Muito além da “aluna sozinha”: Isa Rezende vira símbolo de talento plural na UFLA-Paraíso

Primeira formanda do ciclo básico no novo campus, jovem paraisense alia arte, comunicação e engenharia para motivar calouros
Isadora exibe o certificado do ciclo básico e faz a clássica “mordida” de comemoração no palco da Acissp Foto: Divulgação

Quando subiu sozinha ao palco montado no Theatro Acissp para receber o diploma que encerra o primeiro ciclo do Bacharelado Interdisciplinar em Inovação, Ciência e Tecnologia, Isadora Bernardo Rezende, 21 anos, não pensou em solidão. “Era uma conquista minha, mas também coletiva; queria que os calouros vissem e se sentissem motivados”, conta. Primeira estudante a concluir essa etapa no jovem campus da Universidade Federal de Lavras (UFLA) em São Sebastião do Paraíso, ela fez discurso, juramento e colou grau sendo, ao mesmo tempo, formanda, oradora e paraninfanda. O registro viralizou – de novo. Mas Isa prefere que o público enxergue quem é, e não o que faltou à sua volta.

A jovem paraisense já havia atraído holofotes no ano passado, quando mostrou nas redes sociais como é cursar algumas disciplinas específicas literalmente sozinha. Desde então, tornou-se embaixadora informal do campus: grava vídeos apresentados com desenvoltura de quem viveu cinco anos nos palcos da Oficina de Artes Cênicas Sebastião Furlan. “O teatro lapidou minha voz. Hoje dou oficinas de oratória para colegas; comunicação boa abre portas em qualquer carreira”, diz. Não por acaso, professores a convidam para representar o campus em feiras de profissões e rodas de conversa no ensino médio.

O carisma, porém, não encobre as lutas travadas nos bastidores. Logo no primeiro semestre, Isadora enfrentou a aridez do cálculo universitário que “parecia ter virado de cabeça para baixo”. O desafio abalou a segurança de quem sempre tirava notas altas em matemática na escola. Ao tentar decifrar integrais que se estendiam por páginas, descobriu que pedir ajuda não diminui ninguém. “Aprendi a dizer ‘não sei’ e a valorizar o professor que se dispõe a explicar cada etapa. Foi meu maior ganho humano na universidade”, admite.

De lá para cá, ela transformou dúvida em ponte: ajuda colegas a destrinchar relatórios e lidera grupos de estudo. Essa atitude colaborativa também atrai seguidores on-line. “Quanto mais compartilho o cotidiano do campus, mais gente se interessa. Neste ano todas as vagas oferecidas no Sisu foram preenchidas; temos calouros de onze estados”, comemora. A presença desses estudantes movimenta repúblicas, imobiliárias e restaurantes, além de estimular adolescentes das escolas Clóvis Salgado e Benedito Calafiori a permanecerem na cidade em busca de ensino superior gratuito, provando que a “universidade funciona de verdade”.

Isa carrega ainda outro símbolo: ser mulher em um campo historicamente dominado por homens. E isso não tem nada a ver com discurso sexista. E um fato. Ciência, tecnologia, engenharia e matemática formam o quarteto STEM cujas estatísticas de gênero costumam pesar contra elas. “Saber que abro caminho na Engenharia de Produção me enche de orgulho, mas quero que deixe de ser exceção. O lugar da mulher é onde ela quiser, inclusive em laboratório e chão de fábrica”, diz.

Com o primeiro ciclo concluído, a estudante inicia agora a fase profissionalizante de dois anos, focada integralmente na Engenharia de Produção. Pretende mergulhar em gestão de processos, logística e inovação industrial – áreas que combinam raciocínio analítico e capacidade de liderança, virtudes que cultiva desde o teatro. “Quero estagiar em empresas locais e testar tudo o que a sala de aula ensina. Daqui a pouco, em vez de monólogos, apresentarei projetos de melhoria de desempenho”, brinca. No horizonte, cogita mestrado ou especialização que a mantenha conectada à pesquisa aplicada.

Perguntada sobre o que diria a quem teme caminhos pouco convencionais, Isadora evoca a coragem que guiou sua própria escolha: “O diferente assusta, mas é nele que a gente cresce. Se eu não tivesse parado naquele estande da UFLA na feira de ciências, talvez nunca descobrisse a engenharia. Desafios revelam potenciais escondidos – e a história que vivemos passa a ser só nossa, irrepetível”.

Num tempo em que a velocidade dos cliques pode reduzir histórias a rótulos fáceis, Isadora faz questão de ocupar todas as nuances: artista e futura engenheira, comunicadora e aprendiz incansável, pioneira que olha para trás apenas para abrir a porta aos que vêm depois. Da cena solitária que viralizou emergiu uma personagem coletiva, espelho de talentos plurais que a UFLA-Paraíso ajuda a revelar.