CRÔNICA HISTÓRICA

Arte e ofício dos latoeiros de Paraíso

Por: Luiz Carlos Pais | Categoria: Cidades | 17-03-2021 10:57 | 458
Foto: Reprodução

Um dos capítulos da história social de qualquer cidade é constituído pelo mundo do trabalho, nos seus mais diversos setores, incluindo as chamadas artes e ofícios. Esta crônica lança um olhar particular para o trabalho realizado pelos latoeiros de São Sebastião do Paraíso, Sudoeste Mineiro, nos anos 1960.

O latoeiro era um mestre artesão que fabricava e consertava diversos utensílios domésticos, usando latas e outras folhas metálicas como latão, zinco e cobre. A profissão está praticamente extinta, mas uma de suas herdeiras distantes é a funilaria de automóveis, incluindo o trabalho atual com máquinas modernas, martelos, tesouras, punções e outros materiais.

Entre os latoeiros paraisenses da época considerada, que ainda estão presentes na lembrança de conterrâneos agraciados pela longevidade, estava o saudoso Mizael Ferreiro, que mantinha sua oficina no fundo do quintal de sua casa, nas proximidades da Igreja Nossa Senhora da Abadia. Conforme contava aos seus amigos, em saborosas conversas de outros tempos, ele aprendeu o ofício com imigrantes italianos, colonos que moravam na antiga Fazenda Lagoinha, localizada na mesma região da Fazenda Ipomeia, desmembradas da Fazenda da Serra, que pertenceu à Família Antunes Maciel. Como era usual naquele tempo, toda fazenda mantinha uma oficina para fazer serviços gerais executados por mestres ferreiros, carpinteiros e latoeiros.

Outro conhecido profissional paraisense, mestre da arte da latoaria e membro de uma das primeiras igrejas evangélicas da cidade, era o senhor Zequinha Latoeiro. Durante vários anos, sua oficina funcionou numa velha casa da rua Tiradentes, próximo à esquina com a Alferes Patrícios. Anos depois, transferiu sua oficina para um pequeno cômodo comercial, localizado quase ao final da rua Pimenta de Pádua, onde passou a trabalhar com o conserto de guarda-chuvas, sobrinhas e afiação de faças e tesouras. Para divulgar os seus serviços, costuma passar pelo centro da cidade, com sua bicicleta equipada com cartazes e equilibrando um grande guarda sol.

Os latoeiros daquela época fabricavam diversos objetos com folhas metálicas novas ou reutilizando latas de 18 litros, originalmente, usadas para embalar alimentos, tais como manteiga, óleo, banha, entre outros.

Os produtos fabricados ficavam expostos em suas oficinas: bacias, baldes, tachos, funis, pás de lixo, canecas de vários tamanhos,  raladores especiais para fazer aqueles deliciosos doces de cidra ou de mamão verde. Fabricavam ainda lamparinas, regadores, formas para assar quitandas, pães e bolos, entre outros utensílios próprios daquele quadro cultural. Eram peças fabricadas com recortes e encaixes precisos, rebatidos ou arrebitados, nem sempre encontradas no comércio local ou a preço mais conveniente em relação aos produtos industrializados.

Diante do desafio atual de valorizar práticas para um consumo mais consciente, reduzindo a desvairada onda de poluição do planeta, recoloca-se a imagem social de artesãos que ganham a vida com a reutilização de diversos materiais.

Não se trata de voltar no tempo, ser saudosista, ou confundir o que é próprio de cada contexto histórico e cultural. Seria difícil negar a importância dos atuais processos industriais de automação e de produção em larga escala. Além da facilidade do acesso a produtos fabricados em outros países, cumpre valorizar a arte brasileira das classes populares, de inventar o cotidiano, reutilizar o que é possível, poluir menos e, por vezes, ainda ganhar o pão de cada dia no diversificado mundo do artesanato.