ELY VIEITEZ LISBOA

O impasse moderno

Por: Ely VIeitez Lisboa | Categoria: Cultura | 28-10-2017 17:11 | 1361
Foto: Reprodução

Ficção não é fantasia, mas realidade recriada. Uma supra realidade baseada na vivência, na experiência do escritor. Ela depende também da cosmovisão do criador, de suas antenas, de sua maneira de ver o mundo. O grande escritor francês André Gide, prêmio Nobel de Literatura em 1947, afirma que não há obra-de-arte sem a colaboração do demônio. Ele acredita que só quem sofre, experimenta dores e abismos, pode escrever obra densa, forte, convincente e profunda. A felicidade afrouxa o espírito, turva a sensibilidade, deixa o criador tíbio, só capaz de produzir textos róseos e açucarados, que falseiam a realidade. Ou então, o que é pior: imbuídos de um otimismo falso e mercantilista, o autor escreve livros de autoajuda, que não chegam a ser nem paliativos, mas meros placebos.
Analisando os meandros das obras de ficção, tomemos as novelas televisivas. Onde o autor procura material para uma trama interessante? Na própria sociedade. Inspira-se na vida real, em fatos, livros, acontecimentos para conquistar o público, condimenta a história com posicionamentos esdrúxulos, cria personagens amorais, arrojadas, excêntricas, mostra uma pretensa realidade sem tédio, com muito glamour, violência e episódios atraentes, "ganchos" excitantes. Dá-se então o círculo vicioso. O material recolhido na vida real começa a influenciar e seduzir os telespectadores, que às vezes imitam a ficção.
Ora, o próprio papel da Televisão, como meio de comunicação, é uma arma perigosa, globalizada; ela conquistou todos os lares, dos mais variados status. Transforma as informações, seleciona-as com critérios discutíveis, tornando-as emocionantes. Preferem-se, sempre, os fatos escabrosos, escândalos, crimes nefastos, programas de um gosto discutível que enaltecem valores escusos, sempre pagando tributo ao Moloch do Ibope, da conquista de maior audiência. 
Sabe-se que não há volta no chamado progresso tecnológico. A televisão instalou-se para sempre no dia a dia moderno. Só resta salvar, se isso for possível, a capacidade individual de julgar, filtrar, analisar, escolher. O telespectador não pode ser uma cloaca ás avessas, ou um sorvedouro de dejetos da baixeza dos homens.
Parece que a situação é irreversível e uma única defesa é aguçar o espírito crítico, devidamente alicerçado na lucidez, para que o ser humano saiba analisar e escolher tudo que é bom para seu intelecto e sua alma. O veneno é letal e constante, a terapêutica difícil. A esperança é que se discuta muito sobre os possíveis antídotos para minimizar esta síndrome de alienação que grassa no mundo atual.
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora.
E-mail: elyvieitez@uol.com.br