Giovani Duarte: “o bombeiro age com a prática; o poeta, com o coração”

Com quase três décadas de atuação, o sargento Giovani Duarte é referência no Corpo de Bombeiros de São Sebastião do Paraíso Foto: Reprodução

Entre o som das sirenes e o silêncio das madrugadas, o sargento Giovani Duarte aprendeu a ouvir o que há por trás de cada chamado: o coração humano. Há 27 anos no Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, ele é reconhecido em São Sebastião do Paraíso pela serenidade com que encara o perigo e pela sensibilidade com que transforma as experiências do trabalho em versos.

Natural de Paraíso, Giovani viu a farda e a poesia se encontrarem na mesma vocação — a de servir e compreender o outro. Bombeiro por dever, poeta por instinto, encontrou equilíbrio entre o concreto e o simbólico. Membro honorário da Academia Paraisense de Cultura (APC), lançou em 2018 o livro de poesias Arquitetura Íntima, obra que reúne reflexões sobre a vida, o tempo e a essência humana. Desde então, segue escrevendo entre uma ocorrência e outra, provando que o fogo da vida também pode aquecer, não apenas queimar.

Em entrevista ao Jornal do Sudoeste, o sargento fala sobre o significado de servir, o amor por São Sebastião do Paraíso e a força da poesia como instrumento de humanidade.

O senhor está há 27 anos no Corpo de Bombeiros. O que mais o marcou nessa caminhada de serviço e dedicação à comunidade paraisense?

É uma trajetória longa, marcada por desafios que exigem compromisso e responsabilidade. O que mais me toca é perceber o quanto nosso trabalho pode transformar um momento de dor em esperança. Quando salvamos uma vida, resgatamos alguém em perigo ou simplesmente oferecemos conforto a uma família em meio ao desespero, sentimos que vale a pena. Cada ocorrência traz uma lição sobre empatia, solidariedade e o verdadeiro sentido de servir.

Como o senhor descreveria o sentimento de servir a Paraíso por tanto tempo, especialmente agora que a cidade celebra mais um aniversário?

É um sentimento de gratidão. São Sebastião do Paraíso é mais do que o lugar onde trabalho — é o lar que abriga minhas memórias, amizades, família e história. Servir à cidade por tantos anos é como cuidar de um coração coletivo, que pulsa junto ao nosso. A população reconhece a importância do bombeiro militar e das atividades de prevenção, salvamento e resgate, o que nos motiva ainda mais.

Quando e como surgiu a poesia na sua vida? Foi antes ou depois da farda?

A poesia surgiu antes da farda, ainda na juventude. Eu frequentava as bibliotecas municipais e cultivava boas amizades, algumas que permanecem até hoje. Com o gosto da leitura, surgiu o da escrita, que caminharam juntas. Escrevia esporadicamente por hobby, até que, por convite do escritor e amigo Clécio Faria, comecei a frequentar a Academia Paraisense de Cultura. Fiquei encantado com aquele ambiente acolhedor, que unia música, teatro, pintura, literatura e poesia. Tornei-me membro honorário da APC e, incentivado pela poetisa Dalila M. Cruvinel e outros acadêmicos, lancei em 2018 o livro Arquitetura Íntima. Desde então, continuo escrevendo poemas avulsos, participando de coletâneas, antologias e eventos. Além disso, tenho também projetos para um segundo livro.

A profissão de bombeiro exige coragem, disciplina e frieza em momentos críticos. A poesia exige sensibilidade. Como o senhor equilibra essas duas naturezas?

Para mim, a vida, o trabalho e a escrita caminham juntos. Um complementa o outro. A farda não “abafa” o poeta, mas dá profundidade às palavras e ao entendimento do valor das pessoas. A disciplina me ajuda a manter a calma e a agir com equilíbrio nas situações difíceis, enquanto a poesia amplia minha compreensão sobre o lado humano das pessoas. O bombeiro age com a prática; o poeta, com o coração. Juntos, eles me ensinam a ser uma pessoa melhor.

Há situações vividas nas ocorrências que o inspiraram a escrever algum poema?

Não há situações específicas, mas muitos momentos me inspiram: um olhar, um gesto, uma palavra ou até o silêncio. A poesia me ajuda a transformar essas percepções e sentimentos em algo que possa ser compreendido e partilhado.

Na sua visão, existe algo em comum entre apagar um incêndio e escrever um verso?

De certa forma, sim. Tanto o fogo que se apaga quanto as palavras que se escrevem exigem conhecimento, prática e dedicação. Combater um incêndio é saber lidar com o fogo exterior; a poesia, por sua vez, é a chama que move e desperta o interior das pessoas. O segredo está em encontrar o equilíbrio, e acredito que consigo transformar o que vivo em algo significativo, tanto no quartel quanto na escrita. 

O que mais o emociona em São Sebastião do Paraíso — seja como bombeiro ou como poeta?

O que mais me emociona é o espírito solidário e acolhedor do povo paraisense. Vejo união, força e determinação. Como poeta, vejo Paraíso como um berço da cultura, com muitos artistas talentosos. Como bombeiro, pelo povo que confia em nosso trabalho, reconhece e valoriza nossas ações. É isso que faz de uma cidade algo vivo — um movimento contínuo de trabalho, dedicação, construção, solidariedade e cultura.

Se o senhor pudesse dedicar um poema à cidade pelos seus 204 anos, qual seria o sentimento central desse texto?

Seria com sentimento de pertencimento, pois somos parte viva da história e cultura da cidade. Paraíso seria sinônimo, dentre muitos outros valores: Prosperidade, Acolhimento, Realização, Amizade, Identidade, Solidariedade e Oportunidade.

A poesia tem espaço dentro do quartel? Seus colegas conhecem e compartilham desse lado mais artístico do senhor?

Sim. Pela convivência de muitos anos e pela proximidade, tenho muitos laços de amizade no quartel. Os colegas mais próximos perguntam sobre a poesia e quando pretendo lançar outro livro. Percebo que eles entendem a importância de termos uma válvula de escape, um hobby, para conciliar e equilibrar o trabalho, a família e o lazer, cada um à sua maneira.

Depois de quase três décadas servindo e escrevendo, o que ainda o move todos os dias a continuar nessa missão de proteger e inspirar pessoas?

A própria vida é minha motivação. Sou grato pelo trabalho, pela família e pelos amigos. São essas construções que edificam nosso ser ao longo da caminhada. Os apoios que recebemos funcionam como alicerces de sustentação para uma vida plena. Com inspiração e trabalho, sigo com propósito e determinação.