CAFÉ

Depois da geada, seca prejudica safra de café que terá queda de 38,1% em 2022

Por: Roberto Nogueira | Categoria: Agricultura | 27-09-2021 09:16 | 2331
Levantamento da Conab projeta produção de 21,4 milhões de sacas no estado que deverá ter a produção de café reduzida em 38,1%
Levantamento da Conab projeta produção de 21,4 milhões de sacas no estado que deverá ter a produção de café reduzida em 38,1% Foto: Divulgação

A safra de café em Minas Gerais deve sofrer redução de 38,1% neste ano, em comparação com 2020. O terceiro levantamento de safra, divulgado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), projeta produção de 21,4 milhões de sacas no estado nesta temporada. A redução é provocada pelos efeitos inicialmente das geadas ocorridas entre os meses de julho e agosto e também pelo déficit hídrico ocasionado pela escassez das chuvas neste ano.

O levantamento da Conab, divulgado nesta semana, foi feito entre agosto e setembro, com cerca de 95% da colheita já encerrada. Os piores resultados foram registrados na região Sul e na Zona da Mata, com quedas superiores a 40% na produção, em relação à safra anterior, recorde em volume. De acordo com a Conab, a produção de café nacional, incluindo o arábica e o conilon, será de aproximadamente 46,9 milhões de sacas beneficiadas, redução de 25,7% em relação à safra de 2020. A produção de café arábica está estimada em 30,7 milhões de sacas, 36,9% a menos se comparada ao volume da safra anterior. O conilon, por sua vez, deve alcançar produção de 16,15 milhões de sacas, com aumento de 12,8% sobre a safra de 2020.

Já era esperado um resultado inferior ao da última safra, devido ao comportamento fisiológico dos cafezais, que produzem menos em anos alternados, o que é chamado de bienalidade negativa. Mas as condições climáticas adversas em regiões produtoras, com seca e forte calor em várias fases do ciclo produtivo das plantas, além das geadas de julho, tiveram forte impacto na produção de 2021. Esses fenômenos explicam a grande diferença entre os resultados da safra em Minas Gerais e no resto do país. O café arábica, que domina as lavouras do estado, é mais sensível à bienalidade e às adversidades climáticas do que o conilon, mais plantado em outras regiões.

No caso das geadas, que atingiram fortemente a região Sul de Minas, a preocupação maior é com relação ao impacto na safra de 2022. Com boa parte dos cafezais queimada pelo frio, a fase após a colheita será de tratos culturais intensos para a recuperação das lavouras, que já vinham sofrendo, desde a primavera de 2020, com prolongado período de estiagem, que, aliás, se repete neste ano. Somente em São Sebastião do Paraíso conforme levantamento realizado pela Emater/MG cerca de 25% das lavouras do município foram atingidas e ficaram prejudicadas em função das geadas severas registradas entre o final de julho e o começo de agosto.

Conforme o técnico agrícola Ilson José Aparecido que tem prestado assistência técnica para os cafeicultores de Paraíso e região, a recomendação para as lavouras atingidas é fazer avaliação caso a caso. “Não se deve olhar para a beleza da planta, pois, teremos situações distintas tendo havido a necessidade de ter feito a poda por decote e em algumas situações o esqueletamento da planta. Nas lavouras que sentiram mais os efeitos das baixas temperaturas a recomendação foi para que se fizesse a recepa”, comenta.

Ilson esclarece ainda que para cada talhão deve ser feita uma análise, sendo que em várias lavouras não houve se quer necessidade de mexer e trabalhar em recuperação, onde as perdas foram menores. “Tivemos casos em que houve o brotamento após a geada, principalmente, onde se tem a irrigação. No entanto, na maioria dos casos devido ao tempo seco e as altas temperaturas as plantas ressecadas vão sofrer mais. O produtor vai precisar agir, pois, é um momento crucial, terminada a colheita, aguarda-se a chegada da chuva”, explica.

Outra observação se refere as lavouras que apresentam plantas com deficiência, o que significa necessidade de controle de solo. Ainda com as condições de tempo desfavoráveis, apresentando baixa umidade, é preciso ficar atento ao controle da ferrugem e fazer avaliações constantes.

Preços em alta

O gerente da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG) em Guaxupé, Willem de Araújo, explica que a situação financeira dos produtores é preocupante. Apesar da disparada nas cotações, eles tiveram que entregar o café nos preços negociados em 2020. Para se ter uma ideia, nesta semana, a saca de 60 quilos, no mercado físico, era negociada a R$ 1,1 mil, no Sul de Minas, mais do que o dobro do valor de um ano atrás.

Para garantir a produção nos próximos anos, será necessário arcar com a alta dos preços dos insumos, uma situação que vem se agravando desde o fim de 2020, como lembra o gerente da Emater-MG. “Em alguns casos, a safra deste ano, mesmo com esses valores muito elevados, vai ser a conta de cumprir os compromissos bancários e replantar as áreas afetadas pelas geadas. E os juros subiram também”, diz.

Em meio a esse cenário de crise, uma boa notícia. Willem Araújo garante que a qualidade do café produzido no Sul de Minas este ano está muito boa. “Os cafeicultores trabalharam bem no manejo das lavouras, e também tiveram muito cuidado na colheita e no período de pós-colheita. Estive em vários municípios, coletando as amostras para o concurso estadual, e pude comprovar que os cafés estão muito bons”, comenta.

Quanto ao clima, que tem tirado a tranquilidade dos produtores, o gerente da Emater-MG recomenda que sejam feitos investimentos em sistemas de irrigação, que, no Sul do estado, estão disponíveis em menos de 10% das lavouras. “Irrigação não é luxo, agora é uma questão de necessidade”, frisa.

As condições climáticas e os impactos para a safra de café em 2022 foram os temas centrais da 3ª edição do Fórum Café e Clima da Cooxupé, realizado virtualmente nesta semana. Entre os cenários traçados pelos especialistas convidados, está o impacto da crise hídrica. A seca deve pesar mais na produção de café para o próximo ano do que as geadas. “O café e a seca convivem harmoni-camente há anos, por conta da resiliência dos cafeeiros. Mas, a planta não tolera tantos períodos de seca severa, como o que vivemos. Portanto, haverá perdas”, diz o professor José Donizeti Alves, da Universidade Federal de Lavras (UFLA), um dos palestrantes do evento.

Ainda segundo Donizeti, são dois momentos que impactam na produção, o do crescimento do ramo e a florada. A seca vai encurtar a janela de crescimento do ramo neste ano, assim, vão faltar folhas para produzir café em 2022. O especialista explicou que esse impacto é maior do que o produzido pela geada, que também prejudicou cerca de 170 mil hectares de café.

Nesse contexto, o Coordenador de Geoprocessamento da Cooxupé, Éder Ribeiro dos Santos, explicou, durante sua palestra no Fórum, que os fatores relacionados ao clima impactam entre 60% a 70% na variação da produção. Além disso, entre esses fatores, a deficiência hídrica é responsável por 56% da queda de produtividade do café. “Esses fatores criam uma condição de estresse das plantas. Com intenso déficit hídrico na pré-florada e condições desfavoráveis também na pós-florada, o início da safra de 2022 não está nada favorável”, explicou. Santos também destacou que, com os longos períodos de seca, também há um baixo armazenamento de água no solo, o que impacta as plantas.

Cenário e perspectivas
E, o cenário para o próximo ano não é animador, segundo explicou o professor da Universidade Federal de Alagoas Luiz Carlos Baldicero Molion. “No trimestre de janeiro a março, teremos chuvas abaixo da média. Principalmente em fevereiro e março, haverá redução de 40% a 60% da média de chuvas”, diz. Ainda sobre as perspectivas, o bacharel em Física pela USP também destacou o cenário dentro dos próximos 15 anos. “Teremos um clima diferente, em média mais seco e mais frio, semelhante ao do período dos anos 1960 até a metade da década dos anos 1970”, explicou durante sua apresentação.

O vice-presidente da Cooxupé, Osvaldo Bachião Filho, disse que os produtores precisam ficar atentos às perspectivas futuras para repensar as tomadas de decisões.

No encerramento do Fórum Café e Clima, o presidente da Cooxupé, Carlos Augusto Rodrigues de Melo, também destacou a importância dos produtores terem acesso a essas informações e alternativas. “Principalmente com a seca influenciando tão ou mais do que as geadas. É preciso buscar ações e refletir sobre os momentos atuais”, conclui. O Fórum reuniu mais de 2 mil expectadores e pode ser assistido na íntegra no canal da cooperativa no Youtube.