham
Direito de andar a sós
E por isso só brincavam
Em casa ou nas vovós.

VII
Gostavam de pular corda,
Jogar maré e peteca,
Fazer cantigas de rodas
E casinhas de bonecas.

Lagoinha era o nome
Que se dava a uma lagoa
Onde os sapos, toda noite,
Coaxavam nas taboas.

Alto, baixo, grosso, fino,
Cada qual mais se exibia
Com o povo passeando
E escutando as cantorias.

De vez em quando chegava
Um circo e a novidade
Seguia de boca em boca,
Correndo pela cidade.

VIII
Dentro dele, sob a lona
E apertada em seu espaço
A plateia delirava
Com as artes do palhaço.   

No Parque de Diversões,
Era um delírio constante,
Dar voltas no Carrossel
Girar na Roda Gigante

Os mascates e ciganos
Eram sempre novidade
E motivos de alvoroço
Pelas ruas da cidade.  

Traziam tachos de cobre
Jóias roupas e calçados
Que vendiam pelas ruas
E casas do povoado.

IX
Com estranhos, todavia,
Aumentavam-se os cuidados
Com os cavalos nos pastos
E com rebanhos de gado.

Crianças usavam figas
Para afastar quebraduras
E "coisa ruim" não entrava
Em portas com ferraduras.

Medicina era caseira
Com ervas, chás e poções,
Pomadas, óleos, raízes,
Benzeduras e orações.

Bebês nasciam em casa
Com ajuda de parteiras
Além de muita oração
E rezas de benzedeiras.

X
Mas, surgindo infecções
Pós parto e hemorragias,
Não existiam recursos,
Nem a mulher resistia.

Morriam recém nascidos
Com o mal de sete dias,
Gente com apendicite,
Sarampo e pneumonia.

Pelas leis da natureza
Sobrevivia o mais forte
E renascendo das perdas
A vida vencia a morte.

Casais tinham muitos filhos
E não causavam surpresa
Aqueles com mais de vinte,
Comendo na mesma mesa.

XI
Só aos homens competia
O direito e o dever
De garantir à família
Recursos para viver.     

E competia às mulheres
Deixar a casa nos trilhos,
Lavar, limpar, cozinhar,
Cuidar do lar e dos filhos.       

Crianças iam pra escola
Com sete anos de idade,
Contudo, ler e escrever
Não eram prioridades.

Não se precisa, diziam,
Estudar para saber,
A vida é a escola
Que nos ensina a viver.

XII
No cinema, branco e preto,
Não havia projeção
Sem que a fita arrebentasse, 
Interrompendo a sessão.

Pior, ainda, era quando,
Nesse processo soez
O filme mal começava
E arrebentava outra vez

Comer pipoca era o jeito
E a paciência de esperar 
Pelos devidos reparos
E o filme recomeçar.

Cuidava-se  dia e noite
De por lenha no fogão,
Para manter água quente
E cozinhar o feijão.   

XIII
Ao seu redor os compadres,
Em noites de reunião,
De "cafezins" proseavam
Os "causos" de  assombração.

Contavam como sentiam
Gelar o sangue nas veias,
Por causa de lobisomens
Em noites de lua cheia.     

E, também, do chupa cabras,
O bicho que sempre vinha,
À noite, nos galinheiros,
Chupar sangue das galinhas.

A prosa ia espichando
E o assunto era o mistério
Das vozes e dos gemidos,
Nas tumbas do cemitério.    

XIV
Falavam da Pisadeira
E da Maria Engomada
E de Mulas sem Cabeça
Galopando nas estradas.

E que durante a Quaresma,
Em noites de sexta-feira,
Ficavam almas penadas
A vagar nas ribanceiras.

Com o Saci, alertavam,
Todo cuidado era pouco,
Porque o moleque vivia
Fazendo coisas de louco.

Andava pintando o sete
E à espreita dos ensejos
Para enganar os incautos 
E atolar vacas nos brejos.

XV
As crianças, nessas noites,
Eram levadas mais cedo
Para os quartos de dormir
Porque morriam de medo

Mas, de manhã, acordavam
Escutando o festival
Das galinhas no terreiro
E dos bichos no quintal.

O calor chegava intenso
Com as chuvas de verão
E as "enchentes das goiabas"
Davam fim à estação,     

Águas de março que iam
E vinham sem avisar,
Em torós e, de repente,
Voltava o sol a brilhar. 

XVI
Ano inteiro havia festa
A começar de janeiro:
Ano Novo, Santos Reis
E a Festa do Padroeiro.

Com as noites de novena,
Muito amor e devoção,
Quermesses e foguetórios
Em honra a São Sebastião,

Para as mulheres, na Igreja,
Era um sagrado preceito:
Usar um véu na cabeça
E  trajar-se com respeito.

Nada de roupas sem manga
E nem decotes abertos,
Nada de vestidos curtos
Nem joelhos descobertos.

XVII
Depois vinha o Carnaval
A esbanjar serpentinas,
Lança perfume e confetes
Nos cabelos das meninas.    

Para os adultos, no Clube,
Tinha baile à fantasia,
Mas o reinado de Momo
Durava, apenas, três dias.

Na quarta-feira de cinzas
Invertiam-se os papéis
E era o padre, na Igreja,
Quem conduzia os fiéis.

Punha cinza em suas testas
E atendia às confissões,
Prescrevendo penitencias
De jejuns e de orações. 

XVIII
Durante toda a Quaresma,
Carne vermelha não tinha,
Só bacalhau com batatas
E legumes com sardinhas.

Não havia casamentos
E nem festejos profanos,
Até as imagens, na Igreja,
Eram cobertas com panos.

Mas, enfim, nas aleluias,
O Judas era malhado
E a vida nova surgia
Com Cristo ressuscitado.

Três de maio havia Missa
Sobre o Morro do Baú
Com um dia de quermesse
Em barracas de bambu.

XIX
No mês de maio, o vigário
Ficava a todo o momento
Louvando a Virgem Maria
E fazendo os casamentos.

As noivas iam de branco
E virgens para o altar
E se a fraqueza da carne
Levasse alguma a pecar,

A perda da virgindade
Era um crime sem perdão:
Tornar-se  mulher de rua,
O preço da transgressão.

Em junho, festas juninas,
Tinha reza o mês inteiro,
Fogos, fogueiras, quentão,
Quadrilhas com sanfoneiro.   

 

XX
No dia de Santo Antonio       
Amontoavam-se, escritos,
Pedidos de casamentos
Com moço rico e bonito.

Para os festejos, na roça,
Desafiando a distância, 
Ia-se a pé, nas estradas,
Mesmo levando crianças.

Agosto, mês do desgosto
Mas, na Festa da Abadia,
Louvando Nossa Senhora
Muitas noites de alegria.

Dia sete de setembro,
Com ardor e muita raça,
As escolas com fanfarras
Desfilavam pela praça.

XXI
No dia 12 de outubro,
A festa de encantos mil
Louvando Nossa Senhora,
Padroeira do Brasil.

No início de novembro,
Dois dias eram sagrados:
Dia de todos os Santos
E o Dia de Finados

Por fim, chegava o Natal
De Jesus, louvado seja
E havia a Missa do Galo
À meia-noite, na Igreja.

Papai Noel era um velho
Bondoso mas exigente,
Criança mal comportada
Jamais ganhava presente

XXII
As casas tinham presépios
Feitos com arte e amor,
Representando o Natal
De Jesus, Nosso Senhor.

A estrela guia dos Magos
Lançava raios de luz
Em cima da manjedoura,
Sobre o menino Jesus.

Tinha uma chuva miúda
Que caia o mês inteiro
Mas nem a chuva  impedia
A dança dos congadeiros.

Lá na Praça do Rosário
Sob o sol, chuva ou calor,
Barracas de algodão doce,
Pipocas, maçãs do amor.

XXIII
Os congadeiros chegavam
Caprichando no gingado,
Sanfonas, caixas, pandeiros,
Chapéus de palha, enfeitados.

Tinha Congo e Moçambique
Indo e vindo com remessas
De coroados  à Igreja,
Para cumprir as promessas.

Mas a Festa das Congadas
Terminava e em seguida
Começava em Paraíso
Um Ano Novo de vida.

Cuja lei, prá ser feliz.
Era acordar de manhã,
Levantar com o pé direito,
Comer uvas e romãs.

XXIV
Cada tempo tem seu jeito,
Seu  próprio modo de ser
Seus dias e seus momentos
De ser, de amar e viver.   

Para a cidade menina
Um novo tempo se abriu,
A juventude chegou
Desabrochou e floriu.   

Irradiando os encantos
Da mocidade em sorrisos
Mas, se outrora se dizia:
Moramos no PARAÍSO!

Falamos de nossa terra
Dizendo que, desta vez:
Moramos no PARAISO, 
A CIDADE DOS IPÊS!