EJA

"O Espetáculo da Vida na EJA"

"Uma mesma história pode ser contada e recontada de diversas maneiras. Um mesmo fato pode ser descrito como épico ou insignificante, cômico ou trágico, assustador ou sedutor, tudo depende do ponto de vista do narrador e de sua relação com o fato n
Por: Roberto Nogueira | Categoria: Cultura | 21-10-2017 10:10 | 1660
 Professor Artur Gomes com alguns de seus alunos autores da obra literária
Professor Artur Gomes com alguns de seus alunos autores da obra literária Foto: Roberto Nogueira

O que está feito, não está por fazer. E assim a obra iniciada no começo do ano quando o professor Artur dos Santos Gomes propôs aos seus alunos um desafio, chega agora ao seu momento final, a noite de autógrafos. O evento está marcado para o dia 27 de outubro, às 19h30, no Teatro Municipal Sebastião Furlan, em São Sebastião do Paraíso. É o capítulo de ouro do livro "O Espetáculo da Vida na EJA", escrito pelos alunos da Escola Municipal Campos do Amaral, que freqüentam as aulas do projeto Escola de Jovens e Adultos. 
Para chegar a este momento foram dias e noites de muito trabalho e dedicação. Professores e alunos reuniram-se em torno de um só objetivo e estão prestes a lançar a obra que eles produziram. "A ideia de produzirmos o livro surgiu com o projeto que desenvolvemos com os alunos dentro da EJA. Foi um desafio proposto aos alunos em que eles aceitaram e que após um intenso trabalho com ajuda de vários outros colegas professores, apoio da direção da escola, parceria com amigos e muita dedicação resultou nesta obra", conta Artur Gomes, idealizador do projeto.
Ele comenta que a princípio os estudantes ficaram ressabiados e até chegaram a questionar a proposta, pois, não sabiam onde podiam chegar e quais eram as pretensões do trabalho. Conforme professor Artur, os alunos da EJA são muito sofridos por suas histórias de vida. "A grande maioria exercem dupla jornada trabalham, alguns são chefes de família, trabalham o dia todo e à noite dedicam-se aos estudos. Alguns estão sendo alfabetizados dentro do projeto", relata. 
Conforme o professor no começo dos trabalhos houve até uma certa resistência por parte dos alunos. "Até que eles entendessem o propósito pretendido foram vários momentos de reflexão e depois a adesão tornou-se espontânea, passou a ser participativa e ao longo do projeto acabou tornando-se algo bastante prazeroso a todos nós", acrescenta. Um dos fatores que chamou atenção dos alunos foi a opção pela poesia.
"Foi um dos motivos que causou questionamento, pois, havia a ideia de que o estilo já estivesse ultrapassado, que era coisa de mulher e até outras idéias preconceituosas, que foram superadas com a sequencia das aulas e explicações apresentadas pelos professores", descreve. A opção pelo estilo poema possibilitou ofertar aos alunos maior liberdade para que cada um escrevesse livremente e os professores oferecessem suporte para o que foi produzido. 




SATISFAÇÃO
Depois de meses de trabalho e conferir a obra concluída com o livro pronto, o resultado final é considerado bastante gratificante. "Representa muito para cada um deles, uma transformação de vida, considerando que estão saindo de uma condição anônima para serem autores das próprias histórias, um feito que muitas pessoas até com mais condições intelectual e financeira ainda não alcançaram", celebra o professor.
Entre os alunos que participaram da produção do livro Luzia de Oliveira, 7º ano, comenta que ter participado do projeto foi um desafio e um prazer. "Nunca tinha escrito nada. O professor propôs, a gente fez e eu gostei muito do resultado que ficou muito bom. Agradeço a todos que nos ajudaram". Ela escreveu sobre ser mulher e da sua história de vida. "Nunca imaginei que pudesse chegar a este ponto de escrever um livro  e estou muito feliz". 
Outro estudante autor de um poema é Joel Antonio Cardoso , aluno do EJA  9º ano que falou de seus sentimentos  no projeto.  "Para mim foi uma questão de esforço que fiz para participar. Eu quis terminar os estudos que não tinha. O professor nos chamou para tentar, eu peguei um pedaço do meu dia a dia e saiu um capitulo do livro", resume.  Mesmo tendo um pouco de dificuldade para escrever ele fala com orgulho da conquista. "Fui alfabetizado já adulto  e agora que estou aprendendo a acabar de escrever direito está sendo uma vitória. Fica o convite para que a comunidade possa vir participar conosco, não vamos decepcionar ninguém", acrescenta. 
Emoção total foi a maneira que a aluna Aparecida Ribeiro da Silva, do 9º ano definiu sua participação na obra. "Nunca tive oportunidade de estudar quando menina  e aproveitei este trabalho do EJA. A escolha da poesia foi o meu forte porque eu adoro  e nem tive dificuldade para fazer porque eu gosto", descreve. Ela ainda aconselha que outras pessoas também vá em busca deste sonho de aprender ler e escrever. "Corram atrás dos seus sonhos, completem os estudos. As pessoas só tem a ganhar é uma realização muito grande, fico até emocionada, sem palavras". Em seu poema Aparecida escreveu de seu amor pela vida e de seu time do coração o Palmeiras. 
Para a diretora da E.M. Campos do Amaral, Elainy Cristina dos Santos Lisboa é um motivo de muito orgulho, participar de um projeto em que todos são autores. "A EJA é um trabalho diferenciado em que você tem que aliar os conteúdos com a vida prática dos alunos. Todos são autores, ativos e participaram dando as suas idéias", comenta. Ela ressalta que o trabalho gerou um filho. "Eles iniciaram uma gestação no começo do ano e a culminância é o lançamento do livro que nós teremos no próximo dia 27 de outubro".
Artur Gomes conta que até ele ao se envolver no processo de produção do livro alcançou novos conhecimentos. "Até para mim foi um grande aprendizado. Aprendi a editar, através do Word, estudei pela internet sobre diagramação, recorremos aos amigos da APC (Academia Paraisense de Cultura) que deram palestras aos alunos, nos mostrou os caminhos para o registro da obra", anuncia. O professor faz questão de ressaltar que a obra possui número de registro na Biblioteca Nacional. 
A falta de recursos financeiros para custear despesas foi outro obstáculo superado. "Para que conseguíssemos este feito foi necessário realizarmos um almoço, com a venda de marmitas para angariar fundos e pagar os custos do registro e outras despesas. Mesmo algumas etapas, sendo feitas por nós em outras tivemos que bancar com apoio da comunidade escolar", afirma.
A diretora destaca que a satisfação é de toda a escola. "Isso é muito importante para nós e para eles, é um orgulho folhear um livro no qual as pessoas que praticamente estavam excluídas e eram anônimas na sociedade, muitas destes alunos começaram conosco na escola de alfabetização e estão concluindo agora o 9º ano com chave de ouro, são os protagonistas desta história", avalia. Elainy conta que desde o começo os alunos estavam empenhados e contagiou toda equipe e envolveu toda escola que abraçou o projeto. "Foram várias etapas, pesquisas, consultas aos livros, até a biblioteca passou a ser aberta também à noite para que eles tivessem acesso a tantas outras obras", completa.




CHAVE DE OURO E NOITE DE AUTÓGRAFOS
Conforme o professor idealizador do projeto esta não é a primeira vez que ele enfrenta uma situação tão desafiante frente aos seus alunos que ele confirma gostar, por buscar, aprender, ensinar e compartilhar como é o mistério da profissão. "Eu gosto deste tipo de desafio, já participei de um concurso nacional, através de um trabalho em outra escola do município com crianças que ninguém dava nada para elas e elas se sobressaíram, aqui também não foi diferente e estamos tendo a felicidade de neste momento entrarmos em contagem regressiva para o lançamento do livro que acontecerá no dia 27", ressalta.
A noite de autógrafos para o lançamento do livro é parte integrante da programação do aniversário da cidade que completa 196 anos. Artur antecipa que está sendo programado outras apresentações. "Teremos uma grande noite junto com nossos alunos junto aos familiares, amigos e a sociedade paraisense que está sendo convidada a participar deste momento grandioso na vida deles e até em nossas vidas também", finaliza.
Com o sucesso deste projeto Elainy já pensa na realização de um novo projeto semelhante para a escola em 2018. "Pretendo sim continuar e quem sabe a cada ano lançarmos um livro, promover os alunos, os professores. A semente foi lançada e os frutos colheremos ao longo do ano", diz. Para tanto toda a comunidade escolar já está mobilizada. "Temos pais e avós que estudam à noite, e queremos reunir todos os atores deste processo como família . Eles abraçaram a causa, é uma comunidade de mais de 500 alunos, mais de 60 funcionários além da comunidade externa que veio colaborar conosco acreditamos que será mais um grande sucesso", finaliza.

Capa do Livro traz imagem do prédio  da Escola Campos do Amaral