O Grande Comendador

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Foto: Reprodução

Por Eliana Mumic Ferreira

Na madrugada do dia 9 de julho de 1990, no velho solar da Rua Pinto Ribeiro, 785, o relógio antigo de pêndulo dourado silenciou às duas da manhã. Nesse instante, o coração de um velho guerreiro, vencedor de muitas batalhas, cessara de bater para sempre.

Seu corpo, com a costumeira dignidade serena, repousava entre camélias brancas e crisântemos amarelos, naquela mesma sala tradicional e espaçosa, repleta de lembranças — entre retratos e relíquias de uma época distante, troféus conquistados por uma vida cheia de realizações e espiritualidade.

João Pio de Figueiredo, nasceu em São Sebastião do Paraíso, no dia 19 de julho de 1895, em pleno amanhecer da velha República. Seus familiares chamavam-no carinhosamente, de Zizito, e assim tornou-se conhecido pelos demais.

Estudou no Ginásio Paraisense e, distinguindo-se depois, como grande fazendeiro e líder político. Possuía caráter humanitário e piedoso. Foi prefeito por duas vezes, entre os anos de 1939 e 1947, governando o município em tempos difíceis, com a população ainda abalada com a queda da torre da Igreja Matriz, durante forte vendaval, dois anos antes.

No início de seu primeiro mandato, uma nova tragédia viera cobrir a cidade de luto e tristeza: a morte súbita do pároco Monsenhor José Felipe da Silveira, um de seus maiores amigos, ocorrida durante a celebração de uma missa.

O prefeito manifestou o sentimento geral decretando luto oficial por três dias.

O povo, moralmente abatido e o município à beira da falência. De sobra, veio a Segunda Guerra Mundial, que provocou o colapso no mercado do café — principal riqueza da região. Mesmo assim, Zizito conseguiu realizar um governo sóbrio, equilibrado e eficiente. A consolidação das finanças públicas e o pagamento da dívida municipal foram suas maiores conquistas.

Elaborou também um projeto de abastecimento de água para a cidade, que, por razões políticas, não chegou a ser executado.

Em 1945, com o fim da guerra, a cidade viveu um momento feliz de congraçamento e euforia geral, quando a cidade em festa recebeu seus filhos de volta, os pracinhas paraisenses que haviam lutado na Itália.

Durante toda a sua vida, Zizito foi um doador inveterado. Seu coração magnânimo não resistia aos apelos e necessidades.

Entre suas inúmeras doações destacam-se:

• o Altar-mor da Igreja Matriz, todo em mármore de Carrara, e a imagem do padroeiro São Sebastião, obra de escultor italiano premiada com um primeiro lugar no Rio de Janeiro;

• doou o terreno para a construção da Escola Municipal da Fazenda Olhos d’Água, onde preservou um esplêndido jequitibá-rosa bicentenário, símbolo de seu amor à natureza;

• para a Santa Casa, instituição da qual foi provedor por quatro anos, a doação de um bloco cirúrgico completo;

• a Associação Atlética Paraisense recebeu dele a área para a construção estádio de futebol;

• um apartamento para doentes mentais foi doado ao Sanatório Gedor Silveira

• e várias contribuições ao Asilo São Vicente de Paulo.

Em reconhecimento por sua vida pública e benemerência, recebeu a Cruz de Ouro de São João de Latrão e o título de Comendador da Santa Sé. Posteriormente, recebeu novas láureas e diplomas honoríficos, inclusive o Grande Colar conferido pela Câmara Municipal paraisense.

Seria impossível enumerar todas as suas passagens e atuações pelos mais diversos setores públicos e privados do Município e da União. Deixou muito de si, por toda a parte, por onde andou.

Foi casado com Dona Delmira de Andrade Figueiredo, senhora de nobres e belas qualidades, que infelizmente faleceu muito cedo.

Zizito ficou só, com os onze filhos do casal:

Maria Madalena, Maria Zélia, Maria Salomé, Maria Abadia, Maria Aparecida, Maria de Lourdes, João Francisco, José Luiz e Antônio.

Estes e seus descendentes representam sua maior doação, o mais importante legado à cidade que ele tanto amou.

Faleceu aos 94 anos de idade. Seu corpo, piedosamente velado, foi sepultado no jazigo da família, com honras devidas ao grande Comendador e homem público que sempre foi.

Seu espírito, no entanto, permanece vivo, apontando caminhos para as gerações futuras, que encontrarão em seu exemplo, altruísmo e humanidade a certeza dos valores eternos dentro da transitoriedade da vida terrena.

São Sebastião do Paraíso, 10 de julho de 1990.

(Texto histórico originalmente publicado na edição n.º 225 do Jornal do Sudoeste em  14 de julho de 1990)
Eliana Mumic Ferreira,  Membro Efetivo da Academia Paraisense de Cultura – APC