SEMPRE - PERFIL DO SERVIDOR

Geneilton: na hora do adeus, o profissional do sepultamento

É no cemitério que o coveiro Geneilton exerce sua atividade cotidiana e descreve sua experiência de vida
Por: . | Categoria: Cidades | 17-03-2023 18:20 | 1725
Foto: Reprodução

Geneilton Cintra de Pádua é um servidor municipal concursado como artífice de obras, o funcionário que executa serviços gerais. Por dever de ofício ele foi chamado a atuar como coveiro no Cemitério da Saudade, em São Sebastião do Paraíso, lugar em que exerce a rotina quase que diária de trabalho. A ação de enterrar uma pessoa é vista na história da humanidade há milhares de anos, como uma profissão pouco desejada, nem sempre reconhecida, mas que é exercida com um grau de importância muito grande para a sociedade, que é dar o destino final aos corpos de quem deixa esta vida e passa a residir na morada eterna.

Embora no município paraisense a atividade de coveiro não seja, na teoria, uma profissão reconhecida, na prática ela existe e é exercida plenamente por quem tem a função de sepultar os mortos. Esta prática começou ainda na pré-história pela necessidade de esconder os corpos que – com o processo de putrefação – eram alvo de ataques de muitos animais. Portanto, os enterros na antiguidade não passavam por rituais de despedida e tinham um sentido muito diferente daquele que passou a ter anos depois.

Com isso surgiu a função do coveiro, o trabalhador dos cemitérios, responsável dentre outras atividades, pela preparação das covas e dos túmulos durante um funeral. Entre as atividades de quem atua neste meio está a difícil missão de escavar no solo a vala com dimensões adequadas à urna, conduzir carro de transporte do corpo até a sepultura, descer urna através de cordas, cobri-la com terra ou colocá-la em jazigo. Além destas atribuições há também o papel de abrir a sepultura para exumação quando necessário.

No Cemitério da Saudade, Geneilton Paiva, é um dos integrantes da equipe de funcionários incumbidos da missão de exercer o trabalho de coveiro. "Tudo começou há uns seis anos. Sou artífice de obras concursado pela prefeitura, mas aqui trabalho como coveiro. É uma função praticamente extinta na cidade, mas tem que ter alguém para exercer", conta. A jornada cotidiana é puxada em 12 por 36 horas, que pode ter escala em dias de semana, finais de semana, feriados ou em datas inesperadas como Natal, Ano Novo ou em qualquer outra data festiva. "É triste, pois, nestes momentos não há o que se comemorar", observa.

Logo quando chega de casa no trabalho, ainda na parte administrativa do cemitério, Geneilton prepara e toma o café antes de iniciar as atividades. "Saio ali para dentro para fazer a limpeza, tem a capina, manutenção de alguns espaços. Quando tem sepultamento, recebo o endereço e vou cavar a sepultura", conta. Ele diz que na maioria das vezes é preciso retirar restos mortais que vão dar lugar a outro corpo.

"No começo eu ficava com receio, medo de alguma coisa, hoje não mais", diz. Geneilton pensa na família que tem para tratar e desempenha sua função com naturalidade. "Fui deixando o medo de lado e faço o serviço, sempre pensando para frente, sem ficar preso naquilo que acontece", descreve. Muitas vezes quando possível e sem que as pessoas percebam ele ouve música. "Gosto de música boa, em todo lugar, mas principalmente aqui ajuda a passar o tempo, acabo me distraindo enquanto trabalho", comenta.

Apesar de ter se acostumado com a rotina, Geneilton afirma que entre 2020 e 2022 foram os anos mais difíceis da profissão. "Foi o tempo da pandemia, um período muito puxado de trabalho, uma época muito triste mesmo, ficamos apertados", cita. Ele relembra de ter dias de o cemitério ter ficado praticamente fechado para visitações. "Havia o protocolo de segurança, era preciso usar roupas especiais, luvas, máscaras, fazer a higienização". Mesmo assim não foi possível escapar da doença. "Foram os dois piores anos que trabalhei aqui, era muito triste demais".

De acordo com o coveiro, por vezes, é preciso exercer outras funções. "Temos de ser amigos, emprestar o ombro, as vezes fazemos o papel até de psicólogo, que é ajudar naquele momento da despedida, é saber ouvir, dar um conselho, orientar a quem está ali naquela hora difícil", observa. Geneilton comenta que quando possível conversa com o familiar que está "desnorteado". "Sempre digo que estamos aqui de passagem, eu também vou passar um dia, mas ainda quero viver bastante, curtir minha família", conta.

Muitas vezes a pessoa chega desesperada quando perde um familiar, um amigo ou pessoa próxima. O coveiro alerta que é nesta hora em que não há separação. "Quando chega aqui todo mundo é igual, não tem branco ou preto, religião, se é rico ou pobre, todos são iguais e vão para o mesmo lugar debaixo da terra", ensina. "O que me comove mesmo é quando preciso fazer sepultamento de criança, chega aquele caixão pequenino, branco, aquilo para mim é muito dolorido, é de partir o coração. É preciso ter fé e rezo a Deus para que todos tenham um bom descanso", completa.

Mesmo sendo uma das horas mais difíceis Geneilton afirma que por vezes encontra satisfação pelo que faz. "Às vezes as pessoas vêm nos agradecer, mesmo que não seja na hora, no dia. Uns até voltam depois, fica a sensação de que não foi em vão aquilo que fizemos, mesmo no momento mais difícil, fizemos o nosso trabalho. Nem todos reconhecem, mas estamos ali para fazer a nossa parte".

Apesar da profissão ser uma das menos desejada o coveiro explica que é necessário que haja quem faça o serviço. "Tem que estar preparado, faça sol ou chuva, frio e calor, é uma missão, volto para casa com a sensação do meu dever cumprido, fiz a minha parte", finaliza Geneilton. É pelas mãos do coveiro que se chega a última morada.