• CONVERSA FORA •

Conversa Fora

por Murilo Caliari e André Rodrigues Pádua
Por: . | Categoria: Do leitor | 13-07-2024 02:57 | 1124
Foto: Arquivo

Na coluna de crônicas de hoje dou sequência ao que havia iniciado na semana passada. Narrar episódios de um bate papo com um tipo de tutor. André, por outro lado, se firma em comentários especulatórios sobre futebol e busca gerar através do ritmo pulsante e da aliteração fonética, uma experiência sensorial. Confira aí:

Outros (mil e) quinhentos

por André Pádua

No ônibus (ou na fila do banco? Ou, quem sabe, na mesa do bar?), a conversa fora da vez analisava os possíveis fatores que levaram à trágica eliminação do escrete brasileiro na Copa América, ocorrida na noite de sábado:

- A seleção caiu fora por falta de competência dos jogadores… Ê geraçãozinha corpo mole, mais preocupada com a fotografia do que com a bola. Mas também, de que outro jeito podia ser? Boa parte ali tá na faixa dos vinte e poucos, nem das fraldas eles largaram ainda. Além do mais, todo mundo ganhando um dinheirão na Europa… quem é que vai querer qualquer coisa com o Brasil nessa situação?

- Não, não, que isso. Não tem nada a ver jogar pra todos a responsabilidade pelas mancadas de alguns. No geral, o time foi regular. O Endrick errou toque de bola e perdeu uma ou duas oportunidades; o Militão foi cobrar pênalti mesmo não tendo rendido nada no treino, Alisson esperou demais pra pular na bola do Bentancur. Fora isso, o jogo inteiro foi bem fraco. Pouco tempo de bola rolando e quase nada de chute no gol. Numas dessas fica ruim de sair apontando dedo pra quem seria ou não o culpado.

- Cês dois tão mesmo por fora... – disse um terceiro – Quem pecou ali foi o Dorival. Não só ele, mas principalmente ele. É o técnico, pô, e não conseguiu se impor coletivamente. O time com um a mais na metade do segundo tempo e ele enrolando pra começar a mexer. O resultado foi aquele vexame que passou na concentração para os pênaltis, totalmente ignorado e jogado pra escanteio.

Incrédulo com a miopia dos demais, outro dos especialistas de esquina respondeu:

- Dorival? Tá de brincadeira, né? O Dorival foi só o azarado pra quem sobrou assumir a lambança toda que anda nossa seleção. Fez um péssimo negócio de largar o São Paulo numa fase boa pra assumir essa bucha. Se não melasse na mão dele, melaria na mão de outro. Isso tudo porque o buraco é mais embaixo; tem uns dez anos já que o verdadeiro problema do Brasil é a CBF…

         - O problema do Brasil? Isso aí meu amigo, são outros quinhentos. – interrompeu um passante alheio à conversa fora que, na hora do jogo, no sábado, já estava no sétimo sono. – Tem cabimento o dólar chegar a quase seis com a SELIC acima de dez e a inflação a quatro?

Conversas com Dr. Olinto

- parte 2 -
(Macaco, Leão e Porco)

por Murilo Caliari

Ao que entendi, a metáfora deriva de uma lenda árabe, e tal analogia é comumente difundida nas reuniões do AA. Dr. Olinto, sábio bel-horizontino, me instigou a pensar no assunto quando estávamos no nosso posto, dando continuidade aos “trabalhos”. Eu bebia Brhama, ele se refrescava com uma Heineken zero álcool. Enquanto eu começava a terceira garrafa, Dr. Olinto terminava a sexta.  Em meu semblante era visível a alteração. Segundo meu companheiro de copo, eu alterava entre o estágio sociável e alegre do macaco, e o desmazelo do porco. Ele, por sua vez, mantinha a serenidade e a lucidez preservadas. E pode avisar que eu iria de encontro ao chão, caso não afastasse a cadeira do alpendre. Comentou que eu atravessava entre os extremos porque ainda não tinha notado o lado dominador, nem outros aspectos agressivos do leão. Acontece que, depois de ir embora do bar, eu peguei um desvio e outro, e mais outros. E acabei me prejudicando. Reincidências à parte, rascunho esta leva de ideias a fim de projetar a visão do velho sábio. Busco a partir do exemplo desse senhor de 78 anos, que parou de beber por motivos semelhantes, me firmar na ponta da caneta, ajeitar a postura e seguir errando... até chegar no acerto.

Conversa vai, conversa fica... No Caminho do Meio, é instruído que não se deve ser precioso como uma jade e nem bruto como um cascalho. Parei de beber, e essa decisão me puxa a orelha. Hoje notei no espelho meu rosto machucado. Adquiri essa cicatriz num tropeço. Minha avó me falou para andar sempre com um espelhinho no bolso, e quando pensar em beber, olhar para o meu rosto. Assim, essa marca que levo na testa, vai me avisar que é hora de voltar para casa. Tento me espelhar e ser assistido por vozes mais experientes e percebo: processos demandam tempo, o tempo leva à experiência e a continuidade guia o caminho.