JACUÍ

JUSTIÇA PARA nossos netos

Por: Fernando de Miranda Jorge | Categoria: Cidades | 21-12-2022 06:33 | 3417
Fernando de Miranda Jorge
Fernando de Miranda Jorge Foto: Arquivo

(Com a aquiescência do mestre e mito, Jornalista Dídimo Paiva, para republicar atualíssimo artigo Estado de Minas 31 de agosto 2003 e Um Bunker na Imprensa, coletânea de artigos. Conceito: 2011).

Paraninfo de uma turma de bacharéis em Direito em Brasília, o ministro José Paulo Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal (STF), fez um discurso lúcido e corajoso e pôs o dedo na ferida: “(...) a crise judiciária (...) alcançou nos últimos anos dimensões inéditas, que se desdobraram em prismas de dramática realidade”. Novidade? Claro que não. O tema da Justiça está em debate desde tempos imemoriais. Dele cuidou Dom Pedro II, no longínquo 1876, em seus “Conselhos à Regente Dona Isabel”, quando a princesa assentou no trono enquanto o pai passava uma temporada nos Estados Unidos e na Europa. Disse o imperador: “A magistratura vem provocando bastante queixas”.

Antes dele, o senador Nabuco de Araújo (pai de Joaquim Nabuco) proclamava no velho Senado: “A questão não é ter boas leis, mas uma Justiça rápida e eficiente”. Erasmo (1489-1536) dizia que “a felicidade do Estado depende particularmente de seus magistrados serem nomeados de forma correta e desempenharem suas funções de forma imparcial”. Quase na mesma linha de Aristóteles, que considera “inútil estabelecer boas leis se não há ninguém para fazer o esforço de sustentar o que foi corretamente estabelecido”.

Certo que se pode dizer que o “corporativismo” (evidente na recente briga dos magistrados brasileiros em defesa de seus direitos adquiridos em termos de proventos) causou grande descrédito ao Judiciário, o que é muito ruim para a nossa capenga democracia. Há que ressalvar, como lembrou o desembargador Carlos Fernando Mathias de Souza, do Tribunal Regional Federal (TRF), do Distrito Federal, que os magistrados vivem afogados num mar de processos.

Realmente, no Brasil um juiz para cada grupo de 25 mil habitantes, enquanto nos países adiantados há um juiz para cada grupo de 3 mil habitantes.

Nos idos de 1928, estudando a reforma da Constituição de 1891, o sociólogo Oliveira Vianna (Problemas de política objetiva) pregava a Justiça gratuita e exigia que o juiz ficasse sempre ao alcance dos “homens de nada” (pobres). O que se fez desde então? Chegamos ao ponto em que estamos. Processos comuns levam de cinco a dez anos. Viram o caso do soldado Kozel, sentinela do QG do Exército em São Paulo, morto num ataque de esquerdistas que combatiam o governo militar? Só agora – 36 anos depois – os pais do soldado vão receber pensão mensal de R$ 330,00. E como esquecer que o escabroso caso do desabamento da Gameleira (Belo Horizonte, 1971) não foi julgado até hoje?

As discussões ficam restritas aos gabinetes e ao palavreado de doutores, quando o que é preciso é de Justiça soberana, intemerata e intimorata, a fim de que todos sejam realmente iguais. Muitos chegam a defender a eleição pelo povo de seus próprios juízes, como doutrina o jurista e professor da UFMG Antônio Álvares da Silva, a exemplo do que ocorre em alguns países como os Estados Unidos. Como ficam os brasileiros, se pessoas competentes na área duvidam da eficácia do projeto de reforma (parece que prevalece o parecer do ex-deputado federal Hélio Bicudo, PT-SP, que há mais de 12 anos “dorme” nos arquivos do Congresso Nacional)?

Seja o que for e como for, é bom ter em mente o perigo da “aristocracia da toga”, como alertava Rui Barbosa, porque a “majestade dos tribunais assenta na estima pública”, e “a esperança nos juízes é a última esperança” (Obras Completas, XXIII, 10, Nova Aguilar).

Não é por falta de diagnóstico que não se cura o doente. Até cabe a pergunta: por que precisamos de tantas leis? Responde o filósofo e professor Marcelo Pierini: “Porque somos frágeis e imorais” e, sem códigos de conduta, viveríamos como selvagens nestes tempos de “civilização” informatizada. Evidencia-se, desse jeito, a necessidade de reformar o direito instrumental para acelerar (não é sinônimo de coisa apressada) o julgamento dos processos. Já a mídia está a publicar palavras de consultores e especialistas internacionais para quem a Justiça no Brasil, por sua morosidade e lentidão, “espanta os investidores”. Outros pescadores em águas turvas tendem a surgir. A palavra do ministro Sepúlveda Pertence não é de acomodação nem de conformismo. É, sim, de insubmissão diante do quadro triste que se constata no âmbito do Judiciário, habilmente trabalhado pelos donos dos podres poderes em detrimento dos despossuídos.

Registremos: se a tendência do direito tem viés conservador, como aprendemos com Francisco Carmelutti, é possível que o Judiciário seja um poder com grandes parcelas refratárias a mudanças. Bem, nós sabemos que a Justiça não brota na lei. E belos textos, mesmo inseridos nas Cartas Magnas e nos códigos, não resolvem se faltar a diligente ação afirmativa de um juiz altivo, severo no trato com os poderosos e sereno quando cuida dos menos afortunados. Por esta Justiça lutamos todos. Justiça que temos a esperança de conquistar. Se não for para o nosso tempo, Dr. Pertence, será para o tempo dos nossos netos.

Fernando de Miranda Jorge
Acadêmico
Correspondente da APC
fmjor31@gmail.com
Jacuí/MG